There ain’t no answer.
There ain’t going to be an answer.
There never has been an answer.
That’s the answer.
Gertrude Stein
Está implícito na natureza humana o imperativo de compreender as coisas. A necessidade de atribuir uma explicação plausível, principalmente para o próprio, ainda que possa ser necessário a validação por parte de outros para que essa explicação possa fazer sentido.
No autismo, ao longo de quase um século de conhecimento desta condição, muito frequentemente escutamos a palavra compreensão e porventura ainda mais frequente a sua ausência. Eu não compreendo as pessoas! e/ou Sinto que as pessoas não me compreendem! Frases como estas são muito frequentemente escutadas de pessoas autistas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultos. Mas também ouvimos frases semelhantes dos familiares, colegas, amigos, professores e profissionais de saúde. Não compreendo! Não compreendo o porquê daquele comportamento e atitude!
E por isso, uns e outros andam à procura de respostas. Na verdade andamos todos! Os profissionais tentam procurar os marcadores biológicos e comportamentais que possam mais e melhor identificar e diagnosticar o autismo. Para além de procurarem quais as melhores terapias para ajudar as pessoas autistas. E as pessoas autistas procuram por sua vez perceber se o são ou não (i.e., um diagnóstico). Mas também procuram compreender o que significa serem pessoas autistas.
E quando falamos de pessoas que possam ter um determinado padrão de comportamentos diferentes daquilo que é considerado normativo, habitualmente classificamos dentro do que é diferente. E esse ser diferente parece, na maior parte das vezes, de ser necessário de compreender. Como se as pessoas necessitassem de compreender para poderem aceitar. E quando o seu contrário acontece, isso pode levar à não aceitação, mais ou menos explicita. E que leva por conseguinte à existência e manutenção do estigma face ao autismo e pessoas autistas. O que possa levar a que algumas das intervenções possa ir ao encontro de ajudar a tornar as pessoas autistas o mais normativas possível para que assim possam ser consideradas como sujeito que já se consegue compreender.
Mas se necessitamos de compreender para poder aceitar as pessoas, assim não estaremos a respeitar a sua natureza. E por isso digo muitas vezes a quem convive com pessoas autistas que não temos de as compreender para poder aceitar. Ainda que isso possa representar um exercício desafiante para muitos de nós. E este exercício não retira a importância de compreender ou tentar compreender a pessoa autista. No entanto, não faz depender a aceitação da pessoa enquanto essa compreensão não é atingida. Até porque o exercício é meu, normalmente sendo nós pessoas não autistas. E como tal, o desafio é meu e não da pessoa autista. Até porque essa já tem os seus desafios, como qualquer outra pessoa.
Ao longo de quase um século continuamos a investigar nos modelos biomédicos e na investigação médica com a utilização de instrumentos de topo (i.e., neuroimagiológicos), para a compreensão e mapeamento do cérebro e da dinâmica neurofuncional do cérebro da pessoa autista. Assim como temos investido na compreensão através das lentes da psiquiatria em relação aos aspectos nosológicos e das características de diagnósticos, entre outros. E do ponto de vista psicológico, também no que diz respeito não somente aos aspectos da avaliação, mas também e principalmente da intervenção. E ainda bem que todo este investimento tem sido feito.
E a partir de determinado momento alguns de nós passaram a entender, e ainda bem, que toda a complexidade do autismo e da pessoa autista necessitava de um modelo social. E que em conjunto com o modelo biomédico pudesse ajudar a melhor compreender o autismo e a pessoa autista. E não se centrar somente ou exclusivamente no déficit, mas também naquilo que são as competências, entre outros aspectos.
Mas também parece que não é suficiente. Seja porque ainda existe algumas resistências de uns e outros e procurar assimilar este modelo e esta visão social sobre o autismo e a pessoa autista. Mas porque também se parece centrar, ainda que não exclusivamente, em características e comportamentos. Ainda que possam sugerir a importância de um olhar mais positivo, integrador e inclusivo do mesmo. Confesso que não tenho nada contra, muito pelo contrário. Mas concordo que continuo a ter muitas perguntas e escuto muitas pessoas autistas a terem-nas também, além de outros profissionais de saúde.
Parecemos condenados à procura de respostas. Fizemos e muitos continuam a fazê-lo através ou a partir da religião, na tentativa de procurarem simbolizar a sua existência. Mas como a religião passou, pelo menos para vários de nós, a não ter uma resposta satisfatória para várias das questões colocadas, voltamo-nos para a ciência. Ainda que muito frequentemente alguns de nós se pergunte - Porque não nos voltarmos para a filosofia? Até porque não será a filosofia a melhor forma de poder tentar dar/apontar uma resposta a esta inquietação do ser humano? Tal como no diálogo traduzido por Voltaire - Mas com que fim foi então criado o Mundo? - inquiriu Cândido. Para nos irritar - respondeu Martin.
Quando pensamos nas pessoas autistas temos a ideia de que a forma como processam a informação respeitante a si próprias, aos outros, a si na relação com os outros e com o Mundo, sentimos e observamos que este processamento é feito de uma forma diferente. E por conseguinte a informação que vai entrando na pessoa leva a esta a se construir de uma forma também ela diferente. Assim como a ter uma visão diferente acerca do outro e do Mundo e de si na relação com estes.
E muitas vezes aquilo que muitos de nós, pessoas não autistas, dizemos não compreender é esta forma diferente de apreender, sentir, pensar e agir no Mundo de forma diferente. Mas este diferente não é certo ou errado, é uma forma diferente.
E por isso me parece fundamental que se continue a investir em cada vez mais investigação para que se possa realizar um diagnóstico cada vez mais precoce. Mas parece fundamental que posteriormente a isso, possa também ser possível que a pessoa autista se possa aprender a si próprio tal como ela o é. E aqui não entra a ideia de deixar a pessoa tal qual ela é e não propor qualquer tipo de intervenção, médica ou psicológica. Estas intervenções são necessárias. Até porque há um sofrimento físico e psicológico associado, nomeadamente pelo existência de outras comorbilidades. Mas também há muito sofrimento, principalmente psicológico, porque há toda uma Sociedade (não autista) que parece continuar a necessitar de compreender para aceitar.
É arrogante da parte de qualquer um de nós pensar que tem a capacidade e/ou a competência para aceitar outro ser humano. No limite será o próprio a fazer esse exercício, o da aceitação.
As pessoas autistas vão sê-lo ao longo da vida. E várias das suas características vão estar presentes ao longo da vida. E por conseguinte vão continuar a moldar a pessoa ao longo da vida. E por isso é fundamental poder ajudar a que a pessoa autista se possa construir, conhecer e resignificar de acordo com esse Ser diferente. Até porque por mais que a pessoa autista possa beneficiar de intervenção psicológica ao longo da vida, nomeadamente para se conhecer mais e melhor e com isso possa decidir trabalhar na mudança para atenuar algumas características suas que lhe possam estar a causar dificuldades na vida. Ainda assim, o perfil de funcionamento e de uma forma mais holística esta sua forma de Ser e identidade irá permanecer ao longo da sua existência.
Comments