Para quem possa pensar que vou falar da ligação entre a Perturbação de Stress Pós-Traumático e o Autismo, engana-se. Digo isto, porque alguns podem identificar a fotografia usada neste post como pertencendo a muitos dos antigos combatentes Portugueses na Guerra do Ultramar. Mas irei falar de algo que se enquadra, seja pela intensidade da ligação emocional, os sentimentos envolvidos e o cenário de "guerra" por vezes vivido. Tal como diz na tatuagem, irei falar sobre o amor de mãe. Mais precisamente do amor de mães autistas pelos seus filhos.
Mas antes disso gostaria de pensar alto um pouco sobre esta questão de ser ou não ser uma boa mãe. O que será uma boa maternagem? E será que esta é igual variando o contexto cultural? Ou até mesmo ao longo dos anos? Estou certo que muitos leitores e principalmente leitoras terão muito a dizer sobre o que sentem que são as características de uma boa mãe. Os homens e pais que se sentem um pouco mais intimidados de o dizer lembro que têm igualmente um papel fundamental neste processo de construção do que é uma boa mãe. Quem nunca ouvi dizer de uma mãe que não dormiu a noite inteira enquanto o seu filho não voltava para casa? Ou de uma mãe que tira comida da sua boca para alimentar a sua filha? Ou que preferia ser ela a ter aquelas dores e sofrimento ao invés do seu filho? Mas também, já não te posso ouvir nem mais um pouco? Ou estou com os cabelos em pé, e antes que aconteça alguma coisa, sai-me da minha frente? E se foi o caso de ter ouvido umas e outras destas frases, será que isso fez da sua mãe uma boa mãe? E o facto de ser uma boa mãe isso significa que em determinado momento a mesma não pode ter um qualquer outro comportamento que possa ser sentido como negativo pelo filho?
Ao longo dos anos, a humanidade dividiu-se entre adorar e temer aquilo que não consegue explicar. Bem como deusificar e glorificar as criaturas capazes de gerar vida, conhecedoras únicas dos segredos da fertilidade, e que cuja própria vida era governada por ciclos em que se esvaiam de sangue e dos quais sobreviviam, e que como tal apenas poderiam ser vistas como detentoras de um poder de origem sobrenatural ou divino. E não é por acaso que encontramos no Livro do Genesis a seguinte inscrição - "...o Senhor Deus chamou Adão e perguntou-lhe: Comeste da árvore que te proibi de comer? E então o homem retorquiu: A mulher que me deste por companheira deu-me da árvore e eu comi. E disse o Senhor Deus à mulher: Multiplicarei tuas dores e as tuas concepções; com dor terás os teus filhos, e o teu desejo será para o teu marido, que te dominará." . Segundo esta descrição não será dificil de compreender o percurso longo e árduo que a mulher e mãe tem percorrido ao longo da história da humanidade. Desde mulher desejada, fonte de luxúria, inspiração ou musa, passando por santa ou obra divina, até feiticeira ou bruxa queimada. Mas a mãe e a maternagem também foi pensada na psicologia e no âmbito da relação com os seus filhos. Recordo por exemplo a designação de Bruno Bettelheim em 1950 sobre as mãe frigorifico e o impacto do comportamento mais desligado e desprovido de afecto destas no desenvolvimento infantil e no surgimento de determinadas perturbações, nomeadamente o autismo. Ou então Winnicott que partilhou alguns dos pensamentos desenvolvidos por Klein acerca da crença fundamental na importância decisiva dos estágios precoces do desenvolvimento. Concordando com ela sobre a necessidade de satisfação do verificada no bebé. Teorizando que a satisfação só era possível num contexto de proximidade com a mãe capaz de reciprocidade. Em que esta mãe pudesse adoecer com e pelo seu bebé, e que era necessária para fazer com que ele começasse a existir, a sentir que a vida era real. Acrescentava ainda, que essa mãe não podia ser complacente, pois o bebé confiava na firme atenção dela para sua sobrevivência. E desta experiência surge a esperança da dependência possibilitadora da independência, naquilo que também ficou conhecido como o conceito de mãe suficientemente boa.
