Haverá inúmeras razões para que uma receita possa correr bem. Começando pela própria receita e excelente combinação de ingredientes. Por exemplo, há sabores que são aumentados pela combinação de dois ou mais ingredientes. Mas também a própria mestria de quem a cozinha e o respeito que mostra pela receita em si. Mas não nos esqueçamos que o material dos utensílios onde executamos a receita também é importante. E não há quem não se canse de repetir que a origem dos ingredientes é vital. Não queremos ganhar nenhuma estrela Michelin. Mas interessa-nos saber o que é que determina que nos adultos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) possa contribuir para uma melhoria nos seus resultados de saúde. É que já houve quem experimentasse de tudo um pouco e ainda não tenha chegado lá.
Não é a primeira e não será a última vez que me chega uma pessoa à clinica e diz - "Você já é o décimo nono psicólogo que consulto, para além dos médicos psiquiatras!". E normalmente esta frase vem acompanhada de um rosto de desesperança e todo um conjunto de crenças negativas face à eficácia da terapia. No caso das pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo e mais especificamente nos adultos é muito comum encontrarmos pessoas que já fizeram anos de terapia. Quando foram diagnosticados em criança as necessidades de acompanhamento parecem ser sentidas como bastante necessárias, seja pelas questões académicas mas também funcionais. Ao longo desse período vão desenvolvendo todo um conjunto de competências e aprendizagens, ainda que os comportamentos nucleares da Perturbação do Espectro do Autismo se vão mantendo, mesmo que de uma forma mais subtil. Quando chegam aos 18-20 anos, sejam os pais mas também os próprios sentem que parecem não ter mais nada para desenvolver em termos de competências. Ou porque sentem que já não haverá mais nenhuma mudança possível. Ou os pais notam que as mudanças ao longo do tempo foram deixando de acontecer e como tal sentem que não será agora na vida adulta que irão ocorrer. Muitos destes jovens adultos encontram-se a viver com os pais e estes continuam a ajudar em muitas das funcionalidades do quotidiano. Aqueles que foram para a universidade sentem que muitas das competências desenvolvidas durante o período escolar anterior lhes irão continuar a servir. Mas a vida adulta continua a ter muito mais, seja ao nível das relações sociais e interpessoais mas também no que diz respeito à vida autónoma e independente e na integração na vida profissional. Como tal continua a ser vital o acompanhamento. >E não é por acaso que se diz que no Espectro do Autismo a terapia é como a própria condição - é ao longo do ciclo de vida.
Um objectivo primordial da intervenção em psicologia é o de poder haver mudanças em alguns dos indicadores de saúde mental mas também física. E se há indicadores presentes mais ou menos visíveis é nas pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Seja porque muitas destas pessoas continuam a não ser diagnosticadas precocemente e como tal há um agravamento do seu prognóstico. Mas também porque o próprio quadro de uma PEA é suficientemente complexo. Até porque há um acumular de outras perturbações psiquiátricas associadas à PEA, nomeadamente, PHDA, Perturbação de Ansiedade ou do Humor, POC, Perturbação da Conduta Alimentar, Esquizofrenia, etc. Mas também do ponto de vista do perfil cognitivo, verifica-se uma percentagem significativa, cerca de metade das pessoas com PEA que têm também um défice cognitivo e uma perturbação da linguagem associada. Há um conjunto de casos de PEA em que se verifica a existência de Síndromes Genéticas. E como tal, há toda uma predisposição genética, ambiental e comportamental para que se verifique um agravamento da condição de saúde física da pessoa. Seja porque no próprio quadro de PEA já se verificam determinadas condições médicas associadas, nomeadamente gastrointestinais. Mas também porque o próprio desenvolvimento da condição e principalmente quando não é devidamente acompanhada em termos médicos e psicológicos vai determinar um agravamento dos resultados de saúde física e psicológica observados.
A investigação tem mostrado que as pessoas adultas autistas têm maus resultados nos indicadores para a saúde. A maioria dos estudos realizados tem incluido amostras de jovens adultos autistas, principalmente do sexo masculino, sem dificuldade intelectual. A este nível a informação chama logo a atenção para aquilo que vai ser a interpretação dos resultados. Isto porque não são incluídas mais uma vez participantes do sexo feminino ou pessoas com dificuldade intelectual ou pessoas com mais idade. Ainda assim, a ansiedade, qualidade de vida, depressão e questões comportamentais estavam entre os resultados de saúde medidos nos estudos científicos realizados. Ou seja, podemos depreender que a introdução de participantes com dificuldade intelectual e pessoas com mais idade iria certamente agravar os resultados.
Muito do que se sabe sobre saúde e necessidade de assistência médica de pessoas adultas autistas emergiu dos serviços de saúde que foram realizando pesquisa documental acerca da frequência de condições co-ocorrentes, tipos de cuidados de saúde recebidos e custos dos cuidados. Esta mesma investigação nos serviços de saúde sugere que as pessoas adultas autistas têm necessidades de saúde diferentes comparativamente aos seus pares da mesma idade sem Perturbação do Espectro do Autismo. Na revisão da literatura, conseguimos encontrar maus resultados em saúde entre as pessoas adultas autistas, tais como morbilidade / mortalidade precoce, aumento das taxas de utilização do departamento de emergência psiquiátrica e menor uso de visitas a consultas de cuidados preventivos para a realização de exames de rastreio para o cancro.
Embora os maus resultados de saúde sejam reportados e documentados frequentemente, são poucos os estudos que avaliaram a eficácia das intervenções para abordar os resultados individuais da saúde na população adulta autista. Sendo que grande parte da concentração de financiamento para a investigação nesta área continua a verificar-se no estudo das questões genéticas associadas e outras que visam compreender os mecanismos cerebrais, com um foco na prevenção da PEA e das causas da PEA, com as crianças a serem o seu principal alvo.
As duas abordagens consideradas como tendo uma maior evidência em termos dos benefícios obtidos nas pessoas adultas com Perturbação do Espectro do Autismo são as intervenção Cognitivo-Comportamental e as intervenções integradas com mindfullness, o que vai ao encontro daquilo que é designado de terapias de 3ª geração. Ambas as intervenções parecem mais adequadas e eficazes na redução dos sintomas psiquiátricos (e.g., depressão, ansiedade, perturbação obsessivo-compulsivo) em adultos autistas. Há que ressalvar que também são estes os modelos mais frequentemente testados e como tal pode haver um enviesamento para esta mesma conclusão acerca do beneficio destas intervenções em detrimento de outras. Contudo, a evidencia numa gama variada de perturbações e não somente do E>espectro do Autismo parece ser clara. No entanto em investigações futuras será necessário entender melhor o efeito de intervenções ao nível das competências sociais para lidar com a ansiedade social, intervenções para abordar a qualidade de vida, e aplicações de tecnologia para reduzir a ansiedade.
Algumas pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo consideram a abordagem comportamental e cognitiva mais útil para aliviar os seus sintomas de Ansiedade ou Depressão. Mas também sentem que este modelo parece ir, ainda que com as necessárias adaptações, mais ao encontro do seu perfil de funcionamento. Nos adultos é fundamental poder ajudar as pessoas a adquirir competências de generalização do aprendido em sessão para que os próprios consigam obter uma maior autonomia e independência. E conjuntamente com as intervenções baseadas no mindfullness, a concentração na modificação dos pensamentos e emoções de uma pessoa, ajudando-os a regular os comportamentos e emoções mas também a aumentar a sua autoconsciência é fundamental.
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