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Quem vive no convento é que sabe o que se passa lá dentro

Quando se fala de fazer uma avaliação de despiste de Perturbação do Espectro do Autismo na pessoa adulta são muitas as questões que se colocam. Desde a dúvida de se pode ou não fazer esse diagnóstico na vida adulta? Ou se o processo é igual ao que se faz na criança? E se assim for, como se faz com as situações em que os pais dos adultos já são pessoas com uma idade mais avançada e com dificuldade em fornecer informação com alguma qualidade? E se o caso for a indisponibilidade dos pais ou a recusa do filho adulto em que estes participem, seja porque os conflitos ao longo dos anos se foram acumulando ou então o filho não quer que os pais tenham conhecimento desta situação? Será que nestes casos poderão haver outros informadores, como por exemplo, irmãos, companheiros ou amigos? E será que nos casos em que a informação for apenas recolhida junto do próprio adulto, o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo pode ser considerado válido?

É sabido que a perturbação do Espectro do Autismo é uma condição que ocorre ao longo do ciclo de vida. E como tal pode ser diagnosticada em qualquer momento da vida da pessoa. E também se sabe que todos os anos há um conjunto de jovens que atingem a sua maioridade. E alguns desses jovens são pessoas que apresentam características compatíveis com uma Perturbação do Espectro do Autismo, ainda que nunca tenham feito uma avaliação, ou se já a fizeram determinou que o diagnóstico seria outro.


Numa altura em que se tem pensado cada vez mais nas respostas sociais a disponibilizar às pessoas com perturbações mentais, as pessoas adultas com Perturbação do Espectro do Autismo são provavelmente aquelas que menos respostas tem tido. E um dos aspectos fundamentais para ajudar a determinar os apoios necessários às pessoas do Espectro do Autismo é através de uma avaliação e do respectivo diagnóstico.


Atendendo à dificuldade em se considerar que esta condição pode ocorrer na idade adulta e ser diagnosticado pela primeira vez nesta mesma fase. Além de todo o estigma em torno da palavra autismo. São muitas as pessoas que continuam a preencher questionários de auto-relato que vão encontrando na internet. E na grande maioria estes questionários não estão validados para o efeito que dizem estar. Além de que o preenchimento destes questionários não devolve um diagnóstico à pessoa, mas si de que a mesma poderá ter algumas características que precisem de ser avaliadas de forma mais aprofundada.


E se nos último anos se tem falado de um aumento do número de diagnósticos de Autismo, este mesmo crescimento tem sido verificado no espectro mais funcional. Principalmente porque são aquelas situações que continuam a colocar um maior desafio a muitos profissionais de saúde. Seja pelas diferenças na apresentação da expressão comportamental nas mulheres comparativamente aos homens. Mas também devido à existência de outras perturbações psiquiátricas associadas e que levam a uma maior dificuldade no seu reconhecimento. E é precisamente este grupo que tem vindo a solicitar este pedido de avaliação, alem de serem estes mesmos que têm vindo a preencher cada vez mais os questionários de auto-relato para tirarem as dúvidas em relação a alguns dos seus comportamentos.


As medidas de autor-relato são amplamente usadas na investigação e avaliação clínica de adultos com Perturbação do Espectro do Autismo. No entanto, são poucas as investigações que têm avaliado a convergência dos auto-relatos e informantes deste mesmo grupo. Será que os informantes (pais, companheiros ou amigos) conseguem informar de uma forma adequada acerca das competência de vida diária, qualidade de vida, necessidades de serviços, mas também da gravidade dos sintomas? Apesar dos informantes, normalmente os pais dizerem que como vivem com os filhos têm conhecimento de toda esta informação. Vamos partir do principio que essa ideia é uma percepção da realidade. E que no caso da qualidade de vida, atendendo à maior subjectividade do conceito e da dificuldade de comunicar este, é bem provável que a informação aferida através dos próprios ou dos pais possa ter alguma diferença. Assim como os sintomas, que apesar de alguns deles poderem ser mais visíveis, ainda assim oferecem uma complexidade suficiente. E em relação às competências de vida diária, mais uma vez, a percepção que o próprio tem em relação às suas necessidades é sempre diferente face à que os pais têm de si. E ainda mais na vida adulta.


