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Para tricotar são precisos dois

Normalmente a frase costuma ser - Para dançar o tango são precisos dois! Mas eu não sei dançar o tango. Na verdade também não sei tricotar. Mas lembrei-me desta imagem em particular porque muitas vezes vemos nas redes sociais a imagem de um/a terapeuta a tricotar de forma muito competente o novelo mais ou menos desarranjado que vai na cabeça do cliente.


O titulo para este texto também poderia ser - Como é que os psicólogos podem responder às necessidades dos adultos autistas?


As terapias tradicionais implicam que os clientes partilhem abertamente as suas experiências com um terapeuta. Por sua vez, os psicólogos ouvem, estão atentos às pistas verbais e não verbais e ajudam os clientes a dar sentido às suas experiências e a implementar estratégias para provocar mudanças positivas. Há evidências consistentes de que o vínculo relacional entre terapeutas e clientes, também referido como um dos factores comuns da terapia, influencia o efeito do tratamento.

No entanto, na formação profissional dos psicólogos existem pressupostos sobre a formação desta aliança, baseados em estilos de comunicação neurotípicos, que podem não ser os mais adequados para os clientes autistas.


O aumento do bem-estar do cliente através da terapia pode ser atribuído a factores comuns e específicos. Estes incluem caraterísticas que são partilhadas por diferentes terapias psicológicas (e.g., a aliança terapêutica, a empatia, as expectativas), enquanto os factores específicos descrevem as estratégias particulares utilizadas. Tem-se revelado difícil distinguir quais os aspectos da terapia que conduzem à mudança, e ainda não sabemos o que funciona melhor para quem. No entanto, as provas sugerem que os factores terapêuticos comuns têm um papel importante na terapia.


Na investigação sobre o autismo, a ênfase tem sido colocada em factores específicos e não em factores comuns. E os aspectos relacionais da terapia têm sido largamente ignorados. Contudo, a conceptualização do autismo é cada vez mais informada pelo modelo social e pela lente da neurodiversidade. A partir desta abordagem, o ónus está a mudar da necessidade de adaptação da pessoa autista para uma melhor compreensão de como as necessidades das pessoas autistas podem ser satisfeitas, por exemplo, melhorando o ajuste pessoa-ambiente.


Historicamente, as pessoas autistas têm sido descritas como tendo 'défices' na sua capacidade de comunicar com os outros. E de facto, esta é a terminologia utilizada nos critérios de diagnóstico. A desconexão na comunicação entre pessoas de diferentes 'neurotipos' é mútua, recíproca e uma responsabilidade partilhada. Ou seja, as pessoas não autistas podem ter “défices” na sua capacidade de ler as pistas sociais de uma pessoa autista.

Quando aplicado à prática da psicologia e à relação terapêutica, o problema da dupla empatia reformula a ideia de que o psicólogo é o comunicador competente e sugere que os processos envolvidos na formação desta relação podem ser diferentes para os grupos neurodivergentes. Por exemplo, um psicólogo não autista ou um psicólogo com conhecimentos limitados sobre o autismo pode ler e interpretar incorretamente a experiência do seu cliente, em detrimento do processo terapêutico. E com isto, volto a sublinhar como em textos anteriores sobre o tema, não estou a querer significar que apenas os psicólogos autistas é que conseguem compreender os clientes autistas. Até porque uma generalização desta natureza, além de errada, seria contrário ao que se pretende.


É importante poder ajudar os psicólogos a compreender que no caso especifico do autismo, mas a questão não se esgota apenas aqui. É fundamental dar a compreender que as características comportamentais e os critérios de diagnóstico de uma perturbação do espectro do autismo se traduzem numa forma diferente de sentir, pensar e agir. E por conseguinte, também uma forma diferente de se relacionar e comunicar. E no caso de uma relação terapêutica é fundamental poder ter em conta como é que este diferente perfil impacta naquilo que vai acontecer naquele contexto terapêutico. E não esperar, referindo-me aos psicólogos, que fiquem a aguardar que a pessoa autista que vai à terapia se procure adaptar ao contexto e à relação terapêutica, que na sua génese foi construída conceptualmente com base num funcionamento neurotipico.


É verdade que não basta apenas que os psicólogos se possam informar mais e melhor acerca do autismo. Até porque cada vez mais se observa que os psicólogos vão estando despertos sobre esta condição, ainda que muito ancorado naquilo que são os critérios de diagnóstico dos manuais. Vários também vão fazendo mais formações sobre o autismo. Ainda que seja fundamental perceber como poder levar esse conhecimento e assente numa base racional e intelectual para uma relação com uma pessoa autista num contexto terapêutico.


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