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Foto do escritorpedrorodrigues

Por mares nunca dantes navegados


"As armas e os barões assinalados

Que da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca dantes navegados

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram"


Luis Vaz de Camões, Canto I (Parte I)



Na fotografia que acompanha o texto podemos ver alguns dos objectos que os bravos navegadores levavam para as suas aventuras maritimas. Hoje, já nada daquilo será necessário. Até porque o GPS e a navegação por satélite substituiram todas essas mestrias dos lobos do mar.


Contudo, e apesar de todo um conjunto de desenvolvimentos tecnológicos, cientificos e do saber humano. Ainda assim, continuam a haver vários momentos na vida de uma pessoa que se assemelha em muito ao que os marinheiros sentiam na partida das naus para o desconhecido.


E um dessas dessas situações é a entrada para a Universidade! Isso mesmo, leu bem, a entrada para a Universidade. Compreendo que muitos de vocês possam pensar que já passaram por lá e que afinal de contas não foi assim tão complexo. Talvez a vossa recordação possa estar um pouco enviesada! E outros que não tendo passado pela Universidade, possam referir que há outras situações na vida muito mais complexas e que ainda assim as conseguiram ultrapassar. Por exemplo, terem saido de casa dos pais aos 18 anos para irem começar a trabalhar e a viverem sozinhos, ou terem ido cumprir o serviço militar e alguns mesmo para situações de guerra. Quem nunca ouviu ou leu - No meu tempo, quando tive de ir para a tropa e depois para a guerra ninguém me perguntou se eu estava disponivel! Não que eu seja da opinião que os candidatos ao Ensino Superior tenham de passar por uma experiência de tropa ou muito menos de guerra para estarem preparados. Contudo, sou da opinião que os candidatos ao Ensino Superior necessitam de ser ajudados ao longo da escola a preparar de uma forma clara, compreensiva e objectiva o caminho para o Ensino Superior. E de preferência, que este caminho não seja feito com verbalizações de medo ou outras angústicas. Quem nunca ouviu - Quando chegares à Universidade é que vais saber o que é trabalhar! ou então, Se pensas que na Universidade eles te vão aturar esses teus caprichos estás muito enganado!


Gostaria no entanto de chamar a vossa atenção para um grupo especifico de alunos/as que cada vez mais estão a chegar ao Ensino Superior - pessoas autistas/pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.


Algumas questões que me parecem ser importantes de frisar primeiro. Não, o autismo não é apenas uma condição existente em crianças. E não, as pessoas autistas são capazes e competentes para aprender. E sim, as pessoas autistas têm vontade (para além do direito universal que lhes assiste) de serem candidatos ao Ensino Superior.


Mas se há mais pessoas autistas a concorrerem para o Ensino Superior, e se estas mesmas Instituições de Ensino Superior estão cada vez mais inclusivas, porque continua a haver tantas dificuldades na integração das pessoas autistas? Ou seja, se apesar de haver mais alunos/as autistas a concorrer e frequentar o Ensino Superior, porque é que o abandono do Ensino Superior continua a ser uma realidade tão expressiva? Ou porque é que os níveis de satisfação destes alunos em relação à sua experiência no Ensino Superior continua a ser tão baixa?


As perguntas parecem válidas tendo em conta aquilo que vai sendo partilhado por várias pessoas autistas que frequentaram ou estão a frequentar o Ensino Superior. Mas também há várias questões por parte dos docentes universitários. Nomeadamente, como podem fazer para corresponder às necessidades sentidas e reportadas pelos alunos? E do pessoal técnico, nomeadamente colegas psicólogos que trabalham nestas Instituições e sentem que há a necessidade de fazer diferente no acompanhamento e encaminhamento dos casos dos alunos com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.


As Instituições do Ensino Superior são um espaço de crescimento e aprendizagem por excelência. E como tal, é um contexto habituado à formação contínua e à aprendizagem ao longo do ciclo de vida. Como tal, é fundamental haver recursos para poder ajudar as Universidades a conhecer mais e melhor as Perturbações do Neurodesenvolvimento e a poder avaliar na prática se as suas estratégias estão a ter um impacto desejado na mudança da realidade reportada.


Um outro aspecto que importa ser pensado, seja sobre a sua pertinência e impacto causado, passa pela elaboração ou não de uma lei que ajude a orientar estes processos de integração da Educação Inclusiva nas Instituições do Ensino Superior. Apesar da adaptação do Decreto-Lei 54/2018 para o contexto universitário, parece-me importante perceber que o documento em si parece estar desafaso daquilo que é a realidade universitária. E como tal, não ser um instrumento tão capaz de ajudar na operacionalização do processo. Contudo, parece fundamental a existência de um documento legal e que obrigue os docentes e responsaveis académicos a colocar em prática as devidas acomodações. Até porque continua a haver queixas que vão no sentido deste ou daquele docente universitário dizer que não quer ou sequer vai cumprir aquilo que é um direito do aluno. E ainda que cada vez mais haja Insituições do Ensino Superior a implementar regulamentação interna para fazer a integração dos alunos com estas características. Verificamos que não há homogeneidade nessas mesmas medidas e principalmente na implementação prática das mesmas. E que um documento legal com as orientações adequadas no guião serviriam esse propósito.


Seja dentro ou fora das Insituições do Ensino Superior, tornar os espaços inclusivos não responde somente às características e necessidades das pessoas autistas ou com outros diagnósticos. É um imperativo ético e em respeito pela dignidade de todos. Além de beneficiar e melhorar em muito a qualidade de vida, bem estar a promover e facilitar os processos de aprendizagem. E com isto tudo, poder inclusive contribuir para um envolvimento de todos na construção do saber.


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