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Receitas caseiras

Um molde é bom, mas só para os waffles! Quem o disse foi Louis de oito anos e meio. O Louis calça o 33 e é o protagonista principal da curta-metragem que vai passar amanhã na biblioteca do Palácio de Galveias (ver aqui).


Os Sapatos de Louis é uma animação, mas é aconselhada para qualquer idade, assim como os Waffles. Louis mostra-nos parte do seu mundo, da sua cosmovisão do mundo e do que ela nos pode ajudar a reflectir na forma como qualquer um de nós olha para o mundo, dos outros e de nós próprios.


Louis é uma criança autista de oito anos e meio. Mas tal como qualquer outra criança autista de oito anos e meio, também irá crescer e tornar-se adolescente, adulto e sénior. E por mais que esta animação aborde a importância da inclusão na escola, não deixa de estar adaptado para aquilo que acontece mais tarde na universidade, no emprego e na Sociedade de uma forma geral. E se pensam que a inclusão é apenas algo que diz respeito às pessoas autistas ou com alguma outra condição engana-se. A inclusão somos todos nós, e a todos nós diz respeito. E se não sabe isso é porque não sabe fazer waffles. Mas pode aprender.


Se pensarmos bem os waffles podem ajudar-nos a reflectir sobre algumas coisas que se passam quando falamos do autismo e das pessoas autistas. Quer ver?


Apesar de muitos de nós comermos waffles já há algum tempo, também muitos de nós não sabemos de onde é que eles vieram. São coisas dos Belgas, dirão muitos! É um pouco algo semelhante que se passa com o autismo. Muitos julgam saber do que se trata mas na verdade estamos longe disso. E apesar de alguns saberem enumerar que a máquina de fazer waffles foi inventada por Cornelius Swartwout há cerca de 150 anos atrás, não têm ideia de que o mesmo processo era realizado pelos Gregos há bastante mais tempo atrás. Mais uma vez é um pouco como no autismo, em que as pessoas referem o nome do Leo Kanner e do Hans Asperger e ficam-se por ai.


E os waffles propriamente ditos, como é que vocês gostam deles? Certamente haverá aqueles mais conservadores que dirão que gostam dos seus quadrados ou rectangulares. Mas haverá certamente outros que se atreverão a dizer que o formato é independente e que um waffle é um waffle seja de que formato for. E que o mais importante é a massa. E esta questão das formas leva-me a pensar em muito naquilo que acontece no autismo e não só relativamente aos diagnósticos e principalmente à forma como algumas pessoas os usam. As formas dos waffles não seriam necessárias se não tivéssemos tantas pessoas no mesmo lugar a pediram-nas. Poderíamos perfeitamente fazer uma waffle para nós sem necessitar daquele aparato todo. Contudo, a waffle foi introduzida nas pastelarias e mais tarde nas grades superfícies comerciais e houve necessidade de criar um processo de as cozinhar em maior número e mais rápidas. Se pensarmos bem é algo semelhante que ocorre com o autismo. Se há cerca de oitenta anos atrás haviam cerca de 11 crianças que estavam a ser observadas por Leo Kanner como tendo um diagnóstico de autismo. Na actualidade temos que 1 em cada 100 pessoas apresentam este mesmo diagnóstico. E como tal, passou a ser necessário uniformizar as suas características para que pudessem ser aplicadas em mais do que um sitio e em pessoas diferentes.


No entanto, as waffles apresentam muitas diferenças, assim como as pessoas autistas, se pensarmos bem. No caso das waffles certamente haverá muitas pessoas que se dizem detentoras de uma qualquer receita secreta, semelhante à do pastel de nata de Belém. Ou de que fazem da forma como a sua bisavó fazia. Já para não falar das inúmeras formas de cobrir um waffle. Até porque se há quem goste deles assim sem mais nada. Há muitos que não dispensam uma colherada de mel, de um um qualquer xarope doce ou de uma barradela de chocolate ou compota. Mais uma vez é um pouco como no autismo. Seja naquilo que caracteriza cada uma das pessoas autistas como uma só, única e singular na sua forma de ser e expressão comportamental. Mas também no facto de muitas das pessoas autistas apresentarem ao longo da vida elas próprias muitas outras condições psiquiátricas associadas, seja ansiedade, depressão, hiperactividade e défice de atenção, obsessivo-compulsivo, etc.


Não sei porque é que cheguei até aqui. Provavelmente a frase do Louis foi importante - Um molde é bom, mas só para os waffles! Mas atenção, o molde não deixa de ser importante. Seja para fazer os waffle, mas também para nos ajudar a enquadrar aquilo que é o autismo e o que falamos quando falamos de autismo. Mas tal como há muito para dizer sobre waffles e a forma de os fazer, o mesmo acontece com o autismo. Ou seja, o autismo não se esgota na DSM 5 ou no ICD 10 e nas suas várias características inumeradas. Tal como os waffles também terão um conjunto de características que se desejam preservar para manter a sua forma "original". Contudo, haverão muitas pessoas que já se atreveram a desconstruir a receita dos waffle e a criar o seu waffle e não foi por isso que deixou de ser um waffle.


Obrigado Louis.


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