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À espera de Godot: O absurdo & o trágico no espectro

"- Então devemos partir?"

"- Sim, vamos! ...e não se movem". É assim em À espera de Godot de Samuel Beckett. Uma peça sobre o absurdo da condição humana, o trágico da existência. Do Homem que sente uma angustia crescente, numa era própria de ilusões. São muitos os textos sobre as díade dificuldades versus competências no espectro do autismo. Hoje não! Teremos tragédia & comédia nova. Um ensaio entre o terror e a piedade despertada no público e uma visão realista que procura, utilizando uma linguagem bem comportada, estudar as emoções do ser humano. [silêncio...ouve-se as setes pancadas de Molière].

A tragédia grega que vem da designação grega - tragoidia (i.e., o canto ao bode é uma manifestação ao deus Dioniso, que se transformava em bode para fugir da perseguição da deusa Hera). São muitas as vezes que as pessoas no espectro do autismo também procuram fugir àquilo que sentem como uma perseguição a si próprios, recheado de não compreensão da sua pessoa. Mas a vida no espectro do autismo não é apenas pauta deste estilo trágico, de horror e piedade. Também tem comédia e muito sentido de humor. Saibamos nós escutar e apreciar outras formas de comédia & arte.


O grupo Asperger's R Us é considerado o primeiro grupo de comediantes formado exclusivamente por pessoas diagnosticadas com Síndrome de Asperger. Surgiram em 2010, Ingemi, Hanke, Finlan e Britton em Massachusetts. Produziram vários espectáculos e em 2016 passaram pela Netflix. Fizeram uma paragem e voltarem a cena este ano no canal HBO. Se pesquisarem no Youtube irão poder ver alguns dos sketches. Para além da competência técnica trazida pela entrega dos actores, são hilariantes de uma forma genuína. Reportam inúmeras vivências de muitos daqueles no espectro do autismo, e claro, de eles próprios também, da sua visão sobre as suas experiências. São muitas as pessoas do espectro do autismo que se identificam com várias das situações e também como eles riem a bom rir de situações e experiências de vida que antes referem não ter sentido vontade nenhuma de sorrir.


Será esta a capacidade transformadora do teatro, da cultura, da arte? Provavelmente sim. Este viver a arte, e a vida tal como ela é, em liberdade. O teatro possui na sua estrutura uma capacidade transformadora da realidade devendo actuar, portanto, directa e indirectamente, sobre a realidade no sentido de modifica-la, e desta forma, adquirindo quase que a única função de modificador e transformador. Este grupo de adultos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) levam a cena aquilo que muito dos que são também do espectro do autismo vivem no seu quotidiano. Porventura de uma forma mais dramática pelo impacto muitas vezes sentido como negativo.


Os termos “necessidades especiais” e “desafios” são frequentemente sinónimos e classificadores no espectro do autismo. De facto, os desafios fazem parte da vida, seja experimentada nos neurotipicos ou nas pessoas no espectro do autismo. No entanto, sabemos que viver no espectro do autismo, os desafios, esses desafios, são geralmente geradores de barreiras ao envolvimento social, ao sentido de autoestima e à qualidade de vida.


Para pessoas do espectro do autismo, aumentar o nível de conforto é onde o teatro enquanto ferramenta transformadora, terapêutica, oferece oportunidades para expandir e crescer. Ao longo da história do teatro, o palco tem sido um lugar para as pessoas se comunicarem de diferentes maneiras: de monólogos e canto, a movimentos interpretativos e dança rítmica. As artes prepararam o cenário para as pessoas aprenderem sobre o mundo e elas mesmas. As três partes do teatro musical - actuação, canto e dança - podem ser uma ferramenta muito importante no desenvolvimento contínuo de uma pessoa que experimenta o mundo através das lentes do autismo. Existem muitas competências sociais que o teatro desenvolve continuamente, desde o primeiro jogo de actuação até a apresentação final: aprendendo a fazer e manter contacto visual, revezando-se na fala (diálogo), fazendo amigos etc.


O desamparo, ou a desesperança aprendida (Learned hopelessness), vivida ao longo de muitos anos nas pessoas do espectro do autismo é o oposto do empoderamento (empowerment) e capacitação. As constantes situações em que se vêm - não compreendidos, colocados de parte, gozados e humilhados, vai gerando um crença global, enraizada e cristalizada, de que o mundo é um lugar mau e que se devem afastar ou desconfiar. Ao contrário do empoderamento. Neste campo, a criança, jovem ou adulto, aprende pedir/exigir ajuda para a maioria das tarefas. Isso é ensinado acidentalmente por aqueles que são bem intencionados, mas pode ser evitado ao permitir que os jovens se apropriem orgulhosamente de suas ações independentes.


O teatro, tal como na ferramenta terapêutica do psicodrama, pode ser um facilitador de uma representação dramática improvisada, usada para abordar a exploração da psique humana, dos seus vínculos emocionais visando à catarse e ao desenvolvimento da espontaneidade da pessoa. O grupo Asperger's R Us e outras mais companhias de teatro, pequenas ou grande, existentes com grupos mistos ou unicamente constituídos por pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo devem ser olhados como formas importantes de devolver ao palco da vida e com dignidade todos as crianças, jovens e adultos que vivem no espectro.

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