Como podemos verificar muito já foi escrito sobre as mulheres e sobre o facto destas passarem a ser mães. Até mesmo nos últimos anos temos observado todo um conjunto de textos e reflexões acerca do facto de haver mulheres que não desejam ser mães. E se alguns de vocês forem espreitar as caixas de textos de muitas destas noticias colocadas nas redes sociais irão poder observar uma miriade de comentários mais ou menos e outros muito inflamados. Ainda assim, muitos dos que estão a ler este post já experimentaram escrever e postar numa rede social um texto que apresenta uma determinada ideia sua. Por vezes os nossos textos podem ser mais neutros e não desencadeamos nenhuma reacção mais inflamada. Mas por vezes, o tema escolhido leva a que muitas pessoas se insurjam relativamente ao mesmo e ao seu autor. No meu caso especifico já me aconteceu ter reacções mais inflamadas quando escrevi sobre a sexualidade ou as relações amorosas no Espectro do Autismo. Ou então quando escrevi sobre a aparente relação entre a Identidade de Género e o Autismo. Para além das minhas publicações, vou seguindo a de muitas outras pessoas, e tenho reparado enquanto internauta em situações em que determinada publicação levou a reacções de uma grande intensidade e de uma valência negativa e com expressões de ira. Por exemplo, quando alguém tenta a ousadia de fazer uma publicação sobre determinado tema relacionado com as crianças, numa rede social maioritariamente visitada por mães, é bom que pense duas ou três vezes no que vai escrever. Alguns pensarão - É o que acontece quando procuram meter-se com as mães! Também não deve ser por acaso que muitas vezes encontramos designações de mãe leoa ou de mãe guerreira. E para quem vê com alguma assiduidade o National Geographic consegue perceber bem ao que me estarei a referir. É comum observar uma leoa fêmea a enfrentar um grupo de hienas para proteger as suas crias. Ou uma outra fêmea de uma outra espécie e que mesmo que tenha um pequeno porte não é por isso que desiste de poder defender as suas crias.
Para muitas mulheres, a entrada na idade adulta envolve tornar-se mãe. Sendo que o conhecimento de como a maternidade é experimentada pelas mulheres autistas ainda é escasso. E este conhecimento mais precário leva a uma série de consequências negativas, além de levar a um apoio inadequado. Na verdade nós somos iguais. Quero dizer, as mães autistas e as não autistas, diz Joana (nome fictício). Normalmente consigo descobrir o que os meus filhos querem ou. necessitam mesmo quando não o conseguem verbalizar e ajudá-los de alguma forma que outros membros da família não podem ou conseguem, acrescenta. Em muitas culturas diferentes, tem sido demonstrado que ter um filho traz experiências mistas, sejam positivas, como alegria, bem estar e ligação a outro, bem como negativas, como o aumento do stress. Ele deixa-me louco com as suas necessidades sensoriais. Ele gosta de estar em cima de mim ou escalar por cima de mim e eu estou completamente sem vontade alguma, além da dificuldade que eu própria tenho com este tipo de contacto físico, refere Carla (nome fictício). Os adultos autistas parecem ter diferentes experiências de vários eventos de vida em comparação com aqueles que não são autistas. E como tal é possível pensar que a experiência da maternidade tenha igualmente alguns aspectos diferentes. Por vezes sinto-me mal por ela se sentir tão ansiosa a maior parte do tempo, diz Renata (nome fictício) a chorar. E sinto-me mal porque eu própria me sentia assim quando era criança. . . Não quero que ela se venha a sentir como eu, acrescenta. As pessoas autistas exibem uma gama de características e valores, tais como elevados padrões de desempenho através do aumento da atenção aos detalhes e fortes valores de trabalho, que pode trazer maior resiliência e dedicação ao desafio da maternidade. No entanto, as mulheres autistas também tendem a experimentar uma ampla gama de desafios de vida e de problemas de saúde mental que coocorrem em simultâneo com a sua condição de autismo. Muitas vezes oiço que as mães autistas não têm empatia. Nós temos muita empatia, mas se tivermos muito para lidar, simplesmente temos de