"- Linha de aconselhamento psicológico, boa tarde.". Começa assim muitas das chamadas para as linhas de apoio psicológico providenciadas, quer neste período de pandemia mas não só. Muitas das chamadas começam mas terminam assim. Do outro lado ouve-se um "Boa tarde..." tímido e sussurrado e a seguir a chamada é desligada. Talvez a pessoa ainda não tenha conseguido. Mas tentou. É importante que volte a tentar pensamos todos nós. Outras pelo contrário vão além do boa tarde e o silêncio da pessoa em sofrimento quebra-se ali. É escutada e encaminhada. O telefone desliga-se ao fim de algum tempo de chamada. Desta vez foi diferente. "- Linha de aconselhamento psicológico, boa tarde.". O telefone voltou a tocar. Penso que hoje terá tocado mais vezes pensarão alguns. E toca muitas vezes. Mas devia tocar mais, porque continuam a ser muitos aqueles que continuam a viver em silêncio o seu sofrimento. Na verdade não é em silêncio. Até porque o sofrimento é ouvido através da porta pelos pais e outros familiares que escutam os gemidos e nem sempre sabem o que fazer e como fazer. Ou os jovens que passam a saltar refeições ou escolhem-nas fazer fechados no seu quarto. Por vezes, são os vizinhos que ouvem os gritos, as discussões intermináveis, as agressões, os gritos de "não me batas", o choro que fica depois do silenciar de toda aquela agitação. Mas também o vizinho com quem nos cruzamos de manhã no elevador e sentimos o cheiro a álcool e nem precisamos de olhar para o relógio para sabermos que a situação é preocupante. E todos os outros anónimos que sofrem por não saber do que sofrem, da incompreensão, do cansaço, da fadiga, do emprego e desemprego, da insatisfação, de tudo e de nada, da mensagem que se recebeu do diagnóstico que há 2 semanas que se aguardava das análises que se fez depois de ter detectado um inchaço na garganta. Onde estão todas estas pessoas, crianças, jovens, adultos, séniors?! Onde estamos todos nós, família, amigos, vizinhos, comunidade, profissionais de saúde, responsáveis políticos, sejam os que estão na Assembleia da República mas também dos Municípios e Juntas de Freguesia? As pessoas que reportam ter tido algum problema, dificuldade ou queixa de saúde mental nos últimos 12 anos, também reporta não ter recebido nenhum tipo de ajuda para a situação. Precisamos de resolver isto, e de preferência sem a zanga e arremessos habituais. Podemos concentrar essa energia vital toda na procura de uma solução, aquela necessária e eficaz para responder às pessoas. Há uma percentagem muito grande de pessoas que reporta ter ou ter tido um problema psiquiátrico em algum momento da sua vida. E esta afirmação não isenta as crianças. Estas, não só porque estão mais vulneráveis e frágeis do ponto de vista da sua estrutura mental para se protegerem, acabam por ser mais propensas a todo um conjunto de factores psicossociais e situações que vão ocorrendo no seu meio ambiente. Mas como também estão menos capazes de pedir ajuda e estão dependentes de que um adulto a possa compreender, a situação tendencialmente arrasta-se no tempo. E perpetua-se ao longo das gerações estes problemas e sofrimento psicológico. Mas continuamos a demorar muito tempo a pedir a ajuda necessária. Desde 1 a seis anos em situações de perturbação do humor (depressão), a 1 a vinte e oito anos no caso da ansiedade. Leram bem, 28 anos no caso da ansiedade. Claro que podemos sempre dizer que o problema é da população não ter dinheiro. Ou então como também já ouvi dizer, as pessoas têm dinheiro mas é para as coisas materiais como os smartphones e não para a saúde mental. Como se pudéssemos pensar que as pessoas gostam de estar a sofrer a nível psicológico! Ou a culpa é da educação ou da fala desta. O que na verdade não deixa de ser em parte verdade. Até porque as pessoas com maior nível de habilitações têm uma maior probabilidade de pedir ajuda. O que mais uma vez nos leva a pensar que uma franja grande da população, as pessoas pertencentes às minorias étnicas ou em situações socialmente desfavorecidas, acabam por estar mais propensas a este sofrimento psicológico e a esta demora no pedido de ajuda especializada, quando na verdade já estão mais fustigadas por outras múltiplas situações. Mas também há aqueles que procuram fazer o contacto, nomeadamente presencial e que não obtiveram o encaminhamento adequado. Por exemplo, em crianças em que ainda se continua a ouvir, "Isso são fases e depois passa.". Não que as situações não possam ser fases, mas por que não explorar com maior detalhe para ter a certeza e fazer um despiste adequado? Porque podemos estar a sensibilizar os pais falando-lhes de que poderiam beneficiar de uma consulta com um Psicólogo ou PedoPsiquiatra? Sim, porque esta questão da representação mental face à saúde mental e as crenças e o estigma associado faz com que muitas pessoas se queiram ver afastadas deste pedido de ajuda. E alguns profissionais de saúde também o fazem. E isto precisa de ser contrariado. Até porque o sofrimento das pessoas é crescente. E isso tem sido observado no número de suicídios que tem crescido. Para além do número de casos de pessoas em sofrimento psicológico que também tem crescido, E dos consumo de antidepressivos e ansiolítcos. As pessoas estão a procurar expressar, de uma forma mais directa, quando respondem a estudos e inquéritos nacionais, quando se manifestam e dizem que não estão bem e que querem mudar o seu bem estar. Mas também indirectamente, quando o número de baixas no local de trabalho aumenta, os conflitos entre colegas de trabalho, mas também o consumo de substâncias ou o maior número de horas passado nos ecrãs. Seja de uma forma implícita ou explicita não há margem para dúvida que estamos a gritar do outro de lá da linha a pedir ajuda e alguns de nós insistem em não entender ou então interpretar de uma forma enviesada. O sofrimento psicológico não é nenhuma invenção da pós-modernidade. A Humanidade sempre sofreu, o sofrimento é parte integrante da vida humana. Ainda que a expressão deste mesmo sofrimento se vá fazendo de múltiplas formas diferentes. Os homens sofrem e choram, as mulheres nem sempre são super heroínas e precisam de abrandar, os jovens não são uns preguiçosos e não querem não saber de nada, as crianças não estão somente interessadas em brincar. A saúde mental não é um problema dos malucos, até porque não os há. Existem sim pessoas em sofrimento e que precisam de ajuda.
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