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Sorry?!?

Quando estamos numa situação em que alguém está a falar inglês e essa não é a nossa língua nativa e não temos uma proficiência na língua, é habitual dizermos - Can you repeat, please? Algo que irrita profundamente, ainda que possa não se perceber, as pessoas nativas em inglês! Ao invés disso podemos simplesmente dizer - Sorry!? e com a devida entoação. Dessa forma o nosso interlocutor irá perceber que queremos que repita aquilo que acabou de dizer.


Fiquem descansados. Este texto não é para ensinar ninguém a falar melhor inglês. Mas serve o propósito do nosso tema de hoje.


Muitas vezes ouvimos dizer que o ratio de homens versus mulheres com o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo é de 4:1. Porventura, esta é a posição mais conservadora. Actualmente já se ouve dizer que esta diferença é menor e que se cifra em 2-3:1. Mas também se ouve dizer que o fenótipo comportamental observado no autismo no feminino é bastante diferente daquele observado no masculino. Ou de que os critérios de diagnóstico e os respectivos instrumentos de avaliação para o autismo estão enviesados pelas características presentes no sexo masculino. Além de todas as características de camuflagem social e que parecem ser mais frequentemente observadas no feminino. Como podemos ver, são várias as razões que nos leva a supor que o ratio de diagnóstico de autismo entre homens e mulheres pode afinal não ser assim tão diferente. Mas afinal de contas, o que é que isso tem a ver com a primeira introdução do Can you repeat, please?! Eu explico. Na verdade eu gosto de trocadilhos e de pensar de acordo com a relação entre palavras. E lembrei-me do Can you repeat, please!? associado aos comportamentos repetitivos e restritos observados no espectro do autismo e que faz parte inclusive de um dos critérios de diagnóstico.


Atendendo a que se sabe que há uma grande heterogeneidade na expressão dos comportamentos observados no autismo, seja ao nível inter-individual, mas também intra-individual. Além de como já foi dito, haver uma diferença no perfil comportamental expresso pelas mulheres autistas. Então podemos pensar que nos critérios de diagnóstico, tal qual eles estão expressos, pode haver uma diferença em como eles ocorrem, além de como eles podem ser interpretados por nós que os observamos. Dou um exemplo - se observarmos um rapaz a alinhar carrinhos, temos uma maior facilidade em pensar que aquele comportamento pode perfeitamente se encaixar num comportamento repetitivo e restrito do espectro do autismo, certo? Contudo, se observarmos uma rapariga a alinhar bonecas no seu quarto, iremos poder pensar que aquilo é um comportamento normativo e típico de se observar quando uma rapariga brinca com os seus bonecos, correcto? É apenas um exemplo, mas há muitos outros. E sim, também parece ser verdade que os papéis de género e sociais têm aqui algum papel explicativo face à forma como estas características são observadas e consideradas parte do diagnóstico ou não.


E tendo em conta que o critério - comportamentos repetitivos e restritos, é um critério para atribuir o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, podemos pensar que quando a pessoa que está a fazer esta avaliação não considera aqueles comportamentos observados como tal, isso poderá enviesar o diagnóstico. E não é por acaso que muitas raparigas e mulheres continuam a ver adiado o seu diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Além também de ser importante podermos pensar e podermos validar cientificamente isso, de que os mesmos critérios poderão estar presentes de uma forma diferente, consoante se esteja a falar de homem ou mulher. Além de podermos pensar, talvez mais radicalmente, se determinado critério terá de estar presente para que possa ser considerado o diagnóstico. Ou seja, no caso de uma mulher que não apresente comportamentos repetitivos e restritos poderá ainda assim ser considerado um diagnóstico de PEA? Ou por exemplo, se uma mulher ou homem que não apresente características de hiper ou hipo sensibilidade, poderá ainda assim ser considerado como estando dentro do espectro do autismo?


Em vários momentos na prática clinica, observamos que parece não haver diferença entre sexos nos resultados obtidos no Questionário do Quociente do Espectro Autismo, que avalia de uma forma geral os traços autistas. Mas também parece não haver assim uma tão grande diferença nos resultados obtidos na aplicação do ADI-R quando se procura olhar especificamente para os comportamentos repetitivos e restritos de acordo com a DSM-5. Claro que no caso do ADI-R estamos a falar daquilo que é a percepção que os pais/informadores têm acerca da pessoa avaliada. Contudo, também parece ser verdade que as mulheres parece demonstrar mais comportamentos motores (movimentos) e discurso estereotipado. Além de poderem demonstrar uma maior evidência de comportamentos sensoriais durante a avaliação. Ainda que os comportamentos estereotipados de rotação do corpo ou balancear, pareçam ser mais evidentes quando estas estão ansiosas.


As pessoas designadas do sexo feminino à nascença (i.e., do inglês AFAB - Assigned Female at Birth), parecem necessitar de apresentar mais traços autistas e de um maior grau de perturbação para receberem um diagnóstico de autismo. Além disso, na ausência de problemas intelectuais ou comportamentais, é menos provável que as mulheres preencham os critérios para o autismo e recebam um diagnóstico, mesmo quando têm o mesmo número de traços autistas que os homens nas escalas de classificação. E se pensarmos por exemplo, que é mais provável que as raparigas demonstrem uma menor evidência de comportamentos agressivos comparativamente aos rapazes na infância e adolescência (e isso tem sido demonstrado cientificamente ao longo dos anos). Então podemos pensar que as raparigas terão uma menor probabilidade de serem olhadas como estando dentro do perfil do espectro do autismo por não apresentarem esta característica. Além de não recair sobre elas tanto a atenção dos pais e professores devido a não demonstrarem com tanta evidência estes mesmo comportamentos em contexto casa e escola. E não é estranho pensarmos quando questionamos pais e professores ouvir - Mas ela é tão sossegadinha, como é que pode ser do espectro do autismo?!


Um outro aspecto, também ele muito importante, prende-se com os pré conceitos/preconceitos sociais. Por exemplo, como os preconceitos socializados alteram as expectativas e interpretações dos comportamentos, estes podem afectar as decisões de diagnóstico. E neste caso, por exemplo, um comportamento de puxar o cabelo pode ser interpretado e classificado de várias maneiras (e.g., ansiedade, compulsão, comportamento repetitivo, sensorial) com base em expectativas de género (e.g., mais comportamentos internalizantes, incluindo ansiedade em mulheres), especialmente quando os clínicos não têm formação na identificação de comportamentos autistas como eles se apresentam em mulheres.


Ou por exemplo, o facto das raparigas/mulheres parecerem ter menos interesses restritos comparativamente ao rapazes/homens, isso não tem necessariamente de as excluir de um possível diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Será importante poder observar aqueles que são os seus interesses e avaliar a qualidade dos mesmos e o que representam para as próprias. Ao contrário, parece que observamos uma maior evidência de comportamentos compulsivos ou de auto-lesão. Ainda que ambos os exemplos, possam reenviar para outros diagnósticos possíveis, tais como Perturbação Obsessivo.Compulsiva ou Perturbação da Personalidade Borderline. O que curiosamente se sabe é que ambas as perturbações ocorrem com bastante prevalência com o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo e mais em mulheres.


Um coisa me parece certa, é importante poder repensar mais e melhor o autismo nas suas diferentes expressões, em homens versus mulheres, e ao longo da vida. E poder ajudar profissionais de saúde, família, professores e Sociedade em geral, a melhor poder compreender.


Sorry!?!


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