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Sopinha de letras

Quem não gosta de sopinha de letras? Ou quem não lembra de em pequeno ficar mais tempo à mesa para comer por querer fazer palavras com as letras de massa? Até ao final do texto veja lá se consegue juntar as letras que estão no prato. Posso dizer que formam duas palavras. E mais não digo.


Muito provavelmente a primeira palavra irão dizer que é AUTISMO, certo? Até porque é o tema central aqui nestes textos. E a outra?


Sei que há alguns leitores que já adivinharam. Até porque além de serem pessoas autistas, já passaram ou ainda passam por determinadas dificuldades relacionadas com a alimentação. E não. não estou a falar das situações de restrição ou selectividade alimentar que se observam com determinada frequências nas crianças autistas (e não só). Ainda que isso também acabe por estar relacionado. E não, também não estou a falar das hipersensibilidades sensoriais, principalmente as gustativas, olfactivas e tácteis. Ainda que isso também esteja relacionado.


Estou a falar mesmo da Perturbação da Conduta Alimentar, mais especificamente da Anorexia nervosa. A Anorexia nervosa é uma perturbação da conduta alimentar caracterizada por um peso corporal significativamente baixo, medo de ganhar peso, ou um comportamento persistente que interfere com o ganho de peso. Assim como uma influência desproporcional de peso e forma sobre a autoavaliação ou a falta de reconhecimento da seriedade do próprio baixo peso. Apesar desta condição continuar a ser encontrada com maior prevalência nas raparigas, chamo a atenção para o facto de existir em rapazes. E no caso especifico em que estamos a falar de uma possível co-ocorrência de uma Perturbação do Espectro do Autismo e de uma Perturbação da Conduta Alimentar, é importante poder estar atento a estas situações também nos rapazes.


Quando estava no hospital, estava sempre a ser chamada a atenção por andar nas pontas dos pés, diz Isabel (nome fictício), agora com 36 anos. Esteve hospitalizada durante dois anos devido à Anorexia. Intrometiam-se muito. E estavam sempre a pensar que eu estava a fazer coisas para queimar calorias. E nunca perceberam que eu sempre fiz aquilo.


Estou em grande parte em silêncio em qualquer tipo de situação de grupo, porque eu não sei o que se espera de mim, diz Rosa (nome fictício), agora com 43 anos. Foi acompanhada durante seis anos por causa da Anorexia. Estou preocupada em dizer a coisa errada ou ser interpretada erradamente pelas pessoas. Foi assim a vida inteira. Não foi por acaso que nunca fui de fazer amizades, nem mesmo na escola, refere.


A terapia foi muito útil. . . passamos muito, muito tempo a falar através das emoções, identificando-as e tentando pensar em como as regular, como geri-las. E isso fez toda a diferença, diz Cátia (nome fictício), de 31 anos. Não nos concentrámos na minha comida. . . Fizeram-me concentrar sobre a regulação das emoções, e isso ajudou-me, acrescenta.


É tudo uma questão de mudar percepções. Trata-se de colocar uma lente autista e dizer, como se poderia explicar isto de forma diferente?, diz Rute (nome fictício), de 32 anos, com dois internamentos devido à Anorexia. Ainda continua a ser acompanhada devido a questões relacionadas com a conduta alimentar. Senti-me muito criticada. Eu estava a ser muito resistente, eu sei. E por isso fui rotulada enquanto tal, acrescenta. Por exemplo, eu gostava de colocar uma ervilha em cada um dos pinos do garfo, mas ouve logo quem me dissesse que eu não podia fazer aquilo. E quiserem corrigir-me porque diziam que eu estava a fazer aquilo por causa da anorexia, conclui.


Ao que parece a minha inflexibilidade não é apenas encontrada no autismo. Também conheci muitas outras pessoas na consulta do comportamento alimentar com atitudes muito iguais, diz Joana (nome fictício), de 29 anos, que fez acompanhamento no Hospital e frequentou grupos de apoio para a Anorexia. A terapia comportamental e cognitiva ajudou-me a entender por que eu pensei e senti aquelas coisas. Ajudou-me a entender a forma como o fiz. . .a compreensão ajuda-me a reestruturar os meus pensamentos e fez-me perceber o que não era ou era verdade, acrescenta. A regulação das emoções foi muito importante para mim. . . quando eu estava em perigo, eu só pensava em me mutilar.. Mas depois disso, comecei a pensar o que estava a acontecer. Acho que foi isso que realmente ajudou a melhorar a minha alimentação naquela altura, conclui.


Ela basicamente não acreditou em mim quando eu disse que isto não era sobre a imagem do corpo, diz Cláudia (nome fictício) de 44 anos. Ela queria fazer terapias de imagem corporal comigo e eu achei aquilo humilhante. Além de irritante e condescendente, até porque não senti que estava a ser ouvida, conclui.


A informação recolhida em diferentes estudos científicos realizados em diversos países, e em particular no Reino Unido, têm demonstrado existir um número significativo de diagnósticos de Perturbação do Espectro do Autismo em população clinica em contexto hospitalar a ser acompanhada para situações de Perturbação da Conduta Alimentar. Essa mesma informação vai ao encontro daquilo que tem sido a sensibilidade clinica nos diversos casos acompanhados seja de Perturbação do Espectro do Autismo no adulto mas também de Perturbação da Conduta Alimentar.


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