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Pedir ajuda custa

Há 20 anos que exerço psicologia e já na altura se colocava esta questão - "Por que é que as pessoas não pedem ajuda?". E já vai para mais de 40 anos que com mais ou menos frequência peço ajuda. É que sempre que aparece noticiado mais um suicídio voltam a colocar a questão - "Por que é que as pessoas não pedem ajuda?". E muitos fazem-no num tom como se isso fosse fácil para qualquer um de nós - pedir ajuda! E ainda que saibamos de décadas de investigação em psicoterapia que os tratamentos psicológicos são eficazes para uma ampla gama de preocupações. O certo é que muitas pessoas que vivenciam problemas de saúde mental nunca procuram ajuda psicológica. Há mesmo dados de estudos epidemiológicos que demonstram que menos de 40% das pessoas com estes problemas procuram qualquer tipo de ajuda profissional. "- Mas se estão com problemas não deviam procurar ajuda?", perguntam frequentemente. Mais uma vez com um tom que denota alguma reprovação. De todas as vezes que me lembro de pedir ajuda, principalmente aqueles que fiz em criança, recordo que nem sempre foi fácil. Nem em todos esses pedidos sinto que o facto de o ter feito ajudou a resolver a situação que o desencadeou.

Em criança vamos sentindo, mais uns do que outros, dependendo das características próprias de cada um, mas também das pessoas significativas com quem interagimos, que pedir ajuda costuma ser sinónimo de ter falhado. "- Podes ajudar-me com as coisas da escola?", pode significar que não fui capaz de resolver a situação. "Consegues ajudar-me a levar estes sacos?", pode remeter para o facto de ter menos força. "Podias ajudar-me e falares tu com a Madalena sobre aquele assunto!", significar que não estou a ser capaz de ir ter com a Madalena e explicar-lhe algo. Ou seja, pedimos ajuda quando nos vemos numa situação em que não estamos a conseguir resolver algo por nós próprios. E isto não quer dizer que não existam situações em que as pessoas gostem de partilhar e como tal solicitem essa ajuda. Mas o certo é que a primeira ideia costuma ser mais prevalecente.


E a estes pedidos de ajuda costuma haver determinadas respostas que na verdade parece reforçar a nossa crença inicial de que não fomos ou não estamos a ser capazes. "- Mas tu já devias saber fazer esses trabalhos?", "- Que fraquinho! Nem com esses sacos te aguentas!", ou "- Nem para falares com a Madalena pareces servir!". Claro que nem todas as respostas são semelhantes ou perto disso, mas nem precisam. Porque basta que a pessoa que está a pensar pedir ajuda pense que isso pode eventualmente acontecer para que a sua decisão possa ser precisamente não a pedir. Agora pensem que estamos a falar de alguém que está a pensar em pedir ajuda psicológica para um problema seu? E sim, há muitas pessoas nesta situação.


Mais de um quinto dos Portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica. Só esta frase por si só expressa a realidade difícil vivida por todos aqueles que têm um diagnóstico de uma perturbação psiquiátrica. Mas também as suas famílias e todos nós enquanto cidadãos. "Mas então por que é que as pessoas não pedem ajuda?"


"Eu não sei o que fazer se as pessoas pensarem que eu estava louco, dizendo coisas como, Eu acho que ele perdeu os parafusos todos! Acho que as pessoas têm medo disso."


Quero dizer, as pessoas geralmente julgam-nos como alguém que tem uma perturbação mental.


“Todos podem ter um comportamento psicológico diferente e precisam de ter apoio de um psiquiatra, embora pareça um problema simples. Mas, como eu disse antes, há a questão da pressão social. Quero dizer, conversar com um psiquiatra? Não caminho. Você nem pode passar pela clínica de um psiquiatra porque as pessoas ao seu redor iriam imediatamente rotulá-lo como louco ou com problemas mentais.”


Bem, quer dizer, seja qual for o problema, eu mantenho-me eu mesmo, não compartilho com ninguém."


"Há coisas que não compartilho. Fui a ambos, psicólogo e psiquiatra. Quero dizer, eu compartilhei alguns dos meus problemas, mas também havia alguns que eu não fiz."


"É sobre os limites. Quero dizer, nem todo o assunto pessoal pode ser compartilhado."


