"When you walk through a storm
Hold your head up high
And don't be afraid of the dark
At the end of a storm
There's a golden sky
And the sweet silver song of a lark
Walk on through the wind
Walk on through the rain
For your dreams be tossed and blown
Walk on, walk on
With hope in your heart
And you'll never walk alone
You'll never walk alone
Walk on, walk on
With hope in your heart
And you'll never walk alone
You'll never walk alone"
Gerry & The Pacemakers, 1963
Há quem reconheça esta letra das inúmeras vezes que a ouviu entoar no inicio dos jogos do Liverpol F.C. Ou então das infinitas vezes que o disco do Elvis Presley rodou no gira discos lá de casa. Quem já ouvir a música deve ter sentido uma ou outra vez um arrepio a percorrer todo o corpo, provavelmente pela emoção sentida.
Mas fiquem descansados que não vos irei aborrecer com os resultados da primeira liga Inglesa de futebol, e muito menos da contratação do Ruben Amorim para o Manchester United. Apesar do seu nome ter sido das palavras mais pesquisadas no Google Analytics de 2024. E também não irei evocar a lenda de Elvis Presley repetindo alguma teoria da conspiração de que ele se encontra viva em algum ponto do planeta.
O titulo desta música You will never walk alone (Nunca caminharás sozinho) levou-me a pensar em algo que ouvi este fim de semana no decorrer do PIN Summit 2024 numa das frases proferidas pelo Dr. Nuno Lobo Antunes e que já a ouço desde há muito, assim como esta mesma música.
Quando falamos ou ouvimos falar de autismo parecemos quase sempre mais centrado na interacção e comunicação social, certo? Afinal de contas são características nucleares encontradas com determinado compromisso neste diagnóstico. E quando ouvimos alguém dizer, como é o caso do Dr. Nuno, a referir que são várias as vezes que ao ver um utente seu a percorrer o corredor da clinica até à sala da consulta é suficiente para fazer um diagnóstico de autismo ficamos num misto de emoções entre o espanto e a incredulidade.
Confesso que pouco antes de ter iniciado a minha viagem enquanto psicólogo clínico pelo autismo também estava entre esse misto de emoções. Como era possível? perguntava-me. E à medida que me ia cada vez mais aproximando e me deixava absorver pelas múltiplas formas de expressão da pessoa autista, senti cada vez mais a autenticidade dessa frase e forma de sentir e pensar.
O movimento do corpo é uma forma essencial de caracterizar o autismo, de acordo com os critérios de diagnóstico. No entanto, faltam na literatura académica e nas orientações clínicas descrições qualificadas do que são os movimentos autistas, das suas funções e do seu valor pessoal. E também por isso ouvimos várias vezes e diferentes pessoas, autistas e principalmente não autistas, referir diversas coisas que podem significar aqueles mesmos movimentos. É algo que acalma a pessoa! Ela faz aquilo para se sentir mais segura! Ele precisa de fazer aquilo! Se ela não fizer daquela maneira vai ficar mal. Seja o que já ouvimos ou até mesmo dissemos, é importante poder continuar a compreender o que é que os movimentos nas pessoas autistas poderão significar.
As formas como as pessoas autistas movem os seus corpos são predominantemente entendidas através de uma lente estigmatizada, em que os movimentos são estereotipados, repetitivos, ritualizados ou comportamentos invulgares. No entanto, este ponto de vista restrito é demasiado simplista; omite a complexa interação entre a forma como o comportamento de uma pessoa reflecte a sua adaptação ao seu ambiente, como os comportamentos podem ser modificados à medida que a pessoa navega na sua identidade e os juízos de valor que atraem devido à comparação com a forma como a maioria “neurotípica” se comporta.
A estimulação é um tipo de movimento associado ao autismo que tem uma compreensão em evolução. O valor dos movimentos repetitivos e rítmicos ou das vocalizações, por vezes involuntárias, pode servir para a autorregulação do desconforto, da emoção, da sobrecarga sensorial ou de pensamentos ruidosos.
