(...) Quanto tempo o tempo tem? O tempo respondeu sem pensar, Que dia é amanhã? Bem sei que a cantilena não é assim, mas quantos de vocês já não tiveram a sensação do tempo passar mais ou menos rápido que aquilo que o vosso relógio marca? Frases como, "O quê? O Verão já acabou?", "Quando é que esta aula termina?" ou "Hoje parece que as horas demoram a passar!". Se para qualquer um de nós a percepção do tempo é diferente, assim como a importância que lhe atribuímos. Na Perturbação do Espectro do Autismo as alterações são ainda mais marcadas. Tem tempo para continuar a ler?
"António, o jantar está pronto daqui a 10 minutos!". Quem é que já ouvi esta frase? E quantas vezes já ouviu esta frase? Mesmo que os minutos referidos na frase sejam diferentes. Por exemplo, "António, o jantar está pronto daqui a 5 minutos!", "António, o jantar está pronto daqui a 1 minutos!", "António, o jantar está pronto há mais de 5 minutos!", "António, o jantar está pronto há mais de 10 minutos!", ou "António, o jantar está pronto, ponto!". E uns outros já deixaram de jantar algumas vezes por causa disto. E outros já desistiram de dizer o que quer que seja acerca disto. "Mas afinal o que é o jantar?" pergunta o António!
Há momentos do ano em que alguns pais me perguntam - "Acha possível o meu filho não saber qual é o dia ou o mês do Natal?", "Eu até percebo que ele não saiba qual o dia de aniversário da avó, mas o seu próprio já me é mais difícil de compreender!" ou ainda, "Como é que é possível que ele se tenha esquecido de que hoje era o dia do exame de Matemática?". E quando alguém pede para uma pessoa autista reportar determinado conjunto e sequência temporal de eventos? Por exemplo, contar um filme ou uma determinada situação ocorrida na semana anterior? Muitas vezes a dificuldade neste ponto especifico prende-se com a história pessoal da própria pessoa e não com a dimensão temporal e ou sequencial das coisas. A pessoa autista procura narrar a sequência de acontecimentos tendo por base a sua história pessoal e não aquela do evento em si. O que traz alguma confusão ao interlocutor, principalmente se este não conhece bem esta pessoa que está a narrar. O que leva a colocar em causa que as pessoas autistas possam ter um verdadeiro deficit com a perceção do tempo. Ainda assim, estas perguntas deixam adivinhar algumas possíveis dificuldades. Se não estivéssemos a par de mais alguma informação acerca da pessoa de quem se está a perguntar, poderíamos pensar que haveria algum compromisso neurológico mais grave. Fosse causado por um Traumatismo Craneo-Encefálico ou outra situação. E até poderíamos suspeitar de um caso demencial precoce consoante a idade da pessoa que estamos a falar. Mas como sabemos que todas estas pessoas têm uma Perturbação do Espectro do Autismo podemos descartar estas outras possibilidades. Mas as dúvidas acerca destes comportamentos e alterações da percepção não deixam de nos questionar.
A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) já muitos sabem que é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por déficit na comunicação e interação social, bem como no comportamento repetitivo e interesses restritos. Além disso, o autismo é muitas vezes acompanhado por alterações sensoriais incomuns enquanto experiências que afectam modalidades individuais ou múltiplas e com a possibilidade de ter o comportamento motor alterado, como falta de coordenação das mãos-olhos e equilíbrio instável. Além de tudo isto, foi sugerido que poderiam existir perturbações no tempo e / ou na percepção do tempo. Sendo que este pode ser uma característica chave ou até mesmo a causa de alguns dos comportamentos e dificuldades cognitivas no Espectro do Autismo.
