Conheces algum obstreta familiarizado com autismo no adulto?, perguntou Cláudia (nome fictício), no grupo de apoio. Cláudia tem 29 anos e foi diagnosticada há cerca de três anos com Perturbação do Espectro do Autismo. Tem uma relação amorosa estável há cerca de sete anos. Na verdade foi o seu companheiro que insistiu para que a Cláudia procurasse o diagnóstico. Ele já tinha feito esse mesmo caminho há mais tempo, ainda que a situação clinica seja diferente. No caso dele descobriu a diabetes aos 11 anos. Mas apesar da diferença ainda assim não deixou de passar por todo um conjunto de etapas que viu a Cláudia passar. E o desconhecimento em relação ao possivel diagnóstico de autismo trazia dificuldades que podiam ser melhor ultrapassadas se conhecidas. E nos últimos 18 meses têm procurado engravidar. Já se tinham informado em relação ao facto da Cláudia ter o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo e se isso poderia trazer alguma complicação na gravidez. Sendo que desde que colocaram a primeira pergunta sobre o autismo e gravidez sentiram um grande vazio e desconhecimento em várias pessoas, profissionais de saúde e não só em relação ao processo! Mas eles não era de desistir e continuaram na procura da informação necessária para avançar. E naquele dia a Cláudia estavam num grupo de apoio que vinha a frequentar há cerca de 6 meses. A questão do seu diagnóstico não era segredo no grupo, assim como algumas das situações dos outros membros presentes.
Cláudia estava grávida de oito semanas. Ainda era tudo muito recente. Mas o facto de ainda não ter encontrado um obstreta com conhecimento de autismo estava a preocupa-la. E se há coisa que a Cláudia sabe é aquilo que a preocupação lhe faz. E agora sabendo que está grávida queria evitar ao máximo essa questão. Daí ter colocado a questão no grupo - Conheces algum obstreta familiarizado com autismo no adulto?
O silêncio foi grande. As pessoas olhavam uns para os outros e ninguém respondia nada. Alguém disse-lhe que a sua obstetra era muito boa e que não tinha razão de queixa nos três filhos. Mas não fazia a minima ideia se conhecia ou não alguma coisa de autismo no adulto. Cláudia já vinha habituada àqueles silêncios. Sentiu-os ao longo da vida cada vez que perguntava o que se passava consigo própria. E quando lhe respondiam que aquilo era tudo ansiedade e depois depressão, aqueles dois diagnósticos pareciam não chegar e muito menos explicar tudo o resto que sempre sentiu, pensou e viveu.
Esta questão da procura de especialistas na área médica, psicológica ou social e que possa estar familiarizado e sensibilizado para o espectro do autismo não se prende apenas com a Obstetricia. Se pensarmos no espectro do autismo como uma condição em que a existência de comorbilidadades médicas e psiquiátricas é grande e variada, podemos pensar em várias outras especialidades igualmente importantes. Por exemplo, alguém conhece algum Gastroenterelogista com conhecimento de autismo no adulto? Ou oftalmologista? Endocrinologista? Clinica Geral e Familiar?
No caso da Cláudia e de muitas outras mulheres autistas e familias neurodivergentes há um apoio muito reduzido, seja do ponto de vista clínico, mas também na área da investigação. Mesmo alguns dos trabalhos de investigação que vão sendo realizados sobre o período perinatal, é essencialmente realizada a partir de uma perspectiva neurotipica, deixando as pessoas autistas de fora.
Mas quando acompanhamos pessoas autistas adultas e mais especificamente mulheres autistas, é comum ouvirmos vários tipos de relatos e experiência traumáticas em relação ao período prerinatal. Nomeadamente nas experiências com o apoio dos prestadores de cuidados de saúde em relação à menor compreensão das necessidades das mulheres autistas.
Por exemplo, as necessidades sensoriais das mulheres autistas durante o período perinatal surgem como um desafio significativo nas experiências partilhadas. O stress sensorial é frequentemente desencadeado por estímulos ambientais específicos, como a iluminação fluorescente, o ruído de fundo ou a textura de certos materiais, que são processados de forma mais intensificada ou reduzida devido a diferenças diferenças de processamento sensorial. Estes desafios sensoriais resultam de diferenças de neurodesenvolvimento no processamento sensorial e não dos desafios emocionais ou situacionais gerais da gravidez vividos pela parturiente neurotipica.
A comunicação é um outro aspecto fundamental e uma pedra angular dos cuidados de saúde seguros e de qualidade. Ainda que as pessoas autistas continuem a referir desafios significativos nesta área. Muitas vezes estas dificuldades na comunicação advém do maior desconhecimento dos profissionais de saúde em relação às características das pessoas autistas e como tal parecem interpreta-las como um exagero, capricho ou exigência da parte da pessoa autista.
O período perinatal não é apenas o período entre a 28º semana de gestação e o segundo ano de vida onde o nascimento e alguns marcos desenvolvimentais são importantes. Este período marca uma transição profunda para a parentalidade e e é conhecido por ter um impacto significativo e muitas vezes imprevisível na saúde mental. Para as pessoas autistas, as mudanças inerentes associadas a este período, tais como as mudanças nas rotinas diárias, falta de sono, flutuações hormonais, sensibilidades sensoriais e dificuldades de comunicação social, podem exacerbar as suas necessidades de saúde mental perinatal. Tendo em conta a importância deste aspecto no impacto causado na vinculação com o bebé parece fundamental a consideração de uma mudança na resposta de saúde fornecida neste período. Estes acontecimentos irtão cirar um terreno fértil para o desenvolvimento ou agravamento de uma situação patológica e relacional no bebé. E tendo em conta que há uma maior probabilidade deste bebé apresentar ele próprio uma perturbação do neurodesenvolvimento, certamente que o risco de agravamento será ainda maior.
As alterações ou acomodações que necessitam de ser pensadas para as pessoas autistas não se destinam apenas a si. Há uma grande (neuro)diversidade que leva a que várias outras pessoas tenham necessidades que precisam de iguais ou semelhantes alterações/acomodações. Sejam nos serviços a nível estrututal e arquitectónico em que as questões sensoriais e/ou de mobilidade se afiguram como centrais. Mas os aspectos comunicacionais e relacionais entre os profissionais de saúde e os utentes, sejam estes pessoas autistas ou com outras condições, necessita de ser melhorado. A começar pelo desconhecimento em relação à real heterogeneidade verificada no espectro do autismo por exemplo. E por conseguinte a forma como esse mesmo desconhecimento leva a orientar uma intervenção que vai causar um impacto negativo e muitas vezes traumático na pessoa autista.
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