Às vezes fico assustada com o meu filho! diz Carla (nome fictício), mãe de um jovem autista de 19 anos. Não é assustada com o que vai acontecer com a vida dele. Ou se vai conseguir terminar a Faculdade ou não, continua. Tem a ver com a forma como ele sente as coisas nas relações e com as pessoas. Parece de uma frieza indiscritível. E eu sei o que é ser fria, refere. Eu própria sempre me considerei uma pessoa fria, conclui.
Eu nunca pensei que a minha filha pudesse ter aquele tipo de atitude com os animais, diz Rafael (nome fictício), pai de uma jovem autista de 14 anos. Já a vi sair do sitio de onde está a simplesmente bater no cão, sem que eu perceba o porquê, diz. E quando lhe pergunto o por que é que fez aquilo não me sabe dizer e encolhe os ombros, refere.
Muitas vezes alguns dos comportamentos observados nas pessoas autistas recebem a designação de falta de empatia. Outras vezes a palavra usada é de falta de sensibilidade ou de interesse. E como muitos dos comportamentos nas pessoas autistas, vão sendo observados de forma continuada, é atribuído esta designação de algum tipo de insensibilidade à pessoa autista. Por exemplo, muito frequentemente, e principalmente as pessoas mais próximas, dizem já ter feito menção mais do que uma vez acerca daquele mesmo comportamento e parece não haver uma mudança por parte da pessoa autista. Facto que parece fazer aumentar esta ideia de insensibilidade e receio.
Esta designada insensibilidade poderá ser caracterizada por determinados comportamentos que aparentam demonstrar desinteresse por alguma coisa de importante da outra pessoa. A pessoa autista poderá demonstrar não ter interesse nessa mesma coisa ou poderá nem sequer saber o que falar sobre ela e optar por não dizer nada. Ou por não perguntar nada à outra pessoa sobre o seu interesse. Adicionalmente a este comportamento poderemos observar que a pessoa pode não mostrar vontade de estar aquele determinado tempo com a pessoa. Seja na duração daquele mesmo encontro, mas também se pode caracterizar por um maior espaçamento entre um primeiro encontro e o próximo. Mas também situações em que é pedido por exemplo a opinião sobre alguma questão à pessoa autista e ela diz o que pensa. Ainda que algumas das coisas que possa ter dito possa ter ferido a susceptibilidade da outra pessoa. E mesmo quando avisada sobre isso continua a dizer que é aquilo que pensa e não vê necessidade de estar a retirar o que quer que seja da sua afirmação. E ainda mais porque lhe foi pedido para dar uma opinião sobre o assunto.
Mas se alguns destes episódios, quando observados em adolescentes ou adultos, parece arrepiar algumas pessoas. O enquadramento dado e impacto sentido parece ser bastante diferente de quando se observam comportamentos semelhantes em crianças mais pequenas. E o facto de haver frequentemente um contacto ocular atípico e que leva a que o outro sinta um maior distanciamento na ligação emocional e na própria vinculação, ainda mais sublinha o facto de aquele comportamento poder ser caracterizado enquanto tal. E aqui podemos estar a falar de crianças com três, quatro ou cinco anos, por exemplo. E que leva a alguns profissionais e saúde a colocar a hipótese de o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo parecer não ser suficiente para explicar todo um conjunto de comportamentos observados.
O certo é que estas e outras descrições poderão fazer parte da representação de algumas pessoas face ao que poderá ser o espectro do autismo. Um grupo de pessoas antissociais, insensíveis, frias, desligadas, desinteressadas, e até mesmo psicopatas. Os adjectivos são muitos. A compreensão sobre o que realmente se passa é que ainda é pouca.
