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Foto do escritorpedrorodrigues

Onde cabe um autista, cabem dois ou três

A questão dos sofás na casa das pessoas não é um assunto simples. Não basta lá pôr e já está. O tamanho, textura, ou o encosto das costas são verdadeiros dilemas. E depois há quem se goste de espojar no sofá, deixando o espaço suficiente para a outra pessoa se arrumar e ainda ter de levar com os pés do outro no seu colo. É um pouco disto e outras coisas que a nova série "On the Spectrum", criada em Israel nos traz. Este dramédia, uma mistura de drama e comédia, leva-nos a espreitar a vida de três jovens adultos autistas que vivem num hostel para pessoas autistas. Como em muitas séries e filmes sobre pessoas autistas que têm vindo a passar nos últimos anos desde Rain Man e agora mais recentemente Atypical, The Good Doctor, ou Adam, The reason I jump, entre outros. O visionamento desta três vidas em On the Spectrum não agrada a todos. Mas também não tem de agradar. O certo é que parece trazer um determinada realidade, mais próxima do que muitos, sejam autistas ou familiares, sentem que acontece. Sente-se lá no sofá e diga o que pensa.

A série Big Bang Theory arrancou-nos muitas gargalhadas, mas não a todos. Até porque acentuou um estereótipo do que é o Autismo. Assente neste modelo replecto de rituais e outros comportamentos, como se de um amontoado de características da DSM se tratasse. Além de evidenciar um perfil cognitivo quase sempre elevado e mais orientado para as ciências exactas. Não quer dizer que não exista um perfil ou mais de pessoas autistas que preencham estes critérios, porque os há. Mas não reflecte uma realidade, ainda que esta seja suficientemente complexa e subjectiva para se representar.


"- Por que é que não sais?", perguntam-lhe.

"- Se não sair, não sinto!", responde-lhe


Este breve diálogo entre um dos actores da série e uma outra pessoa interessada no porquê deste não sair de casa e querer trabalhar a partir de lá, resume a realidade de muitos autistas. E provavelmente de uma forma mais realista. Isto porque ele na verdade quer sair e em determinados momentos desejo-o. E ao mesmo tempo luta com tudo aquilo que sente dentro de si quando o tem de fazer. E esse dilema e ambivalência retrata a vivência de muitos autistas ao longo da vida. E além disso contrária aquilo que vamos conseguindo perceber melhor na prática clinica e principalmente quando damos a voz às pessoas autistas e as escutamos para lá do imediato. A ansiedade, e a imersão num conjunto quase infinito de estímulos sensoriais causadores de um mal estar agonizante leva a que decidam em permanecer no lugar que lhe transmite maior tranquilidade.


"- Não percebes que não permites que ninguém te toque!?", grita-lhe furioso no carro.

"- Mas eu já quero ser tocada!", diz-lhe ela lavada em lágrimas.


Esta outra cena mostra um diálogo entre uma jovem mulher autista que procura o amor e que entre muitas das suas características se detêm com as outras inúmeras dificuldades em o Outro não a perceber. Além da série introduzir uma rapariga autista e que apresenta uma personagem com um perfil comportamental mais usual no autismo no feminino. Traz também um conjunto de informação que nos leva a questionar não apenas as diferenças na apresentação do quadro de Espectro do Autismo masculino-feminino. Mas também que as pessoas autistas procuram o amor e desejam ter relações intimas.


O facto destes três jovens adultos autistas viverem num hostel que funciona como apartamentos de transição para a vida adulta demonstra a perspectiva humanista que os realizadores procuraram dar ao Espectro do Autismo ao longo do ciclo de vida. Não é por acaso que o irmão de um dos realizadores foi ele também diagnosticado com autismo. Esta sua experiência real terá ajudado na transposição para esta ficção muito da realidade. E aguarda-se a transposição desta série para os EUA em que os três personagens irão ser representados todos eles por jovens adultos autistas o que se espera que possa dar uma noção de hiperealidade a tudo aquilo que podemos conhecer.


"- Pensas que sou diferente, não é?", pergunta-lhe ela.

"- Tu és que és. E és maravilhosa dessa forma!", responde-lhe ele.


É preciso haver esta disponibilidade da parte de todos nós para a vida, assim ela fará mais sentido.

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