First they ignore you, then the laugh at you,
then they fight you, then you win.
Mahatma Ghandi
Durante a escolaridade obrigatória alguém lhe pediu para ser delegado ou sub-delegado de turma? E se foi o caso, não houve uma altura em que repensou se haveria de aceitar ou não? Principalmente, depois de já o ter sido! E aquela situação ocorrida no 2º ciclo em que um dos seus colegas estava frequentemente a ser maltratado por um grupo de outros alunos. E você mobilizou-se conjuntamente com outros colegas para travar a situação! Ou mais tarde quando um amigo lhe perguntou se você gostaria de pertencer a um grupo local de defesa de uma espécie ameaçada. Ou quando num determinado verão você e os seus amigos decidiram criar um grupo de limpeza para a praia local e acabou por se tornar um grupo pró-ecologia. Ou quando já em adulto no condomínio lhe perguntaram se queria fazer o trabalho de secretariado! E no seu local de trabalho verificou que não havia condições de acesso adequados para pessoas com mobilidade reduzida e você procurou junto dos seus colegas criar um lobbie para mudar a situação. Ou na escola dos seus filhos quando teve conhecimento de que havia crianças com determinadas condições e necessidade de educação inclusiva e que não os estavam a receber! Os exemplos são muitos e variados.
Em toda a nossa vida e em todos os momentos são tomadas decisões importantes sobre ela. Algumas estamos mais conscientes e envolvidos, outras nem por isso. E existem várias razões para isso. E muitas dessas vezes todos nós já sentiram necessidade de ter algum tipo de apoio durante esse processo. Fosse para conseguir compreender as decisões a tomar e a sua importância, mas também para compreender os seus direitos e assumir o controlo da sua própria vida. Este tipo de papel, a advocacia significa dar apoio a uma pessoa para que a sua voz seja ouvida.
Advocate pode ser traduzido para advogado, defensor, porta-voz, etc. Estamos a falar das pessoas que tomam a iniciativa própria de representar uma determinada causa e defendê-la. Nos últimos anos temos assistido a um crescendo no número de pessoas, individuais ou colectivas, que se têm tornado nestes porta-voz. E são várias as áreas em que os mesmos estão representados, Basta pensar numa área ou em situações em que alguém possa estar em desvantagem a nível biopsicossocial para fazer sentido o surgimento de um porta-voz. Até porque normalmente percebemos que as pessoas que se encontram nestas situações desfavorecidas, apresentam igualmente dificuldade em se auto-representar.
O autismo é uma das condições em que os porta-voz têm surgido ao longo destes 80 anos. Se no inicio começou por ser os pais das crianças com esta condição que começaram a criar as Associações/Organizações para representar e defender os direitos das pessoas autistas. Ao longo dos anos e principalmente nos últimos dez anos fomos verificando um crescendo no número de porta-voz com a própria condição. Ou seja, as próprias pessoas autistas têm, individual ou colectivamente, procurado tornar-se porta-voz da sua condição e da de muitas outras pessoas.
São vários os desafios que as pessoas que mais ou menos altruisticamente desempenham este papel encaram. Normalmente, verifica-se uma grande necessidade de informação junto da comunidade. Por exemplo, no autismo verifica-se uma grande falta de informação acerca do processo de diagnóstico, da legislação, dos apoios necessários para determinada situação, terapias mais adequadas, etc. É uma panóplia de informação que grande parte das pessoas na comunidade autista sente falta.
Além disso, verifica-se a necessidade de poder levar a mudanças nas políticas sociais e da saúde existentes. Visto que as dificuldades que as pessoas autistas encontram ao longo da vida e nos mais variados sectores da Sociedade são muitos. E como tal, as pessoas que desempenham este papel precisam de preparar a informação para apresentar juntos dos órgãos políticos responsáveis para que possam através deste lobbie provocar alguma alteração positiva na situação vivida e reclamada.
Por exemplo, no Advocate Survey realizado em 2019, perguntou-se à comunidade de pessoas que estavam a ser porta-voz, a sua posição face ao papel desempenhado e quais os maiores desafios sentidos. Mais de 50% disse que tinham falta de pessoal para realizar as múltiplas tarefas necessárias. Enquanto que 53% referiram que era difícil mobilizar as pessoas para a acção, 46% referiu que era difícil adquirir mais apoiantes e 39% que estavam subfinanciados, enquanto 34% que era difícil comunicar o valor do seu programa.
Para além do trabalho árduo que envolve a advocacia, há um outro aspecto fundamental e que envolve as relações humanas. Sendo que estas já por si são complexas. Imaginem quando se trata de abordar temas em que cada pessoa tem uma ideia algo diferente sobre a mesma. Por exemplo, no autismo ser tratado como autista ou pessoa com autismo não é consensual. Ou quando se trata de abordar as terapias validadas para intervir no autismo e umas pessoas referem os benefícios da metodologia ABA ao invés de outros que a olha como capacitista! Ou quando se procura dar voz à importância da sexualidade no autismo e algumas pessoas se insurgem. Assim como em relação ao uso de CBD canabidiol são várias as situações em que pela subjectividade e sensibilidade do tema, assim como a heterogeneidade das pessoas, suas ideias e personalidade, que leva a que as coisas se tornem complicadas e intensas.
E neste trabalho de advocacia, uma percentagem significativa deste, passa por falar com as pessoas da comunidade, escuta-las e orienta-las. Seja este trabalho realizado individualmente ou em grupo.
Mas ainda hoje não são poucas as situações em que me deparo com desabafos de quem faz este trabalho tão meritório e necessário a referir que se sente cansada em boa parte pelos inúmeros embates e confrontos junto da própria comunidade que procura representar. A questão em si não envolve a troca e debate de ideias diferentes. Passa muitas vezes por formas mais agressivas de contactarem as pessoas que estão na linha da frente a fazer este trabalho de advocacia e personalizarem muitas das situações que defendem. No caso da comunidade autista por exemplo é frequente ouvir pessoas que dedicam muito dos seus dias à advocacia da causa sentirem um desgaste físico e emocional tremendo. Inclusive porque cada vez mais pessoas que estão a desempenhar estas funções são elas próprias autistas.
A ideia não é de que possa existir um protecionismo especial para quem quer que seja ou que faça esta ou aquela função. Será uma questão de respeito pela diferença, nomeadamente de pensamentos e ideais. Podemos não concordar. E isso é desejável e saudável. Mas é fundamental poder expressar de uma forma adequada e ter a disponibilidade para aprender com o outro, seja ele quem for.
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