"It's so easy now, 'cause you got friends you can trust
Friends will be friends
When you're in need of love they give you care and attention
Friends will be friends
When you're through with life and all hope is lost
Hold out your hand 'cause friends will be friends
Right till the end"
Friends will be friends by Queen
Quem não se recordar de entoar este hino? Uma música destas apenas poderia caber num álbum como o Kind of Magic. Assim como os próprios amigos o são, a kind of magic. Mas como toda a magia, também esta tem os seus percalços. E a amizade também. E não apenas precalços, mas também custos. Sim, isso mesmo. A amizade tem custos. Isto apesar do senso comum referir várias vezes, Uma amizade não tem preço!
Mas não pensem que os custos associados são todos eles negativos, pois não o são. Há custos na amizade que se prende com custos emocionais no que diz respeito aos aspectos relacionais envolvidos neste tipo de relação. Por exemplo, se eu tenho um amigo e ele está com algum tipo de problema, isso irá constituir de alguma forma uma preocupação para mim. Mas também outros custos, esses sim, mais negativos e que se prendem com comportamentos mais tóxicos, manipuladores, perversos ou outros por parte dos outros e que causam grande impacto negativo.
Lembro-me perfeitamente de durante a adolescência chegar ao final do dia bastante cansado, e na verdade durante o dia apenas tinha estado com os meus amigos. Apenas salvo seja, porque estar com os amigos é algo que pode drenar bastante da nossa energia física e mental. Ou seja, o envolvimento e investimento nas relações tem um custo energético envolvido. E como tal, ainda que os pais e outros adultos digam que os jovens não fazem mais nada do que estar com os amigos, fiquem cientes que as relações cansam, ainda que devolvam às pessoas outras coisas boas.
E como tal, a preocupação empática pelos outros, que geralmente é considerada uma competência socioemocional adaptativa e uma característica importante de relacionamentos próximos, como amizades. pode acarretar custos do cuidar emocional. Por exemplo, a angústia empática refere-se ao envolvimento emocional nos problemas e sentimentos angustiantes de outra pessoa num relacionamento próximo, a ponto de assumir a angústia emocional dessa pessoa e vivencia-la como sua.
Outras situações igualmente intensas e que são reportadas nas relações interpessoais é a vitimização. Esta refere-se à violência e abuso que ocorrem dentro dos relacionamentos pessoais próximos, cometidos por pessoas como amigos, familiares ou cuidadores. A vitimização interpessoal pode envolver exploração sexual e financeira (e.g., forçar alguém a uma actividade sexual indesejada consigo mesmo ou com outros, forçar alguém a lhe dar o seu dinheiro), abuso físico, psicológico ou emocional e humilhação/crueldade.
Mas uma coisa é certa, as amizades são fundamentais na nossa vida. Ao longo de nossa vida, as amizades são uma fonte crucial de apoio e afecto, que nos ajudam a superar situações difíceis da vida. As amizades oferecem um sentimento de pertença social e podem ser caracterizadas por proximidade, amor e confiança. A amizade evolui ao longo da vida, e o início da adolescência é um período de mudanças significativas. É um momento de autodescoberta e desenvolvimento da independência dos pais, quando os jovens passam a passar mais dias na escola e actividades de lazer com os pares. A amizade torna-se mais importante, mas também mais complexa. Os jovens adolescentes agrupam-se para desenvolver sua própria cultura, onde as pressões sociais para se conformar aumentam para permitir o bom funcionamento do grupo. Em consonância com isso, a qualidade das amizades dos jovens aumenta gradativamente ao longo da infância e adolescência. Em particular, o nível de apoio e intimidade nas amizades aumenta significativamente na adolescência.
A amizade nos pré-adolescentes requer maior adesão às expectativas sociais, como entender inerentemente os desejos e intenções do outro, negociar limites pessoais e iniciar ações pró-sociais, muitas das quais são desafiadoras para os adolescentes autistas. E além disso, as pessoas não autistas muitas vezes interpretam mal as pessoas autistas, levando a percepções negativas destas, talvez contribuindo para sua exclusão social. Sendo que o estilo e a abordagem social das pessoas autistas são diferentes das pessoas não autistas, muitas vezes causando desentendimentos mútuos e dificuldades nas interações sociais, o que também pode trazer problemas nas amizades.
Esta questão da vitimização interpessoal e que ocorre no contexto de relações que até determinado momento são consideradas relações de amizades ou pelo menos próximas, é algo que ocorre com determinada frequência com as pessoas autistas. Isso mesmo, as pessoas autistas, ao longo da sua vida vão tendo um conjunto de relações interpessoais. Algumas dessas relações transformam-se em relações de amizade e dentro destas algumas delas acabam por criar situações de vitimização. É fundamental perceber por que é que tão frequentemente ocorrem estas situações de vitimização e de polivitimização e o impacto que têm nas pessoas autistas. Até porque em muitas destas situações, são várias as pessoas autistas que passam a pensar que elas é que são o problema.
Ao longo do desenvolvimento, e principalmente a partir da pré-adolescência, as pessoas autistas são muitas vezes incompreendidas pelos seus pares, o que pode levar a desafios dentro das suas amizades. No entanto, as amizades desempenham um papel importante no nosso bem-estar psicológico, em que na população não autista as amizades de boa qualidade geralmente protegem contra dificuldades de saúde mental, enquanto as amizades conflituosas aumentam o risco.
Mas como ainda continuamos muitos de nós a pensar que as pessoas autistas ora não têm amigos, se interessam por amizades, ou quando há dificuldades prende-se com o facto destes terem determinado conjunto de características que as causa. Acabamos muitos de nós por não abordar as relações interpessoais no autismo. Assim como a importância das relações de amizade e do impacto das relações tóxicas e que se vão misturando neste intrincado complexo de relações. Além de ser importante referir que algumas das dificuldades sentidas e reportadas por muitas pessoas autistas enquanto vitimas destas relações tóxicas se prendem com atitudes provenientes de outras pessoas autistas.
As relações implicam vários factores, nomeadamente confiança mutua. Mas para poder confiar é preciso compreender do que se trata quando falamos de confiança. Ou quando essa confiança é traída uma primeira vez podermos sentir que a mesma pode vir a ser traída novamente. E isso ser uma grande dificuldade nos pensamentos da pessoa. Mas a confiança nem sempre tem a ver com o outro, mas também a confiança em si próprio, na sua avaliação da situação e da outra pessoa.
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