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Um destes dias chovia muito. Mas pensei que como o meu chapéu de chuva é suficientemente grande que não me molharia. O certo é que fiquei completamente encharcado até bem perto da cintura.


Esta situação de tão simples que é de ocorrer no quotidiano de qualquer um de nós fez-me pensar no autismo. E mais especificamente naquele que é designado de nível 3. E porquê? Porque desde 2013, quando na DSM 5 passou a estar tudo sobre o chapéu de Perturbação do Espectro do Autismo, parece não se ter conteplado adequadamente a heterogeneidade que sempre se observou nesta condição. E com isto não estou a reconhecer aquilo que poderão ser as mais valias desta categorização. Mas penso fundamentalmente que é preciso olhar para aquilo que são as consequências negativas e de quem é deixado para trás com uma resposta menos adequada. E se por um lado pensamos e verificamos que os movimentos pró autismo têm estado a crescer e com uma posição mais demarcada. Também é verdade que muito do que se tem verificado é que as pessoas autistas nível 3 continuam em muito afastadas da sua participação. E não é apenas aqui que estão afastadas. Por exemplo, a investigação que continua a ser realizada no âmbito do autismo continua a deixar de fora as pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo nível 3. E uma das justificações que apresenta é de que estas pessoas apresentam um QI inferior a 70. E como tal não são capazes de poder participar no âmbito da investigação desenhada. Isto, ao invés da própria equipa de investigação ponderar os objectivos da sua investigação e do desenho de investigação que propõem e da sua adequação à população a estudar. Ainda que muito daquilo que tem sido feito é envolver os pais e outros profissionais de saúde que acompanham pessoas autistas com nível 3 para poder responder às questões de investigação. Ao invés de serem os próprios a poderem fazê-lo. E o facto dos mesmos serem ou poderem ser na maior parte das vezes não verbais. Ainda assim será possivel e garantidamente importante poder construir instrumentos e metodologias adequadas para poder recolher a informação adequada.


O autismo expressa-se e afecta as pessoas de formas muito diferentes. Num extremo do espectro do autismo estão as pessoas que vão para a universidade e para a carreira profissional com talentos e capacidades distintas. No outro extremo, encontram-se pessoas com dificuldade intelectual e desenvolvmiental, não verbais e incapazes de funcionar sem apoio intensivo durante toda a vida.


E por isso encontramos à frente de Perturbação do Espectro do Autismo nível 3, a designação, exige um apoio muito substancial. Mas o que é isso de apoio substancial? E como é que este pode e deve ser implementado de acordo com a própria diversidade que existe no espectro do autismo, e aqui estou apenas a referir-me às pessoas que estão dentro do nível 3.


Mais recentemente foi falado do termo autismo profundo. Confesso que no principio não fiquei muito agradado com o termo. Da mesma forma que não me agrada o termos autismo mais funcional. E da mesma forma que nunca me agradou a designação de normal. Mas à medida que fui lendo os contributos da Catherine Lord e do grupo de investigadores e clíncos que se têm debruçado sobre o termo e do porquê fiquei mais convencido. Até porque se tem verificado ao longo destes últimos anos, e especificamente desde a revisão da DSM 5 (2013), que as pessoas autistas com nível 3 não têm estado a receber o apoio e as respostas adequadas à sua situação. Assim como os seus grupos familiares.


O termo autismo profundo é definido como tendo um QI inferior a 50 ou sendo não-verbal ou minimamente verbal. As pessoas com autismo profundo necessitam de ajuda nas tarefas da vida quotidiana. Muitas têm epilepsia e comportamentos como a auto-agressão e a agressividade que requerem apoio permanente para estarem seguras. Além disso também tem sido verificado que a maior percentagem de pessoas com este autismo profundo são raparigas. E que parece ocorrer com uma maior taxa em minorias raciais e etnicas, e em familias com baixos rendimentos.


Esta e outras questões não são isentes de desacordo e até de conflito. Seja quando em 2013 se deixou de designar Síndrome de Asperger e ficou tudo sobre a designação de Perturbação do Espectro do Autismo, que uns e outros se mobilizaram em referir o seu desacordo. Ainda que muitos destes em desacordo tenham deixado de o estar depois da noticia da ligação do Hans Asperger ao partido Nazi. Mas ainda assim, ainda hoje ouvimos pessoas a referir que preferem a designação Asperger ao invés de Autismo, precisamente pela conotação que sentem que esta última tem. Da mesma forma que quando se passou a falar sobre autismo profundo houve quem se tivesse manifestado pela falta de evidência cientifica para voltar a falar de subtipos. E que o facto de se usar o termo autismo profundo pode levar a aumentar o estigma sobre o autismo em si.


É verdade que podemos sentir e afirmar que o facto da pessoa autista ser nível 3 e ter um QI abaixo de 70 isso não significa que seja menos do que qualquer outra pessoa. E todos nós tenderemos a acreditar nisso, até porque há um conjunto de leis que validam e protegem a igualdade de todos, sejam pessoas com deficiência ou não. E muitos poderão dizer aquilo que é a sua experiência pessoal com o seu familiar com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo nível 3. Contudo, é preciso poder haver um olhar global e que espelhe a realidade existente.


Actualmente, a gravidade do autismo é definida e medida exclusivamente com base nos níveis de gravidade dos dois principais domínios de sintomas: comunicação social e padrões restritos ou repetitivos de comportamentos e interesses. As pessoas autistas, no entanto, são

frequentemente diagnosticados com outras condições médicas, de desenvolvimento e psicológicas concomitantes. Estes desafios adicionais, como a deficiência intelectual, linguagem expressiva e/ou receptiva limitada, e perturbações de ansiedade, podem ter um enorme impacto na vida quotidiana dos indivíduos autistas, tanto no seu funcionamento adaptativo, bem como na sua sensação de bem-estar.


No autismo, podemos pensar na utilização de tais sistemas de classificação multidimensional para para determinar não só os níveis de gravidade e as concomitantes, mas também para levar a uma compreensão do indivíduo com base nas suas necessidades de apoio. Este sistema é coerente com a utilização do termo autismo profundo para as pessoas que têm não só sintomas graves de relativos ao autismo per se, mas também desafios significativos

para além dos sintomas centrais do autismo, como a deficiência intelectual. Este aspectro da classificação multidimensional ao invés de categorial não é nova. E na própria prática clinica continua em muito a ser referenciada e com importância para definir subgrupos de pessoas autistas e que permitiria, sem dúvida, obter uma imagem mais mais equilibrada das dificuldades e capacidades que são ambas características da pessoa autista e promoveria uma melhor caraterização clínica.


Até porque estas alterações poderiam certamente produzir uma alteração significativa e necessária na própria investigação clinica no autismo. E poder ajudar a compreender como é que as carcaterísticas na pessoa autista vão evoluindo ao longo da sua vida. Por exemplo, ainda hoje não se compreende como e por que razões uma pessoa autista nivel 1 e com um perfil cognitivo e intelectual muito próximo de um défice cognitivo consegue adaptar-se na vida adulta. Claro que uns e outros podemos tecer todo um conjunto de considerações. Mas serão apenas isso, considerações. E precisamos de uma investigação que consiga dizer de forma clara e objectiva o que pode ser feito de acordo com o conhecimento adquirido.


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