Por norma, ela ia a todas as reuniões e eu aparecia quando era necessário ou diziam que eu era preciso. Eu costumava ir às reuniões quando as coisas estavam mais difíceis e eu tinha de agir de forma mais dura para conseguir aquilo que nós pretendíamos!, desabafa Júlio. As pessoas lá na escola sempre pensaram que eu não me importava com a situação do nosso filho, continua. Até porque achavam que eu apenas aparecia para causar problemas ou falar mais alto, diz. Sempre senti que as pessoas lá na escola e os técnicos que acompanhavam o nosso filho pensavam que eu não me sentia triste, angustiado e derrotado por alguns retrocessos nas terapias, concluiu. Em muito ancorado na ainda vigente tradição Ocidental, as expectativas em relação ao papel dos pais na família centra-se naquele que providencia e protege, ao invés do cuidador que nutre. Como resultado, os profissionais podem ser mais propensos a colocar o fardo da responsabilidade do cuidar sobre a mãe, levando a que os pais se sintam mais excluídos. E que possam sentir as suas preocupações como menos legitimas. São muitas as vezes que os pais parecem reflectir sobre estes assuntos, e chegar mesmo a duvidar da sua identidade como homens e pais face a um pano de fundo ideológico complexo e que questiona a masculinidade dos homens em papeis de cuidar. Estas situações são transversais a várias situações, nomeadamente no Espectro do Autismo. Onde se verifica haver uma quantidade significativa de literatura que procura abordar as experiências dos pais em relação ao cuidar dos filhos com Perturbação do Espectro do Autismo. A evidência sugere que estes pais podem experimentar níveis particularmente altos de stress, principalmente os pais, mas também depressão, ansiedade, luto, culpa, isolamento e tristeza. A determinada altura tive que desistir de trabalhar e isso foi...!, começa por explicar. Para um homem que decide não trabalhar para cuidar, cuidar dos filhos e entender a nossa biologia e como somos moldados, percebe!?, pergunta cabisbaixo. A forma como você conhece e entende a pressão social sobre os homens sendo um provedor e coisas assim é...! Para mim é como uma pessoa ter um acidente e acabar com uma cicatriz no rosto. É uma experiência totalmente diferente para um homem com uma cicatriz no rosto do que uma mulher, concluiu. O filho do Júlio e da Vera (nome fictício) tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo com dificuldades marcadas a nível motor e da linguagem. Tudo aquilo, desde o nascimento até ao diagnóstico...tudo aquilo foi muito difícil para mim. Nem sempre conseguia ficar e ouvir tudo até ao fim. Muitas das vezes fazia que tinha uma chamada para atender e saia. Eu sabia que a Vera compreendia, desabafa. Ainda hoje sinto que sou culpado por tudo isto!, diz mergulhado em lágrimas. No trabalho também senti bastantes dificuldades, refere Júlio. Foi muito, muito difícil, ter estado numa altura em que estive doente e ter de explicar aos meus chefes o que se passava...! E quando percebi estava a inventar desculpas sobre tudo aquilo e quando dei conta sai a correr do trabalho para ir para a escola...! Uma parte significativa dos meus dias são passados a fingir, a ser aquilo que não sou ou sinto, refere. Foram muitas as vezes em que tive de esperar antes de entrar na escola para ir buscar o meu filho. As lágrimas não paravam! A experiência do Júlio é partilhada por muitos outros pais. O Júlio tem plena noção e sente que a Vera tem um papel fundamental em todo o processo, seja no cuidar do filho, mas também na forma como lida com as fragilidades do Júlio. No entanto, o seu testemunho é importante para dar voz a estes pais que habitualmente não são visíveis e que continuam a sentir todo um conjunto de emoções que precisam de ser expressas.
top of page
bottom of page
Comments