desligar, até porque tudo aquilo é tão esmagador, refere Madalena (nome fictício). Atendendo a que a maternidade pode muitas vezes desencadear o surgimento de depressão, mesmo naquelas que nunca a experimentaram anteriormente, é importante perceber como é que as mulheres autistas experimentam a maternidade, considerando os desafios aumentados que podem ocorrer ao longo da parentalidade e começarmos a adquirir conhecimento sobre o que pode ajudar as mulheres autistas a se prepararem para a maternidade. Além de que é sabido que o índice de prevalência de depressão nas mulheres autistas é superior ao encontrado nas mulheres em geral. E também é preciso pensar que a percentagem de famílias monoparentais em Portugal é considerável e com uma maior expressão no feminino. Sabe-se que existem cerca de 398.572 agregados familiares monoparentais com mães, comparativamente a 72.082 com pais. Quando falamos com mulheres autistas e que são mães é muito frequente ouvirmos um certo conjunto de tópicos semelhantes entre si. Nomeadamente, o autismo tem um impacto significativo na parentalidade. E aqui com o autismo quero significar o diagnóstico de autismo na mãe e o facto de haver um diagnóstico igual no seu filho ou filha. Não é algo que se verifique em todas as situações, mas tendo em conta a explicação genética no autismo é plausível poder encontrar com grande prevalência esta situação - mãe e filho ou filha autista. Um outro aspecto sobejamente abordado é a luta constante por um apoio adequado. Seja para a própria atendendo à sua condição e necessidade de apoio, mas também para um melhor exercício da sua parentalidade para o caso do seu filho, seja ou não autista. A questão da auto-aceitação do diagnóstico mas também da forma como a própria parentalidade vai sendo diferente ao longo do tempo é uma outra questão pertinente. Assim como todos os altos e baixos que o exercício da parentalidade traz e principalmente quando o seu filho ou filha é autista. Houve uma altura que tive que parar o trabalho que estava a fazer ao fim de seis semanas. Simplesmente porque o meu corpo estava em sobrecarga sensorial. Não conseguia mais, desabafa Cristina (nome fictício). Há situações que são verdadeiramente revoltantes. Por exemplo, quando o meu médico de família percebeu que eu era autista ele queria que eu escrevesse ali à sua frente os tempos e as doses dos medicamentos a dar ao meu filho. Só consegui dizer-lhe que não era a primeira vez que lhe dava os medicamentos. Mas quando sai do gabinete não consegui parar de chorar, diz Joana. As pessoas precisam mesmo de ouvir os pais autistas. . . não somos mal educados ou desadequados, vemos as coisas de uma perspetiva diferente, diz Renata. A maternidade ensinou-me a ter paciência... ensinou-me a encontrar alegria nas pequenas coisas, ensinou-me a viver o momento para mim . . . para comunicar as coisas nos meus termos, ensinou-me que não há nada de errado com a forma como eu comunico. Até porque se aqueles pequenos seres me estão a entender e estes seres ainda não têm experiência de vida, nenhum conhecimento de comunicação, e ainda assim podem compreender exactamente o que estou a dizer...então não vejo que eu tenha algo de errado, refere Júlia (nome fictício). As pessoas autistas não são famosas por lidar bem com a mudança, mas sabe, é o que é e você só tem que ajustar-se à medida que vai e aprende à medida que as coisas vão indo, diz Renata. Não sou uma pessoa muito sensível, mas...tive de me habituar. Principalmente para não me estar sempre a importar. . . Se o meu filho gosta de escalar em cima de mim...da primeira vez até foi complicado... mas uma vez que me habituei, sabe, sinto que consigo continuar com isso, refere Carla. Estava com medo de não a amar tanto, só não conseguia ver como qualquer um poderia ser tão bom quanto o meu primeiro filho e de como alguém ter amor suficiente para dois bebés, mas depois descobrimos que temos mais amor, diz Joana. A primeira vez que a vi foi como se tivesse uma sensação espantosa. . . .olhei-a nos olhos e era como se eu a conhecesse desde sempre... Nem sequer posso explicar, foi lindo, diz Renata.
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