Quantas vezes já teve de respirar fundo e contar até dez para não se passar da cabeça com algo que o seu filho fez ou disse? E quando deu conta sentiu que o melhor seria sentar-se no chão e tentar perceber a perspectiva dele? No inicio da minha carreira como psicólogo no Hospital de Santa Maria tive em consulta uma mãe que me confidenciou cheia de culpa - Eu sei que devo ser uma mãe terrível, mas há dias que só me apetece atirar a minha filha pela janela! Certamente que muitos de vocês ao lerem esta frase irão desatar a tecer comentários e juízos de valor. Mãe que é mãe nunca diria uma coisa destas! Como é que é possível sentir isso? Enquanto outros sairão em sua defesa dizendo compreender muito bem o que sente e diz. Até porque sentem no seu quotidiano muitas dessas e outras sensações semelhantes devido a muitos dos desafios e pressões emocionais. Assim como um destes dias assistia a uma conversa sobre a parentalidade no Espectro do Autismo entre duas mães com filhos neurotipicos. Dizia uma das mães sobre uma mãe com dois filhos autistas - Não sei como ela aguenta? Enquanto a outra lhe respondeu - Não sei porquê? Por que os filhos são autistas? E a primeira responde-lhe - Claro, já viste os desafios que ela não tem no dia a dia? Crianças são crianças. Olha que eu com três filhos também não tenho mãos a medir!, responde a segunda. E por ali ficaram na troca dos prós e contra da parentalidade no Espectro do Autismo. Se forem a um grupo de mães com filhos autistas numa rede social irão perceber que apesar do grande impacto que o seu quotidiano tem, são várias as perspectivas sobre esta vivência.
Eu amo cada dia mais o meu filho, mas ninguém imagina o pesadelo que eu vivo dia e noite há doze anos!, ouvia uma mãe com um filho autista. Eu deixei de ir às redes sociais de mães autistas. Não aguentou o discurso positivo e de que é uma benção nas suas vidas. As pessoas precisam de aceitar e não ter vergonha em dizer que ser mãe de uma criança autista tem momentos extremamente horríveis!, ouvia de uma outra mãe com uma filha autista. Ele já me mordeu, cuspiu e ainda a semana passada me pontapeou! Deixem de romancear o autismo!, gritava esta outra mãe em que ainda era visível o hematoma nas pernas.
A paternidade é indiscutivelmente um dos eventos de vida mais significativos que uma pessoa e uma família podem experimentar, muitas vezes levando a uma infinidade de novas responsabilidades ao lado de uma série de mudanças físicas, psicológicas e sociais. As responsabilidades dos pais resultam inerentemente em pressões adicionais com as pessoas a negociar a gestão de novas tarefas domésticas e de cuidados infantis, equilibrando as posições de trabalho (preexistentes), estabelecendo a relação pai-filho enquanto também se ajusta aos papéis alterados da família e do ciclo de vida.
Quando procuramos alguma informação acerca de como exercer a nossa parentalidade, até porque sentimos que estamos a ter alguns problemas. Seja na internet ou em algum manual da área. Mas também quando os familiares ou amigos decidem opinar sobre a boa parentalidade, geralmente lemos ou ouvimos coisas como: a pessoa deve ser um modelo positivo para os seus filhos e outros pais, oferecer um apoio afectuoso e amoroso, fazendo escolhas de vida que não impedem o desenvolvimento emocional, social e físico da criança proporcionando estabilidade, nutrição, e estreita supervisão. Lembro-me que quando dizia algo semelhante depois de ter saído da faculdade, ouvia alguns amigos já com filhos dizerem-me - Quando depois fores pai logo falamos melhor! Alternativamente a esta visão temos abordagens parentais inconsistentes e imprevisíveis que são frequentemente referidas como elementos de uma má parentalidade. Com evidências cientificas a demonstrar que este estilo acarreta consequências e impacto negativos no desenvolvimento e funcionamento cognitivo, compreensão e gestão das emoções e, finalmente, saúde mental e comportamento. Da mesma forma, as expectativas de práticas parentais podem ser ainda mais complicadas e influenciadas por valores e práticas culturais e subculturais, bem como por atitudes sociais e (intergeracionais) quanto ao que constitui uma boa e má parentalidade.
Quando entramos no autismo a nossa vida tal qual a pensávamos conhecer muda!, diz Clara (nome fictício) mãe com uma filha autista. Isto se já não for diferente desde sempre!, responde-lhe Joana (nome fictício), mãe autista com um filho autista. Bem, as coisas boas sobre ser mãe é o amor absoluto que recebemos dos nossos filhos e o amor que lhes damos e o que podemos partilhar com eles, refere Catarina (nome fictício), mãe de duas raparigas autistas. Para mim será fundamental certificar-me que eles distinguem o certo do errado e estão seguros, e não se metem em problemas. Apoia-los nas coisas que eles querem fazer. Poder envolver-me coisas que eles querem fazer, como nadar ou qualquer coisa que eles queiram fazer. Cuidar deles, certificando-me de que eles têm o que precisam e vão para a escola, refere Telma (nome fictício) que está grávida de fim de tempo e o seu marido é autista. Algumas das mães sorriem, porventura com alguma condescendência e compreensão do que Telma disse. Eu fico muito feliz com a forma como os seus cérebros funcionam. Lá em casa nós desfizemos o dia e as situações e resolvemos isso juntos, refere Bárbara (nome fictício) com dois filhos autistas. Quando você está a criar os seus próprios filhos e a ver todas essas coisas a acontecer, isso também alimenta você e faz você querer ser, faz você querer fazer melhor, diz Júlia (nome fictício) mãe de um adolescente autista. Eu tenho muitos problemas sensoriais relacionadas com a comida e estou a ter que ter quase os meus próprios pequenos colapsos para lhe preparar a comida todos os dias, diz Anabela (nome fictício) mãe autista de três filhos sendo um deles autista. As coisas da escola foram um pesadelo porque me obrigou a ter de contactar com outros pais. E eu sentia que os tinha que evitar como uma praga porque não queria falar com eles. Até porque eles estavam sempre a improvisar, diz Cláudia (nome fictício) mãe de uma rapariga autista. Basta conhecer o seu filho. E conhecê-lo como uma pessoa e lidar com as suas coisas, não com tudo que você lê em um livro, refere Cátia (nome fictício), mãe de um rapaz autista não verbal.
Uma coisa todas elas acabaram por concordar - O que eu gostava mesmo é que as pessoas tivessem mais tolerância e não se apressassem a nos julgar!
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