Mas se as dificuldades em obter uma informação fidedigna pode derivar pelo lado dos informantes. O mesmo também pode acontecer pelo lado do adulto com suspeita de Perturbação do Espectro do Autismo. Se a pessoa adulta está está a solicitar esta avaliação, mesmo que a mesma não tenha a confirmar o diagnóstico, é bem provável que possa haver compromisso na vida da pessoa, ainda que seja melhor explicado por outra condição. Não esquecer que é muito comum a ocorrência de outras perturbações psiquiátricas associadas ao Espectro do Autismo. Mas na grande maioria das situações as pessoas adultas que solicitam esta avaliação já estão mais inclinados para o diagnóstico de PEA, e em boa parte das situações estão certos em relação a esta suspeita. Foram muitos anos a pensar em todas estas características, nomeadamente a investigar e a ler mais sobre esses comportamentos. Até porque foi assim que numa boa parte das situações as pessoas solicitaram a avaliação. Porque se reconheceram em alguma descrição num livro, cientifico ou ficção e decidiram seguir a pista.


No entanto, apesar de muitas destas pessoas pertencem a um espectro mais funcional, ainda assim alguns deles apresentam algumas dificuldades na partilha da informação relativamente à forma como a têm vivido. Ou seja, algumas das suas características têm precisamente a ver com a dificuldade ao nível da memória autobiográfica e na capacidade de recortar de forma coerente uma histórica, neste caso a sua própria história. Além de que muitas pessoas autistas têm dificuldade em reportar acontecimentos de vida com determinada profundidade, devido à sua capacidade de insight apresentar diferenças face às pessoas neurotipicas. No entanto, é importante lembrar que o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, à semelhança d outros diagnósticos neuropsiquiátricos, são clínicos. Ou seja, não existem marcadores biológicos para determinar o diagnóstico ou outro tipo de exame. É a observação e a relação com o profissional de saúde que o recebe que irá determinar com certeza se trata de uma situação clinica do Espectro do Autismo ou não. E é fundamental avaliar com qualidade a seguinte informação: severidade dos sintomas, competências funcionais de vida e qualidade de vida. Serão fundamentalmente estas que irão ajudar a desenhar o projecto de vida para a pessoa autista, diagnosticado na vida adulta.


Na questão da severidade dos sintomas devemos ter em atenção que estes mesmos adultos aprenderam ao longo do tempo a terem eles próprios, uns mais do que outros, comportamentos compensatórios. E no caso das mulheres esta situação é ainda mais visível, veja-se o que se tem descoberto acerca da camuflagem social. Mas no caso dos homens também. Como tal, estas pessoas podem aparentar estar mais enquadradas e com menos sintomas. No entanto, muito frequentemente, aquilo que observamos é que já há uma certa dessensilbização para alguns dos sintomas, principalmente porque foram ocorrendo assim e com maior gravidade ao longo da vida. E passam a ser integrados na forma como a pessoa vide. E nada disto é para dizer que a pessoa não está a sofrer, porque está, e muito.


Em relação aos comportamentos adaptativos, e tendo em conta que muitos destes adultos ainda continuam a viver como os seus pais ou cuidadores, é possível verificarmos que existem algumas dificuldades a este nível mas que possam não corresponder à realidade, até porque muitas destas competências nunca foram verdadeiramente treinadas, e principalmente em contexto real. Tendo em conta que na Perturbação do Espectro do Autismo podemos encontrar um perfil cognitivo com grande variabilidade é fundamental podermos a avaliar as competências funcionais de forma a poder compreender que necessidades de apoio é que a pessoa realmente necessita.

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