Ana (nome fictício) é mãe do Artur (nome fictício). Ana tem 46 e Artur quase 14 anos. Artur foi diagnosticado com Perturbação do Espectro do Autismo aos 10 anos quando transitou para o 5º ano e a Escola passou a ser ainda mais complicado do que vinha a ser até então. Ana divorciou-se há cerca de seis anos. Coincidente com a altura em que começou a desconfiar que alguma coisa se passava com o seu filho. Carlos (nome fictício), o pai de Artur não concordou e a situação fragilizou uma relação que em si já estava frágil. Ana nunca tinha tido muito tempo para pensar em muito mais do que nos outros. Agora era o Artur, mas antes tinha sido a sua mãe que adoeceu, e antes disso os seus quatro irmãos mais novos que Ana ajudou a criar. A Ana sente que pelo menos dois dos seus irmãos poderiam muito bem ter um diagnóstico de autismo como o seu filho Artur. Assim como o seu pai. Ana diz que na altura não se falava de nada disto. E hoje não estamos assim tão diferentes!
Alguns podem perguntar-se sobre o propósito deste texto. Ainda mais num site sobre o autismo no adulto e de estar a escrever sobre o autismo do Artur de 14 anos. Mas tem tudo a ver. Tem tudo a ver com o autismo no adulto. Seja porque o Artur também haverá de ser adulto. Mas também porque nesta família há outras pessoas adultas que nunca foram diagnosticadas com autismo. O pai da Ana teria hoje 78 anos se fosse vivo. Os dois irmãos da Ana que ela suspeita que também tenham o mesmo diagnóstico do filho têm hoje 26 e 34 anos. Há alguns anos que a Ana não sabe do paradeiro de ambos.
Mas então o porquê do titulo do texto - Obrigado filho ?
A vida da Ana nunca deixou de mudar ao longo dos anos. Seja pelo facto de ter mudado mais vezes de casa do que de escola. Ter de estudar para ajudar em casa. Ou quando voltou a estudar para terminar o ensino secundário e ir para a universidade. Quando casou. Engravidou. Todos os anos de vida do Artur. Quando se divorciou. Quando ficou a tomar conta do Artur sem a ajuda do pai.
Tudo na vida da Ana era possível. Mas tudo na vida da Ana era possível com um preço muito grande a pagar. Não só a energia física gasta em todas estas tarefas. Mas principalmente o desgaste mental e o sofrimento psicológico sentido ao longo de todos os seus 46 anos de vida. Tudo parecia possível, mas sempre com um peso e desgaste maior do que sentia que as outras pessoas à sua volta tinham.
As coisas passaram a ficar diferentes quando Ana começou a pensar no facto do Artur poder ter um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Porquê? Porque passou a estar mais e melhor informada sobre esta condição. Porque precisava de compreender mais, melhor e diferente o seu filho. Mas com isso também passou a se questionar mais sobre si própria, sobre algumas das suas características e forma de ser. Até então nunca tinha tido tempo ou disponibilidade. E na verdade nunca percebeu muito bem por que é que as pessoas perdiam tempo a pensar sobre si e a sua vida! Diz que ouvia muitas vezes as pessoas à sua volta a dizer isso, mas não entendia. Até porque sentia que as pessoas pareciam ficar na mesma. E se assim o era, porquê de andarem a perder tempo nisso!
Pensar no Artur era necessária e obrigatoriamente pensar em si. Afinal o Artur é seu filho. Nasceu e cresceu dentro de si. Faz parte de sim. Agora e sempre. Tem algumas características semelhantes, nomeadamente na forma de pensar. Há outras coisas que nem por isso, mas a Ana percebeu ao longo destes últimos anos que as pessoas autistas não têm de ser tudo ou todas as características. E que podem aprender a mascarar algumas coisas. E alguns até muitas.
Na altura em que o seu filho foi avaliado foi pedido à Ana que preenchesse determinado conjunto de questionários. Imensas perguntas sobre o comportamento, linguagem, pensamento, relações sociais, questões sensoriais, etc. Aquele questionamento feito daquela forma fê-la pensar em muito sobre o Artur, mas também sobre coisas que nunca tinha equacionado até então. Até porque o Carlos nunca tinha colocado nenhuma questão. E a Ana não era pessoa de falar destes assuntos com outras pessoas. Até porque não havia muitas outras pessoas para o fazer. E além disso a Ana não tinha tempo ou via sequer a importância de o fazer. Várias vezes se questionava do porque os outros pais o faziam de uma forma continuada uns com os outros. As reuniões da pré-primária e primária eram terríveis. Metade do que era falado não percebia o porquê ou a razão de ser. Os pais pareciam mais interessados em falar de si do que das aprendizagens dos filhos.
Depois daqueles questionários na avaliação do Artur começaram as leituras. E as leituras diversificaram-se e intensificaram. E com elas as perguntas cresceram. Muitas vezes colocava as questões aos terapeutas e médico do Artur. Outras tantas começou por as colocar nos sites de pais que têm filhos com iguais diagnósticos. E também percebeu que havia mais pessoas em iguais situações, ainda que durante algum tempo não as questionasse. Ficava apenas a ler as perguntas e respostas das pessoas. Ana não se sentia à vontade em interpelar as pessoas. Nunca se sentiu.
Obrigado filho é porque a Ana descobriu o seu diagnóstico de autismo com o diagnóstico do Artur. E isso tem levado a que a Ana não só consiga compreender mais, melhor e diferente o Artur, mas também a si própria. E isso tem contribuído para uma relação diferente entre ambos. Muitas das outras características da Ana continuam semelhantes, até porque não é esperado que desapareçam. Porque fazem parte da sua forma de ser, sentir e pensar. Porque são parte integrante do seu autismo e este de sí.
Há várias caminhos pelos quais as pessoas descobrem o seu diagnóstico. Este é um outro deles. Assim como os caminhos são diferentes, também o autismo o é na forma de cada um o ser e viver.
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