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Por quem o pendulo dobra?

Acredito que muitos pensaram na obra mestre de Hemingway, Por quem os sinos dobram, ao ler o titulo deste texto. E ainda que não seja o mesmo, e muito menos pretenda ser uma obra, o texto de hoje reflecte, tal qual o livro de Hemingway, sobre a condição humana. Sendo que esta reflexão é-me trazida e traduzida pelas pessoas autistas com quem me vou cruzando na clinica. Bem como outras pessoas que se dedicam a semelhantes reflexões. E que curiosamente leva a muitos de nós a perguntar - se esta reflexão sobre a condição humana nas pessoas autistas não é novidade, porque continua a demorar este tempo todo a mudar? Talvez o pêndulo de Foucault nos ajude!?!


O pêndulo de Foucault, devido à sua concepção e dimensões, é capaz de revelar a rotação da Terra, sem que para isso seja necessário ir ao espaço sideral para o verificar. O que para mim, que ainda não consegui juntar dinheiro suficiente para o fazer, fico muito agradecido. A originalidade do pêndulo reside no facto de ter liberdade de oscilação em qualquer direcção, ou seja, o plano pendular não é fixo. A rotação do plano pendular é devida à rotação da Terra. A velocidade e a direcção da rotação do plano pendular permitem igualmente determinar a latitude do local da experiência sem nenhuma observação astronómica exterior.


É interesse pensar-se que o pêndulo seja referido como tendo a liberdade de oscilação em qualquer direcção. E se observe que a sua rotação no plano pendular seja devida à rotação da Terra. O que me faz pensar na (aparente) liberdade da pessoa autista em oscilar sobre este mesmo plano pendular, polarizado entre as suas características comportamentais que se traduzem em critérios de diagnóstico e o Ser pessoa.


Se há condição que me tem feito reflectir sobre a condição humana é o autismo, e principalmente a vida das pessoas autistas. E apesar de se pensar que estamos a falar do mesmo, autismo e a vida das pessoas autistas, talvez seja importante reflectir um pouco mais. Por exemplo, ao falarmos de autismo, poderemos estar a olhar para aquilo que são as características comportamentais e respectivos critérios de diagnóstico, tais como apresentados nos manuais de diagnóstico e descrições clinicas. Contudo, ao pensarmos na vida das pessoas autistas, é imperativo pensar na forma como esta se apropria da sua própria condição e a expressa, conta, reconta, se lembra ou sonha. Assim como as outras pessoas com quem vai interagindo ao longo da vida lidam com esta forma de ser. Bem como, o ambiente circundante que vai sendo construído e definido por todo um conjunto complexo de regras principalmente por pessoas não autistas, como é que ele reage às pessoas autistas!?!


O autismo nasce com a pessoa. Mas a pessoa já o é ou será antes de nascer!? Pergunto-o propositadamente, até porque haverá diferentes formas de o pensar. Esta pessoa quando nasce já foi sonhada por estes pais e isso de alguma forma irá condicionar ao longo da vida a forma como estes interagem com ela. O autismo nasce com a pessoa. Mas como é que a pessoa, que na maior parte das vezes só sabe e/ou se aperceber do seu autismo mais tarde na vida, como é que esse facto releva na forma de se pensar e sentir pessoa? Mesmo nas pessoas que são diagnosticadas em criança, como é que o seu aparelho de pensar, reflectir e sentir lhe vai proporcionando toda esta experiência e vivência de Ser pessoa? Sendo que esta mesma experiência e vivência não está destituída da interacção que a própria pessoa vai tendo com os outros, o ambiente e o Mundo.


As perguntas não param, assim como o próprio pêndulo de Foucault. Neste plano pendular, tal como numa outra grande obra literária que o usou, o Pêndulo de Foucault de Umberto Eco, aponta para os perigos do fanatismo a que uma pessoa ou grupo de pessoas podem chegar por medio da obsessão por informações de sistemas de conspiração secretos, teorias de história ocula e o misticismo elevado a um grau desmedido. E tal como o próprio Umberto Eco sublinha numa outra grande obra sua, Os livros não são feitos para alguém acredite neles, mas para serem submetidos à investigação. Quando consideramos um livro, não devemos perguntar o que diz, mas o que significa. (in O Nome da Rosa, Umberto Eco).


Claro que os manuais de diagnóstico são importantes, nomeadamente como referenciais de investigação nosológica das próprias condições. Assim como os livros clínicos sobre as próprias condições o são. Mas fundamentalmente a reflexão sobre as condições, feita individualmente por todos nós, clínicos, investigadores e pessoas autistas, e que depois se possa unir num espaço livre de diálogo. Talvez este seja o movimento pendular necessário e que vá ao encontro daquilo que é o próprio eixo da Terra.


Uma pessoa autista já o é ao nascer, mas não se sabe enquanto tal. Ou já se sabe? Se optarmos pela primeira ideia, a pessoa vai ouvir dizer que é uma pessoa autista em determinada altura da sua vida quando lhe fizerem uma avaliação e devolverem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Ainda que esta pessoa, principalmente se for uma pessoa adulta, já se tenha pensado sobre o seu ser ainda que possa não ter usado o nome autismo. Mas como é que a pessoa que ouve de outro que é uma pessoa autista se consegue ir pensando enquanto pessoa que tem este diagnóstico e em simultâneo como pessoa? E mesmo que haja, que as há, pessoas que digam que não há uma distinção entre o ser uma pessoa com diagnóstico de perturbação do autismo do autismo e o ser pessoa, e que tudo é o mesmo, indivisível. Como é que o ambiente, os outros, principalmente as pessoas não autistas e o Mundo reagem a esta pessoa?!


Como é que esta pessoa que sente que para alguns aspectos da sua vida precisa de oscilar para o lado daquilo que a caracteriza com um conjunto de características comportamentais definidas num diagnóstico. Até para poder usufruir de todo um conjunto de direitos sociais e outros (i.e., atestado multiuso, etc.). Também se oscila para um outro lado onde ela é pessoa sem que tenha de se pensar como um conjunto de características comportamentais!? Até mesmo quando a pessoa autista se lê em muitos dos livros, sejam científicos, ficção ou literatura, parece que o lado do pêndulo apresentado parece ser mais aquele que se refere às características comportamentais e diagnóstico. Ainda que se veja cada vez mais uma literatura cientifica, ficção e literária, exclusivamente escrita por pessoas autistas, e que reafecte o outro lado do pêndulo.


A reflexão não fica por aqui, assim como também o pêndulo de Foucault continuará a sua oscilação no eixo pendular obedecendo à rotação da Terra. Mas se até estes mesmos princípios físicos se vão alterando, talvez haja esperança de outros princípios, aqueles pela liberdade e celebração da diferença se continuem a transformar.


 
 
 

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