Ninguém quer falar com um estranho sobre essass coisas. Quero dizer, ir ter com uma pessoa e conversar com ela sobre os problemas que tenho faço com a minha família, marido, e meus filhos. Agora falar com alguém e ter de lhe pagar, eu não faça isso."


Eu pensei que poderia lidar com isso e superá-lo. Eu mesmo."


No começo, pensamos que precisamos vencer as coisas sozinho. Quero dizer, você pode lidar com esses problemas sem ajuda de qualquer um. A outra pessoa não consegue resolver o seu problema."


Estas e outras frases são sentidas por muitas das pessoas que durante mais ou menos tempo não procuram ajuda especializada para o seu problema psicológico. Os exemplos não se esgotam apenas nestes exemplos. Até porque cada pessoa terá uma explicação sua para o porquê de não procurar essa ajuda. No entanto há um conjunto de trabalhos de investigação que têm demonstrado algumas das principais barreiras ao pedido de ajuda. Nomeadamente, um desejo de evitar discutir informações pessoais ou angustiantes e desejo de evitar sentimentos dolorosos, e principalmente o estigma de procurar tratamento psicológico e ou psiquiátrico.


Em relação ao estigma, podemos falar de duas variantes, o estigma público e o auto-estigma. O estigma público é a percepção mantida por um grupo ou sociedade de que uma pessoa é socialmente inaceitável e geralmente leva a reações negativas em relação a ele. O estigma público está associado à procura de serviços de saúde mental, portanto, é a percepção de que uma pessoa que procura tratamento psicológico é indesejável ou socialmente inaceitável. Essas percepções costumam ser prejudiciais porque levam a estereótipos, preconceitos e discriminação das pessoas que procuram atendimento psicológico. As pessoas ocultam preocupações psicológicas e evitam tratamentos para limitar as consequências prejudiciais associadas ao estigma público.


O auto-estigma é a redução da auto-estima de uma pessoa causada pelo auto-rotulamento de alguém como alguém socialmente inaceitável. No caso de procurar ajuda psicológica para um problema pessoal, as imagens amplamente negativas na cultura ocidental relativo às doenças mentais e serviços psicológicos poderiam diminuir o autoconceito, a autoestima e a autoeficácia de um indivíduo, se eles procurassem tratamento. Procurar ajuda de outro é muitas vezes internalizado pela pessoa, o que significa que ela é inferior ou inadequada. Portanto, uma pessoa pode decidir não procurar ajuda, mesmo quando está a sentir dor emocional, por acreditar que isso seria um sinal de fraqueza ou um reconhecimento de falha.


É compreensível que o suicídio e outras formas de sofrimento humano nos cause angustia. E ela nos leve a fazer juízos mais enviesados sobre a questão da procura de ajuda especializada na área da saúde mental. E torna-se importante reflectir sobre estas variáveis. Até porque vão fazer depender as medidas que vão implementar para dar uma resposta a estas dificuldades. Enquanto não diminuirmos o estigma em relação à doença mental. E para isso temos de ir mais atrás no desenvolvimento para trabalharmos com as crianças esses aspectos. Enquanto não sensibilizarmos a sociedade que a partilha de emoções é algo benéfico para a saúde do próprio e dos outros. Que as emoções são parte integrante da pessoa e que há toda uma vantagem em as poder expressar. E que pedir ajuda não é sinónimo de fragilidade. Mas para isso temos de desde cedo saber responder de forma adequada aos nossos filhos quando estes nos pedem ajuda. E aceitar que eles têm alguma dificuldade mas que confiaram em nós para pedir essa colaboração. A pressão social para correspondermos no imediato a tudo e a todos é cada vez maior. Se não respondermos aos mails do trabalho rápida e afirmativamente sentimos que podemos ser penalizados. E mesmo que não o sejamos, a nossa percepção é suficientemente culpabilizante. E a ideia que nos é passada desde cedo de termos de ser auto-suficientes leva a que usemos de todas as estratégias para resolver os nossos problemas, mesmo quando eles são de ordem psicológica e psiquiátrica. Os livros de auto-ajuda têm proliferado porque se foi sentido que cada vez mais as pessoas procuravam ter essa resposta na sua mão. Ou então a proliferação de talk-shows que falam de como resolver as problemáticas. E o que dizer da informação que circula na internet?! E o apanágio é de que as pessoas precisam de ter acesso livre à informação. Mas o certo é que este cruzamento de variáveis leva a que o pedido de ajuda demore cada vez mais.

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