A vida é composta de mudanças. Ocorrem diariamente no quotidiano de cada um de nós. E convidam-nos a ser flexíveis e capazes de nos adaptar. Amanhã, 18 de fevereiro, celebra-se o dia internacional da Síndrome de Asperger. Também aqui tem havido mudanças. Na DSM 5 desde 2013 que já não se usa a designação, mas sim Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Ainda assim, a condição Síndrome de Asperger continua a ser utilizada. Seja porque faz sentido conceptualmente o seu uso e porque pode significar algo diferente do que observamos na Perturbação do Espectro do Autismo. Ou porque esta mudança especificamente continua a ser difícil de assumir para algumas pessoas. O certo é que também dentro do Espectro do Autismo e já agora na Síndrome de Asperger também, existem muitas pessoas que se esforçam diariamente para se adaptar, flexibilizar ou camuflar.
Desde cedo na infância que ouvimos dos nossos pais, familiares, educadores e outros indicações de que nos devemos comportar bem ou melhor, aprender a adaptar às diferentes situações e pessoas. E o quanto importante é que o façamos, principalmente para nosso próprio bem. Se nos portarmos bem e nos adaptarmos às situações iremos ter maior probabilidade de sucesso. Até porque a vida, justificam muitos, está repleta de mudanças. E como tal, a adaptação é um requisito para a sobrevivência e o sucesso. Apesar de uma enorme diversidade na forma como isto é conduzido por pais e educadores, o certo é que parece ser algo transversal. Todos parecem ter passado por lá.
Amanhã, celebra-se o dia internacional da Síndrome de Asperger. Agora inscrita na designação Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). E nas pessoas com esta condição também se verificam muitas destes constrangimentos de adaptação e flexibilização. Sendo que nas pessoas com esta condição o esforço necessário para realizar estas mudança é sobejamente superior. Mas não só, porque estas e outras características existentes na Perturbação do Espectro do Autismo faz parte integrante da identidade da pessoa. Não é apenas um mero acumulado de comportamentos e que se procuram moldar ou restringir.
Nos últimos tempos são mais os casos de pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo que dão voz aos seus testemunhos ao longo da vida. Do quanto difícil é para si no quotidiano em terem de se camuflar, ocultar ou esconder determinadas facetas da sua identidade para se poderem integrar. Até porque muitas das vezes não se sentem integrados. Principalmente porque conseguem pensar e sentir que para se integrarem deveriam sentir que aquilo lhe faz sentido. E não lhes parece fazer. Até porque estão a fazer por deixarem de ser parte de si próprios.
Os comportamentos de camuflagem social observados nas pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo passam por: prever, planear e ensaiar conversas antes que elas aconteçam; imitar frases, gestos, expressões faciais, tom de voz captado por outras pessoas ou personagens de filmes, programas de TV ou livros; evitar o contacto visual, mas dando a impressão de interesse, olhando para a ponta do nariz ou em ângulo recto com a pessoa com quem está conversando; estabelecer contacto visual adequado, mesmo que não seja útil para a comunicação; reter os seus verdadeiros pensamentos e opiniões; vestir-se e falar como o grupo com o qual se está a tentar misturar; conversar; adoptar guiões aprendidos e regras sociais para orientar conversas; repetir e reformular o que o seu parceiro de interação diz para dar a impressão de ser um "bom ouvinte"; trabalhar num ambiente em que suas diferenças sociais sejam activamente acomodadas; morar num país estrangeiro para que suas diferenças sociais sejam atribuídas a 'ser estrangeiro' por outras pessoas; usar de forma flexível um catálogo construído de possíveis interpretações dos estados mentais de outras pessoas, com base numa combinação de várias fontes de informação (por exemplo, lógica, contexto, expressão facial, tom de voz); substituir os valores / interesses de outras pessoas pelos seus ou pelos de um personagem de TV / livro para inferir seu estado mental, etc.
Estes e outros comportamentos levam a que seja mais difícil a pessoa ser identificada, nomeadamente pelos profissionais de saúde. E com isso levar a que a situação de sofrimento e de não detecção do diagnóstico se avolume. Mas se estão a ser suficientemente capazes de se adaptarem também não será assim tão visível para os familiares ou colegas a indicação de que será importante pedirem ajuda profissional. Como tal estarão mais propensas a estarem isoladas.
Querer celebrar amanhã o dia internacional da Síndrome de Asperger e no dia 2 de abril o dia mundial para a consciencialização do Autismo, quando as características pertencentes ao diagnóstico são aquelas que se diz necessárias de mudar pode parecer uma mensagem paradoxal. Penso compreender que algumas das características comportamentais e principalmente a intensidade com que algumas delas se manifestam. Assim como a ligação de algumas destas características a outras perturbações psiquiátricas, possa levar ao surgimento de maiores dificuldades na vida das pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo. E como tal, existam terapias e intervenções que ajudem a pessoa a ter uma maior funcionalidade. No entanto, é importante ajudar a pessoa ao longo do desenvolvimento a tomar consciência e a apropriar-se da sua identidade de uma forma positiva e não como um mero aglomerado de comportamentos que muitas pessoas desejam não ver a acontecer. É fundamental que a pessoa, principalmente a partir de uma determinada fase do desenvolvimento, onde se consegue pensar com maior capacidade e introspecção consiga sentir que a sua identidade é composta de coisas boas e menos boas como qualquer um de nós.
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