Talvez não conheça o filme por este nome. Mas se eu escrever - Sleepless in Seatle, talvez já haja mais pessoas a reconhecer. Uma comédia romântica de 1993 capaz de enternecer o mais difícil dos corações. Mesmo aqueles que as pessoas julgam serem incapazes de amar ou de estar numa relação romântica. É o caso dos adultos com Perturbação do Espectro do Autismo. Nos últimos tempos tem havido um aumento do pedido de ajuda, seja através de terapia de casal ou outro modelo de intervenção. São cada vez mais os casais, sejam ambos do Espectro do Autismo, apenas um deles ou em que se desconfie que um deles possa ser. Seja qual for a situação há cada vez mais pedidos de ajuda para salvar a relação. Seja para compreender determinadas situações que ocorrem com frequência no quotidiano do casal, ou para saber como agir em determinadas situações. O certo é que as pessoas querem continuar a sua relação.
Eu não conheço nenhuma relação em que não existam desafios. Podem ser mais ou menos frequentes, intensos, difíceis de recuperar, causar maior ou menor impacto, fácil ou difícil de compreender pelos membros do casal, etc. Seja como for, os desafios são algo constante na vida do casal. Mas e se estes mesmos desafios derivarem das características pessoais dos próprios membros do casal, de ambos ou de apenas de um deles? Estou a pensar nos casos em que ambos os membros do casal ou um deles tem uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA).
No entanto, há ainda uma ideia demasiado enraizada de que as pessoas adultas com Perturbação do Espectro do Autismo têm uma dificuldade extrema em terem relações e ainda mais relações amorosas. Mas que fique bem claro que isso é um mito enraizado na crença e estereótipo da sociedade face ao Espectro do Autismo. O certo é que cada vez mais tem havido pedidos de ajuda no âmbito das dificuldades sentidas no casal em que há pelo menos um dos membros que tem uma Perturbação do Espectro do Autismo ou que então desconfia poder existir.
Penso não ser muito difícil para alguns de vocês poder pensar em algumas situações possíveis de ocorrer num casal em que pelo menos um possa ser do Espectro do Autismo e que ainda não se saiba, certo? Por exemplo, desde as situações mais típicas da interpretação literal em que é pedido ao outro membro do casal que o/a deixe em paz, e a outra pessoa possa pensar que lhe estão a dizer para sair de casa, por exemplo. Ou as dificuldades na ressonância afectiva e interpretação de pistas sociais, de quando um membro do casal precisa de receber um aconchego e o/a outra não parece ser capaz de compreender. Adicionalmente, as dificuldades nas saídas sociais, em que um dos membros sente mais vontade em ter momentos em conjunto com pessoas amigas dentro ou fora de casa, e o/a outro/a demonstra muito pouca vontade em o fazer. Sinto que poderia continuar infinitamente a dar exemplos de situações reais ocorridas por pessoas adultas com Perturbação do Espectro do Autismo que acompanho e que estão a viver em conjunto com outra pessoa numa relação romântica.
Quando a situação do Espectro do Autismo não é conhecida no casal a dificuldade em conseguir explicar as situações e a continuidade das mesmas pode ser maior. A rigidez e a inflexibilidade, associado a uma maior dificuldade na regulação emocional. Para além da necessidade de ter as suas rotinas e realizar os seus interesses restritos pode tornar a vida em casal mais complexa e aumentar os desafios que já em si são uma presença constante na vida de um qualquer casal. A importância de enquadrar o comportamento é fundamental para que o/a próprio/a com PEA mas também o outro membro possa perceber, antecipar e saber como lidar é igualmente fundamental.
O facto de nos últimos tempos se ter falado mais do Espectro do Autismo e mais especificamente nos adultos. Sensibilizando para o facto de que há uma percentagem considerável de casais em que ambos ou pelo menos um deles tem ou pode ter PEA. Tem levado a que um maior número de pessoas, individualmente ou o próprio casal tenham começado a pedir ajuda. As pessoas adultas em que possa existir a possibilidade de terem uma Perturbação do Espectro do Autismo mais funcional. E que inclusive já possam ter beneficiado de intervenção psicológica e médica no passado, é esperado que possam apresentar um maior nível de funcionalidade e de competências sociais, nomeadamente no estabelecimento de relações amorosas. Independentemente da pessoas estar no Espectro do Autismo, e apresentar algumas características causadoras de maior desafio, a outra pessoa escolheu estar consigo e fazer crescer uma relação e inclusive uma família porque a ama e gosta de si. Como tal, o facto de vir a saber que o seu companheiro/a tem uma Perturbação do Espectro do Autismo não é isso que vai fazer com que a relação termine - muito pelo contrário.
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