Quando pensei neste post lembrei-me do filme O Bom rebelde quando o terapeuta (Robin Williams) diz ao jovem Matt Damon sobre o facto de ele poder conhecer muito acerca da Capela Sistina mas de não saber dizer nada acerca do odor daquele mesmo espaço. Eu nunca estive na Capela Sistina e como tal também não vos posso ajudar nisso. Mas posso falar-vos um pouco acerca do que chamo de Movimento Renascentista Autista. O Renascimento é o nome do movimento que marca o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. E se antes havia um teocentrismo, com o Renascimento passou a existir o humanismo, com o homem no centro do mundo. E com o Renascimento autista procura-se que seja a pessoa autista a estar no centro da cultura popular e não somente diagnosticadas como tendo autismo a titulo póstumo. O Renascimento foi assim um período de grandes transformações artísticas, culturais e políticas, de onde a própria democracia emergiu. Dai que haja este desejo premente de se assistir ao Renascimento autista. Ao que parece à distância de um clique como nesta fotografia com parte do quadro de Micheangelo. Que curiosamente há quem diga que tinha Síndrome de Asperger.
Os 10 séculos que antecederam à chegada do Renascimento, designado de Idade Média foi marcado como um período negro da história da Humanidade. Como tal, a libertação surgida com este novo movimento veio dar alento e esperança a todos nós. A ideia de trazer esta metáfora para o Espectro do Autismo passa muito por reflectir acerca das mudanças que continuam a ser necessárias nesta área.
Por exemplo, ao longo do período de escolaridade obrigatória são muitos os alunos com Perturbação do Espectro do Autismo que beneficiam de certas medidas educativas. Antes com o Decreto-Lei 3/2008 e hoje em dia com o Decreto-Lei 54/2018. No entanto, há alguns destes alunos que a partir de determinado momento, até porque vão demonstrando determinadas competências e vão evoluindo em algumas das suas dificuldades deixam de sentir necessidade de ter este apoio. E muitos vão dizendo que não o querem, não porque não possam continuar a precisar mas porque sentem que as expectativas que muitos têm acerca de si próprios parece ser baixa. Os estereótipos e as suposições no sistema educativo sobre as pessoas autistas reforçam a internalização da competência. E suponho que eles também resultem em menor desempenho académico. Foi amplamente confirmado que incutir um estereótipo negativo e um sentimento de inferioridade num grupo oprimido de pessoas torna esse estereótipo mais proeminente.
Outro explorar tem a ver com os pré-conceitos, preconceitos e assunções. Muita da visão sobre o autismo e as pessoas autistas centram-se sobre as suas capacidades. Este modelo em si, além de redundante, é pouco informativo acerca de pessoa como um todo. E como tal não irá ajudar a pessoa a conseguir desenhar o seu projecto de vida futuro. E uma outra questão bastante relacionada tem a ver com o facto de muitas pessoas sentirem que por se ser autista se pertence a um grupo homogéneo. Já foi dito por todas as formas possível e imaginárias - É precisamente o oposto. Uma pessoa com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo não é igual a outra pessoa com Perturbação do Espectro do Autismo. E a mesma pessoa com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo não é igual ao longo do desenvolvimento. Peço desculpa pelo número de vezes que repeti Perturbação do Espectro do Autismo, mas deve ter a ver com o número de vezes que muitas pessoas repetem que os autistas são todos iguais. Por exemplo, veja-se as experiências de Jane Elliot como professora em Illinois. Verificou-se uma queda significativa nos resultados dos testes de crianças de olhos azuis quando foram informadas de que eram inferiores às crianças de olhos castanhos, comparativamente a quando foram informadas de que eram superiores às crianças de olhos castanhos. O mesmo foi observado para as crianças de olhos castanhos. E isso foi consistente ao longo de todos os anos em que a experiência foi replicada.
Da mesma forma que o Renascimento levou a Humanidade da Idade Média para a Idade Moderna, esperamos, não de uma forma estática, mas antes participativa e activa, na construção de uma Sociedade assente em valores já conquistados, votados e subscritos para serem possíveis para todos. Enquanto não for possível a que as pessoas autistas se façam representar de forma plena na Sociedade, em lugares de maior ou menor destaque, mas igualmente importantes. Por exemplo, serem políticos, professores, artistas, médicos, arquitectos, pais, membros plenos de uma Sociedade. Enquanto isso não continuar a acontecer e formos promulgando esta noção de Sociedade assente em competências. Estaremos a votar ao fracasso um número cada vez maior de pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo. Enquanto continuarmos a lutar por uma Sociedade que aceite a integração de pessoas autistas no mercado de trabalho e não veja a neurodiversidade como uma mais valia para todos ainda estaremos distantes da mudança para um Renascimento Autista. Mas também um novo Renascimento para a própria humanidade.
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