Hoje celebra-se o dia do orgulho autista. Alguns poderão perguntar-se - "Como é que alguém se pode orgulhar de ser Autista?".O dia de hoje nasce da necessidade do autista poder viver a sua vida de maneira autêntica.
Pride & Prejudice é um romance escrito por Jane Austen em 1813 e trazido para o cinema em 2005 na sua mais recente adaptação. Um clássico que uns e outros gostam de rever. Seja pela actuação brilhante de Keira Knightley e Matthew Macfaydyen mas também pela intensidade do romance e a mestria da escrita da autora.
No Autismo também continua a haver alguns "clássicos" que precisam de ser revistos. Mesmo depois de decorrido 80 anos sobre o primeiro diagnóstico e os trabalhos de Kanner ou Asperger. Talvez hoje mais do que no passado a importância de reconhecer ao autista o direito a viver uma vida autêntica seja mais plausivel de defender. Ainda assim e ao fim deste tempo todo continua a ser fundamental criar esta celebração para lembrar a todos a sua importância. E porquê?
Apesar de todo um conjunto de medidas legislativas para a inclusão nas escolas continuamos a verificar dificuldades na integração dos autistas nos mais variados níveis escolares, desde a intervenção precoce até à universidade. Estou convicto que não é a legislação que está desadequada. Na sua grande maioria não o está ainda que necessite de contínua reflexão. A grande dificuldade parece residir em algumas pessoas com responsabilidade em pôr em prática estas medidas. Os números destes casos são em menor número comparativamente às boas práticas. Mas ainda continua a ouvir-se de professores que não é possivel o aluno em questão ser autista não obstante o relatório de avaliação psicológica dizer o contrário. Ou na intervenção precoce ser dito aos pais que estão a ter os seus filhos autistas acompanhados no privado que não poderão beneficiar dos serviços públicos. Os exemplos poderiam acumular-se e quem os vive na primeira pessoa sente uma enorme incompreensão face à sua realidade.
Um outro aspecto que ainda hoje continua a haver necessidade de chamar a atenção é para a venda de terapias e curas para o autismo. As famílias, principalmente os pais estão numa posição por demais fragilizada e são permeaveis a ouvir todo um conjunto de propostas que sentem que lhes pode aliviar o seu sofrimento e dos seus filhos. É imperativo o comportamento ético da parte de todos nós que intervimos com autistas. Recentemente em Portugal foi publicado pela Direcção-Geral de Saúde a Abordagem diangóstica e intervenção na Perturbação do Espectro do Autismo em idade pediátrica e no adulto. Há mais tempo no Reino Unido foi publicado um conjunto de orientações semelhantes. E em outros paises como a França ou Australia o mesmo. Apesar disso ainda se continua a verificar a propagação de terapias & curas não validadas pela comunidade cientifica para a cura do autismo. Não é apenas a questão do apelo à não vacinação! Parece que o facto de continuar a haver um caminho longo a percorrer no conhecimento do autismo justifica a entrada de todo um conjunto de propostas danosas e que atrasam a intervenção necessária junto dos autistas e das respectivas famílias.
A pressão para a normatividade é sentida de uma maneira profunda. Ao ponto de um grupo especifico de autistas, principalmente raparigas e mulheres autistas com um perfil mais funcional e com melhores competências para aprender comportamentos sociais usaram mecanismos de máscara para alguns dos seus comportamentos. Ou seja, alguns autistas aprendem que desenvolver determinados comportamentos sociais, como estabelecer contacto ocular ou sorrir é socialmente aceite. E como tal acabam por os imitar para se poderem sentir mais integrados socialmente. Quando no fundo esta máscara aquilo que está a produzir na grande maioria das situações é um atraso no diagnóstico e na referenciação para a intervenção adequada prolongado o sofrimento e o mal estar psicológico sentido.
A utilização da própria palavra autista de forma desadequada, seja por politicos ou órgãos de comunicação social, mas também pela sociedade em geral e que continuamente desrespeita e magoa os autistas mas todos aqueles que os respeita. Já existem paises como a Espanha que desenvolveu normas para os órgãos de comunicação social para abordarem de uma maneira que respeite e vá ao encontro das caracterísiticas dos autistas. A acessibilidade aos serviços contiua a ser uma batalha. Principalmente a questão das hipersensibilidades auditivas, olfactativas ou visuais continua em muito a limitar a possibilidade dos autistas serem verdadeiramente autónomos e independentes. Uma ida a um hipermercado ou uma loja de roupa continua a ser uma aventura muitas vezes evitada. Para além de se poder trabalhar com o autista a dessensibilização para alguns destes estímulos ou usar medidas protectoras, como por exemplo headphones para a questão do ruído. É fundamental criar também uma outra consciência da necessidade de todos nós nos podermos adaptar e não apenas os autistas. Sob pena de coninuar a perpetuar a ideia de que ser autista é a forma errada e como tal há necessidade de poder corrigir e igualar aos não autistas. Podem ser palavras fortes aquelas que uso. Mas é assim que elas são trazidas para as consultas.
O autista irá continuar a sê-lo ao longo do seu ciclo de vida. Para qualquer pessoa é fundamental poder ser empoderada e capacitada com as ferramentas necessárias para que ao longo deste percurso possam exercer o seu direito à auto-representação. Mais de metade da vida de todos os autistas será vivida enquanto adulto. Se uma larga maioria começa logo por ver dificultado o seu acesso à Universidade, ao mercado de trabalho e por conseguinte à habitação independente, entre outras situações. A qualidade de vida e o bem estar ficam comprometidos. Assim como um conjunto fundamental de direitos humanos consagrados a todos nós.
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