Em primeiro lugar, é importante referir que a Perturbação do Espectro do Autismo e a Psicopatia representam entidades clinicas distintas, com etiologias do neurodesenvolvimento igualmente distintas. No entanto, o prejuízo primário em ambos os grupos é o do compromisso social, sugerindo potencialidades comuns nas bases cerebrais de ambas as condições. Sendo que a psicopatia, para além de caracterizada por dificuldades no funcionamento social. Também é composta por dois componentes importantes, um estilo interpessoal caracterizado pela falta de remorso e empatia e uma tendência a usar os outros para ganho pessoal e padrões de comportamento anti-social e agressivo. E ainda que sejam referidas como duas condições clinicamente distintas, as descrições mostram o porquê de algumas pessoas ficarem confusas e poderem referir que as pessoas autistas parecem psicopatas.
E embora a Perturbação da Personalidade Anti-Social seja uma das perturbações da personalidade mais estudadas a nível cientifico, ainda assim verificamos que esta perturbação é uma das mais surpreendentemente resistente ao tratamento. A característica fundamental do Perturbação da Personalidade Anti-Social, de acordo com a DSM 5, é de um desprezo generalizado e uma violação dos direitos dos outros - essencialmente, comportamento anti-social insensível. Para além de se poder verificar um comportamento criminoso, fraude e engano, impulsividade e falta de planeamento, agressão e violência, descuido imprudente pela segurança, irresponsabilidade e falta de remorso. Este diagnóstico em questão requer que três dessas características estejam presentes desde os 15 anos.
Alguns clínicos referem que a falha no progresso clínico pode ser parcialmente devido ao facto em não se olhar para a Perturbação da Personalidade Anti-Social como uma perturbação do neurodesenvolvimento e considerar intervenções precoces. Esta questão não é exclusiva da Perturbação da Personalidade Anti-Social. Por exemplo, têm sido feitas considerações semelhantes na Perturbação da Personalidade Borderline. E que curiosamente tem uma grande intersecção com a Perturbação do Espectro do Autismo e com maior expressão nas mulheres. Sendo que esta intersecção não é novidade. E cada vez mais, clínicos e investigadores vêm referindo que as perturbações do neurodesenvolvimento e da personalidade fazem parte de uma mesmo espectro e contínuo. Ainda que outros contradigam referindo que as perturbações da personalidade apenas podem ser consideradas a partir do final da adolescência.
Aquilo que é considerado como o défice empático é um sintoma central de ambas as condições. Se na psicopatia há sinais de um défice emocional empático, uma incapacidade de sentir junto com outra pessoa (insensibilidade). A investigação sobre as perturbações do espectro do autismo aponta para um défice cognitivo empático. Ou seja, uma maior dificuldade ou até mesmo incapacidade de tomar a perspectiva da outra pessoa (inocência). O comportamento antissocial que pode acompanhar ambas as condições pode ser devido ao tipo de défice empático observado. E se na psicopatia, o comportamento antissocial envolve frequentemente uma manipulação insensível e exploração da outra pessoa. Nas perturbações do espectro do autismo, há, por vezes, comportamentos antissociais que podem ser causados, em parte, por uma avaliação incorrecta o desajustada das situações sociais.
Independentemente de percebermos que a Perturbação do Espectro do Autismo e a Psicopatia representam entidades distintas. Parece-me importante que estes e outros aspectos do comportamento observado no espectro do autismo ao longo da vida possam ser melhor considerados. E de preferência que logo na criança quando são verificados determinados comportamentos de teor mais bizarro e com algum traço de frieza emocional. Mais do que corrermos a diagnosticar condições à toa, é fundamental não deixarmos que a nossa própria ansiedade e receio tolde o nosso juízo compreensivo da leitura desses mesmos comportamentos.
Tal como no filme Breakfast Club, que dá o titulo a este texto, os protagonistas não beneficiaram em nada em que os responsáveis escolares os considerassem um arruaceiros problemáticos. Ainda que os próprios tivessem conseguido aproveitar da melhor forma o tempo de detenção para em conjunto reflectirem sobre a sua pessoa e história de vida. Mas todos sabemos que os acontecimentos nos filmes são uma ficção e muitas vezes pairam longe da realidade. Como tal, cabe a todos nós podermos fazer diferente na leitura compreensiva do que observamos das pessoas.
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