Ontem o meu filho quis que lhe contasse a história dos três porquinhos. Ao pensar numa noticia que li ontem, mas que não é a primeira vez que tomo conhecimento daquele tipo de realidade fui à estante e tirei "O que fazer com um problema?". Achei bastante indicado e transversal a muitas situações da vida. A noticia que li ontem dizia - "Saúde mental: 1 em cada três jovens na Inglaterra estão a lutar em sofrimento". Tal como nas histórias de adormecer, poucas são aquelas que são verdadeiramente novas. A grande maioria são repetidas, reinventadas e recontadas. Tal como estas noticias que se escrevem de forma cíclica. No final o meu filho pareceu compreender que fugir dos problemas traz-nos duas coisas: um problema maior quando na realidade ele é algo bem diferente.
A primeira vez que me leram a história dos três porquinhos tenha a lembrança da história ter sido bastante assustadora. Apesar das ilustrações não serem as melhores comparando com aquilo que hoje em dia é possível fazer. Dependia muito do suspense colocado pela pessoa que contava a história e do facto de haver efeitos sonoros ou não. Ao fim destes anos todos a história dos três porquinhos já não é assustadora mas faz-me pensar no que estamos a procurar transmitir às crianças.
Na Universidade, quando ouvi no primeiro ano dizer que 5% a 15% das crianças a nível mundial têm uma perturbação mental e que cerca de 1/4 delas não obtém a ajuda e intervenção necessária, senti que estava na profissão certa. Estávamos em 1995. Já lá vão vinte e cinco anos. E já não é a primeira vez que coloco essa mesma informação em algum slide quando vou fazer alguma comunicação na área da saúde mental. E hoje estamos em 2020. A história dos três porquinhos continua a ser contada e o facto de haver 1 em cada 3 jovens que sofre para encontrar resposta em saúde mental continua a assustar-me. Independentemente do design gráfico e da existência ou não de efeitos sonoros.
O que é que temos feito para que ao fim destes 25 anos continuemos a assistir a esta história com este desfecho? O que é que eu tenho feito ao longo destes 25 anos para mudar o percurso desta história? O que é que cada um de nós, sejam aqueles que ainda ouvem a história mas também aqueles que a contam têm feito ao longo destes 25 anos?
Até porque a qualidade de vida nos últimos anos tem melhorado substancialmente. A mortalidade infantil desceu drástica e felizmente. O acesso aos cuidados de saúde também. A escolaridade para todos é cada vez mais uma realidade. Por isso, quando tudo parece que aponta para um desfecho mais positivo temos indicadores preocupantes de saúde mental numa camada jovem da população.
A infância e a adolescência são etapas de vida criticamente importantes para a saúde mental e bem-estar das pessoas, não apenas porque é quando os jovens desenvolvem autonomia, autocontrole, interação social e aprendizagens, mas também porque as capacidades formadas nesse período vão influenciar directamente a sua saúde mental ao longo das suas vidas. Experiências negativas - como os conflitos familiares em casa ou bullying na escola - pode ter efeitos prejudiciais duradouros no desenvolvimento de competências cognitivas e emocionais essenciais.
As condições socioeconómicas em que os jovens crescem também podem afectar as escolhas e oportunidades na adolescência e na idade adulta. Condições de vida privadas ou os bairros, por exemplo, podem ser vistos pelos jovens como vergonhosos ou degradantes, podem reduzir suas oportunidades de aprendizagem produtiva e interação social ou aumentar a sua exposição ao abuso de substâncias, doenças e lesões. A exposição a experiências e situações adversas na infância e adolescência pode significar um impacto negativo no bem-estar mental muitos anos no futuro. Por exemplo, ambientes menos seguros na infância ou violência familiar na infância são preditores importantes de problemas subsequentes, como uso de substâncias ou comportamento criminoso na adolescência, o que aumenta a probabilidade de exposição a outros factores de risco estabelecidos na vida adulta, como desemprego ou exclusão social.
Na Europa, 15 a 20% dos adolescentes têm pelo menos um problema psicológico ou comportamental e há um risco real de que problemas de saúde mental desenvolvidos durante a adolescência continuam na idade adulta ou até se tornam crónicos. Sobre estima-se que metade dos problemas de saúde mental em adultos tenha início na adolescência. Os problemas de saúde mental não afectam apenas os jovens adolescentes e as pessoas no seu ambiente envolvente, eles também têm implicações profundas no seu desenvolvimento social e na economia global. Anualmente a perda de 4% do produto nacional bruto europeu está ligada aos efeitos de problemas de saúde mental (devido ao absentismo, desempenho reduzido no trabalho, etc.).