Não andamos desta ou daquela maneira apenas porque adquirimos essa capacidade na primeira infância por volta dos 12 meses. Nem sequer andamos sempre de uma mesma forma, ainda que tenhamos um padrão habitual de andarmos. Andamos com um ar mais pesado, como se nos afundássemos ou arrastássemos até porque é assim que nos estamos a sentir ou sentimos habitualmente. Mas também o podemos fazer porque não temos propriamente uma percepção aproximada do sentir do nosso corpo e como tal não produzimos nenhuma mudança ou correção. Ou então nem sequer nos faz sentido fazer o que seja de mudança ou correção no nosso modo de andar porque essa questão não faz parte daquilo que achamos ser importante, seja para nós ou para os outros,
As pessoas e neste caso específico o seu movimento não é apenas um comportamento passível de ser diagnosticado e etiquetado como uma peça solta num amontoado de outras peças indiferenciadas. Estes e outros movimentos não são apenas dificuldades motoras e perturbações de coordenação ou outras designações. Os movimentos fazem partem dos dias e da estruturação e delimitação dos dias, e dos diferentes momentos e o que eles significam. O movimento além de ser uma forma de ser e agir no Mundo, também é uma forma de o pensar. Por exemplo, se descrevermos um corpo que se move no espaço ao longo do tempo, estamos a descrever o movimento. No entanto, estamos também a assumir um espaço-tempo não cinético e imóvel mais primário no qual este movimento ocorre. Na perspectiva do movimento, o espaço, o tempo e os objectos não são imóveis, mas sim padrões metaestáveis de matéria em movimento. Tudo está em movimento, mas todos os movimentos são relativos a outros. Este é o significado da relatividade geral.
Nós movemo-nos, assim como o Mundo. É uma constante. E sentimos que a forma como uns e outros se movem influencia o nosso próprio movimento. Basta pensar na forma como o Mundo se move em termos do desenvolvimento cientifico e tecnológico de uma forma vertiginosa. E muitos de nós se vão sentindo mais cansados por tentarem acompanhar com o seu próprio movimento o andar do Mundo pós-moderno. É como se tentássemos entrar numa plataforma física que já se encontra em movimento a rodopiar. O que é que achamos que acontece? Ao tentarmos subir para essa plataforma somos cuspidos automaticamente para fora dela. As pessoas autistas muitas vezes sentem-se assim: cuspidos para fora do que quer que seja. Até porque sentem que aquelas plataformas que ali existem têm um movimento diferente. E que parece não parar para subirem a bordo. E também por isso vão procurar outras plataformas onde sintam que podem caminhar e se movimentar. E esse movimento leva-os a sentirem maior afastamento e nos não autistas a corroborar aquilo que pensam sobre as pessoas autistas - que são pessoas que gostam do isolamento. Este movimento passa a ser parte da noção de capacidade e/ou competência. Se sabes movimentar-te de uma forma adequada para dançar és um bom dançarino. E o seu contrário se não o fizeres. Isto quando sabemos que existem diferentes danças, dançarinos e formas de expressar esse mesmo comportamento de dançar.
A procura da compreensão do movimento começa com observações e experiências quotidianas. Embora muitas vezes não tenhamos consciência disso, baseamo-nos regularmente em pistas não verbais para avaliar os sentimentos e os traços de personalidade dos outros. Cada um de nós tem o seu próprio “léxico” informal de padrões de movimento que se torna um guia de referência não ensinado, mas essencial, que nos permite responder e adaptarmo-nos aos outros.
Os movimentos podem ser executados sob controlo voluntário ou ocorrer espontaneamente, sem uma consciência intencional total. Os movimentos espontâneos e os reflexos estão integrados em sequências de movimentos naturais e transportam ritmos que, em recém-nascidos típicos, podem ser socialmente associados, por exemplo, à fala dos adultos, mesmo antes de a percepção estar completamente amadurecida.
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