Perguntaram-lhe o que ia fazer no feriado. Olhou com ar de quem não fazia ideia do feriado a que se referiam, mas também porque teriam interesse em saber o que iria fazer. A grande maioria dizia que iam celebrar a liberdade. Escutava-os com ar de quem pensava porque responderiam todos de forma tão igual. Perguntou se a liberdade seria igual para todos! Houve quem risse. Vários deram risadas mais silenciosas. O professor apressou-se a colocar ordem na turma. Afinal a aula era dedicada à liberdade. Respondeu que não. Reforçou que a liberdade seria diferente para qualquer um dos presentes, mas que ainda assim seria um direito de todos. Perguntou porque iriam quase todos celebrar da mesma forma se a liberdade seria diferente para qualquer um dos presentes. Foi-lhe garantido que falariam disso na parte da tarde, mas que até lá cada um dos presentes iria desenhar um cravo.
Amanhã celebra-se 50 anos do 25 de abril de 1974. O pai do Gustavo (nome fictício) tem 60 anos. Já foi pai tarde. O Gustavo tem 10 anos. Está no 4º ano. Os pais pediram adiamento para a entrada no 1º ciclo devido às dificuldades do filho. Tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Os pais tiveram receio. O pai teve mais receio do que a mãe. O pai do Gustavo também tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Em 1971, quando teria sete anos, ainda não se diagnosticava com o nome autismo. Com sete anos foi quando o Gustavo foi diagnosticado. Os pais já andavam a falar disso há mais tempo, mas as pessoas pareciam não acreditar. Em 1971 ainda não tinham entrado na DSM o diagnóstico de autismo. Só ao fim de nove anos em 1980 é que passou a estar. O pai do Gustavo descobriu o seu diagnostico quase ao mesmo tempo que o do filho. Nas consultas de avaliação do filho fizeram perguntas que o pai respondeu demasiado rápido. Parecia saber a resposta de grande parte delas. É como se já as soubesse. O médico disse-lhe qualquer coisa no final da consulta. O resto foi fácil de descobrir, bastou pesquisar. Em 1971 não se sabia disso, nem era possível pesquisar isso de uma forma tão mais fácil como hoje o é. Mas as dificuldades ainda continuam. O Gustavo que o diga. Naquele dia, na parte da tarde da aula não lhe explicaram porque quase todos iriam celebrar da mesma forma se a liberdade seria diferente para qualquer um dos presentes. Acabou por trazer o seu desenho para casa. Escolheu por não o deixar pendurado numa corda colocada para esse efeito na sala de aula. Pensou que não fazia sentido pendurar cravos!
Lindíssimo.