Mais uma vez parece que não estou a reportar nada de novo para muitos de vocês e para mim inclusive. Mas o que é necessário fazer e como para interromper estes ciclos?
Por exemplo, os ambientes seguros, seja dentro ou fora da família, propiciam a vivência de experiências de vida saudáveis e o estabelecimento de vínculos e relações de vinculação satisfatórias e recompensadoras. Se eu estiver num ambiente em que tenho uma sensação presente de ameaça ou de alguma espécie de ambivalência estarei mais constantemente a procurar proteger-me do que a procurar viver as experiências que potenciam um desenvolvimento saudável. Como tal é fundamental ajudar a criar uma parentalidade mais solidária, uma vida familiar segura e um ambiente de aprendizagem positiva na escola enquanto factores fundamentais na construção e protecção da saúde mental e bem-estar na adolescência.
A falha em se conseguir fornecer adequadamente ou garantir que esses elementos básicos ponham em risco a saúde e o bem-estar, levam a problemas sociais e também é "empobrecer da economia", pois pode resultar em menor desempenho escolar e perspectivas de emprego subsequentes, bem como custos evitáveis de assistência social no futuro. São necessárias políticas multissectoriais, nas quais uma perspectiva de curso de vida é combinada estrutura de desenvolvimento que reconheça a respectiva influência de indivíduos, famílias, comunidades e sociedade sobre o estado de saúde mental e os resultados.
As Escolas devem fornecer não apenas um aprendizagem construída no ambiente, mas também uma plataforma para promover a saúde, incluindo estilos de vida saudáveis, alfabetização Sócio-emocional, programas de aprendizagem (habilidades para a vida), etc. Estes exemplos têm demonstrado melhorar o funcionamento socioemocional e desempenho académico e também reduzir comportamentos de risco. Infelizmente, as escolas também podem ser um terreno fértil para o bullying, e os impactos a longo prazo dos quais pode ser sério; contudo os programas anti-assédio escolar podem reduzir o bullying em cerca de 20%.
As taxas de uso de substâncias, danos pessoais e outras formas de lesão aumentam na adolescência a exposição a estes riscos para a saúde e que podem ser contidos através da implementação de medidas variando de base populacional restrições à disponibilidade e comercialização de álcool e tabaco aconselhamento individual para adolescentes com risco aumentado de uso nocivo de álcool, depressão e auto-mutilação.
A identificação precoce de saúde mental ou comportamental problemas é a chave para uma boa recuperação, com acesso a um acompanhamento apropriado a nível psicossocial baseado em evidências. A possibilidade de haver uma resposta mais célere e adequada no acesso aos serviços de saúde mental e de realização de intervenção psicoterapêutica, seja num modelo tradicional, mas também através dos modelos de intervenção à distância, poderá haver uma resposta mais alargada a grupos que frequentemente continuam a não ter uma resposta de serviços especializados.
Penso que muito do que escrevi não seja novidade, mas porque é que continua a não existir uma mudança nestas variáveis? Para além da mudança mais estrutural nos próprios serviços de saúde mental, o que entre outras coisas acarreta a contratação de um maior número de profissionais de saúde. E aqui penso que ficamos sempre ancorados nas questões orçamentais e não descolamos daqui. Penso que seja fundamental perceber onde é que a mudança pode começar para produzir mais e melhores resultados. E penso sempre na Educação. Precisamos de mudar o paradigma e a forma como executamos este processo de aprendizagem de conteúdos de forma exclusiva e desapegado da realidade das pessoas. Continuarmos, todos nós a insistir na necessidade das crianças e jovens terem boas notas para poderem entrar numa boa faculdade e como tal terem acesso a um bom emprego parece não ter o resultado desejado. E ainda que tenha para uma determinada percentagem, não está a ter para uma franja importante da Sociedade. E para além disso, também naqueles que têm "boas notas" não há propriamente uma imunidade aos problemas de saúde física e mental. Até porque continuam a viver no contexto e também a sofrer do impacto mais global causado por estas variáveis.
Tal como no livro que serve de imagem a este post - "O que fazer com um problema?". Enquanto continuarmos a fugir da realidade ou a estar mais focado num debate de quem é que tem razão sobre o outro não sairemos do mesmo lugar. Excepto para fugir e continuar a evitar resolver o problema. E aqui o resolver é encara-lo, enfrenta-lo e perceber que o problema tem outras características que desconhecemos e que isso se deve ao enviesamento devido ao nosso medo e ansiedade. Mas que o problema também não é assim tão impossível de reduzir ou até mesmo mitigar. Podemos sempre continuar a recontar a história dos três porquinhos, mas estou certo que os nossos filhos irão agradecer poder-lhes dar uma história diferente.
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