Nos últimos cinco anos e ultimamente de forma mais intensa os videojogos pela internet têm sido considerados uma praga a eliminar. Com a entrada nos manuais de diagnóstico da DSM e ICD a categoria de Perturbação de Adicção aos Videojogos pela Internet a ideia de ser necessário combater um mal passou a ter uma robustez cientifica e médica. Não que não seja necessário procurar compreender o que se passa com a forma como determinadas pessoas fazem uso dos videojogos e/ou dos ecrãs. No entanto é preciso fazer a ressalva que a grande maioria dos utilizadores fazem-no de uma forma saudável. E nestas últimas semanas com a presença do Coronavirus e as medidas de restrição de saída de casa, a utilização dos equipamentos electrónicos com ligação à internet têm funcionado como um antídoto para o isolamento fisico das pessoas. As crianças e os jovens passaram a estar no topo da pirâmide, nomeadamente no à vontade na sua utilização e na forma como têm ajudado os pais a se sentirem integrados com as novas tecnologias no teletrabalho. E esta hein, diria Fernando Pessa.
Para podermos parar a propagação de doenças infecciosas isso exige que encontremos as pessoas onde elas estão: nos seus ecrãs. Sejam crianças, jovens ou adultos, a proporção de tempo ligado aos ecrãs é grande.. À medida que a emergência de saúde global do coronavírus COVID-19 continua, passa a ser cada vez mais importante um melhor envolvimento dos organismos de saúde pública, através do entretenimento. Isso mesmo, aquelas campanhas mais orientadas para um público adulto e letrado parece não funcionar para toda uma gama variada de pessoas, nomeadamente mais jovem. E essa pode ser uma estratégia fundamental para uma intervenção bem-sucedida.
O CDC e a OMS trabalharam bastante e em conjunto para tornar as informações de saúde dignas de nota e facilmente acessíveis. Mas isso não basta. A nossa população parece estar cada vez mais necessitada de histórias. Ou seja, precisa de narrativas inovadoras de saúde pública com as quais as pessoas possam se envolver facilmente por intermédio de dispositivos móveis.
Já existem evidências que apoiam esse tipo de envolvimento público. Recentemente, mais de 130 milhões de jogadores conseguiram travar o site do videojogos móvel Plague Inc., pois as preocupações com a crise do COVID-19 dispararam. A Ndemic Creations, criadora do jogo, emitiu um comunicado direcionando os jogadores a procurar informações sobre o coronavírus junto às autoridades de saúde, e não no próprio jogo. "Sempre que há um surto de doença, vemos um aumento nos jogadores, à medida que as pessoas procuram descobrir mais sobre como as doenças se espalham e entender as complexidades dos surtos virais", explicaram os criadores do jogo.
Na Plague Inc., os jogadores podem criar surtos de doenças, manipulando condições globais até que a doença atinja proporções pandémicas. O CDC e outras organizações de saúde elogiaram a Plague Inc. por sua capacidade de aumentar a conscientização sobre as doenças infecciosas, mantendo uma abordagem baseada em evidências. Em 2019, a Plague Inc. foi classificada pelos jogos populares da Apple. Até o momento, foram jogados 700 milhões de jogos na Plague Inc.
Da mesma forma, o thriller pandémico de 2011, Contagion, dirigido por Steven Soderbergh, subiu recentemente para o topo das pesquisas no Google, menções no Twitter e downloads do iTunes. Muitos citam as estranhas semelhanças entre COVID-19 e o vírus fictício "MEV-1" do filme, explicando o interesse renovado no filme. A narrativa dirigida por personagens de Soderbergh, com Matt Damon e Marion Cottillard, entre outros, oferece uma forma de conteúdo muito mais atraente do que infográficos estéreis. O público parece disposto a passar horas de conteúdo se a história for boa o suficiente. Só precisamos da história certa.
É hora de virar o guião sobre a prevenção de doenças infecciosas. Cada vez mais, o público procura conteúdo que lhes permita fazer parte da história e, portanto, parte da solução. Precisamos de entretenimento que active a nossa agência. O surto de COVID-19 é uma oportunidade para reinventar o envolvimento em saúde pública e usar o entretenimento como um meio de prevenção de pandemia, e no fundo criarmos uma nova narrativa de saúde pública.
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