Não, o Harrison Ford não vai voltar para fazer um remake dos Salteadores da Arca Perdida. Ficou triste? É um dos seus filmes favoritos? Compreendo. Mas também é importante inovar, seja no cinema mas também na ciência. E porquê? Antes de avançar faço o disclaimer de que os meus últimos trinta anos têm sido passados a fazer investigação, ainda que em paralelo com a clínica e a docência. E que dentro de todos os tipos, todos eles são fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento. Contudo, não deixo de pensar naquilo que muitos dos leigos, e não só, sentem e pensam em relação ao hiato do investimento feito na investigação básica versus aplicada. E não, não quero de todo advogar a importância de uma como superior à da outra. E como em tantas outras áreas de investigação, o autismo é uma das áreas em que muitas pessoas se perguntam qual o impacto que a investigação realizada tem na comunidade. Até porque ao longo destes anos temos verificado que os programas de intervenção psicológica, mesmo aqueles que assentes num modelo comportamental e cognitivo carecem de algumas adequações para a intervenção adequada junto das pessoas autistas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultos. E que mesmos os programas de intervenção tão frequentemente estudados para a intervenção na depressão e ansiedade, parecem não estar suficientemente adequados para intervir nestas mesmas situações quando se trata de pessoas autistas.
Não haja dúvida do papel proeminente que a ciência desempenha no avanço dos objetivos da nossa sociedade. Sendo que isso não significa que não a questionemos. Muito pelo contrário. Os estudos básicos de investigação baseiam-se em observações rigorosas para descrever e explorar a importância potencial de novos fenómenos e, em seguida, testar hipóteses específicas através de experimentação sistemática. Com o passar do tempo, os estudos de investigação aplicada começam a explorar como traduzir este novo entendimento em formas mais práticas que melhoram as nossas vidas de formas significativas e mensuráveis. Se estes esforços forem bem sucedidos, poderemos eventualmente documentar os impactos positivos na sociedade como um todo. No entanto, para todos os nossos investimentos em ciência, o processo científico em si raramente é objeto de estudo. O que poderíamos aprender se usássemos as ferramentas da ciência para entender como a investigação num campo específico cresce e muda ao longo do tempo?
Se desde 1980 que a palavra autismo entrou na DSM III e ao fim destes quarenta anos estamos na DSM 5. Que avanços têm sido realizados e qual o real impacto que os mesmos têm feito na vida da comunidade? Têm sido possível fazer mais e mais precocemente diagnósticos de autismo é certo. Mas e qual o impacto que isso tem produzido ao longo do desenvolvimento da vida das próprias pessoas e das suas famílias? Se essas pessoas estão a ser mais precocemente diagnosticadas e devidamente acompanhadas, que impacto deveria estar a ser observado? Deveríamos estar a observar maiores níveis de autonomia e independência? De maior número de pessoas autistas a entrar no mercado de trabalho? De haver uma maior e melhor qualidade de vida percebida? Ou ainda não é tempo para se poder avaliar esse impacto? Ou não estão a dar atenção a estes indicadores na comunidade autista?
E o que dizer das raparigas e mulheres na comunidade autista, no facto de ainda hoje se continuar a verificar um número tão pequeno de diagnósticos. Para além de continuarmos a verificar um impacto tão negativo nas situações de ideação e comportamento suicidário. Qual o impacto que o desenvolvimento cientifico nesta área tem tido para estas raparigas e mulheres?
E o que dizer do impacto sentido junto da sociedade no sentido de sensibilizar e informar para o autismo e as pessoas autistas. E dos números ainda significativos das situações de bullying junto de crianças e jovens autistas que estão na escola?
E se perguntarem a uma pessoa autista fiquem certos que eles irão informar acerca de muitas mais situações que gostariam de ver alteradas e que fosse devido ao desenvolvimento do conhecimento cientifico.
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