Os problemas com a percepção de tempo foram sugeridos como características principais PEA. Vários estudos e relatos pessoais de clínicos, pais, cuidadores e auto-relatos de pessoas autistas costumam referir problemas com o tempo. Nomeadamente, algumas delas recebem diagnóstico de Défice de Atenção, sendo que podem nem sequer o ter, porque acham que esta questão do problema com a perceção do tempo é fundamental na vida da pessoa. Ainda assim, e apesar de vários estudos realizados, ainda não há um consenso marcado sobre se ou como os mecanismos de temporização podem estar afectados no autismo. Uma das principais razões para essa falta de clareza é a grande variedade de processos de temporização existentes e, posteriormente, a grande variedade de metodologias, paradigmas de investigação e amostras que os vários estudos baseados no tempo usaram com as populações com autismo.
No entanto, ainda não é claro o tipo exacto de tempo afectado no autismo e o impacto que o tempo alterado pode ter, assim como as idiossincrasias que caracterizam a condição. Além disso, diferentes capacidades de tempo estão ancoradas em diferentes processos cognitivos, mas a evidência dessas diferentes (embora provavelmente relacionadas) capacidades são geralmente tomadas como um único processo que sugere um comprometimento generalizado na percepção do tempo. E Isso representa uma fonte de imprecisão que precisa de ser abordado, pois caracterizar uma condição heterogénea
como o autismo requer terminologia muito precisa, e mecanismos cognitivos bem definidos e metodologias fortes a fim de melhorar a fiabilidade dos resultados.
Os termos e processos em torno da percepção do tempo (e.g., tempo, percepção do tempo, processamento temporal, etc.) são frequentemente utilizados de forma inconsistente, sem consideração da escala do tempo em estudo ou a complexidade em termos das exigências cognitivas que as tarefas usadas para avaliar envolvem. Amplamente,
falando, o tempo é a coordenação da ação ou do pensamento para responder a eventos críticos no ambiente. Isso inclui prever quando os eventos irão ocorrer no tempo e o momento exacto da realização do comportamento para que haja uma coordenação de ambos. A percepção do tempo refere-se a cognições mais específicas, como
a percepção da duração de um evento ou estímulos, a ordem temporal dos estímulos e ter uma noção de como rapida ou lentamente, o tempo parece estar a passar. Outro pedido de abstração superior passa por uma compreensão mais geral da passagem do tempo, a localização, eventos que ocorrem em certas ordens temporais, e que os objetos mudam com a função do tempo.
Na verdade, esta questão do tempo não passa simplesmente por saber ver as horas e ter um relógio para o fazer frequentemente. É bastante mais complexo do que isso e tem muito a ver com tudo na vida, ao ponto de regular grande parte dos nossos acontecimentos, internos e externos. Por exemplo, a situação A ocorreu antes da situação B? Para isso preciso de saber quando é que ocorreu A e B. E depois também preciso de saber se ambos os tempos são antes ou depois um do outro. Nada fácil certo? E qual o tempo de duração de A e B? Mas e se a pessoa não sabe que lhe irão perguntar à posteriori sobre a duração do tempo de ambos os eventos?! A pessoa terá de fazer uma estimativa do tempo de cada evento A e B! E para isso precisa de ter uma base para poder fazer a comparação. E qual a base que irá usar? Isso talvez dependa da acção A e B. Será que ambas as acções A e B são da mesma categoria? E se não são que base de comparação deve ser usada? Quão rápido nos parece a passagem do tempo do acontecimento A? E do B?Muitos já terão desistido por esta altura ou avaliado que já passou o tempo de resposta para a questão que lhe estavam a colocar. Se pensarmos que para cada uma destas questões que coloquei haverá um processamento cognitivo diferente e que envolvem estruturas e processos neurológicos diferentes. Seja a memória, nomeadamente a memória episódica ou a memória para acontecimentos temporais, a generalização temporal que cada um faz ou os julgamentos de ordem temporal ou de sincronia, etc.
Como podem ver não é um processo fácil. E a pessoa precisa de ser ajuda a compreender esta situação e a ter estratégias para responder a estas necessidades todas. Vê, não demorou muito tempo, pois não?
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