Muitos conhecerão a Lenda de Dédalo e Icaro, e de como este último acabou por morrer ao se querer aproximar demasiado do Sol. Da mesma forma que muitos frequentemente pensam na ambição de Icaro e de como esta o traiu. Não parecem pensar naquele que os sentenciou a ficarem presos numa ilha. Por vezes parece acontecer o mesmo quando se pensa na integração sócio profissional das pessoas autistas. Ficam demasiado centrados nos deficit das diversas competências, naquilo que lhes falta aprender ou desenvolver para que possam ser integrados. E não propriamente naquilo que falta cumprir em termos de sensibilização da Sociedade e do mercado de trabalho para a importância da inclusão e do respeito pela neurodiversidade. Assim como de todo um conjunto de orientações legislativas e outras declarações universais para os Direitos Humanos e das pessoas portadoras de deficiência. E ainda menos se pensa naquilo que são as aspirações das próprias pessoas autistas. E quando se pensa nos obstáculos, mais parece que os mesmos são observados pela perspectiva das pessoas não autistas e não pelos próprios autistas. Para os jovens adultos não autistas, conseguir um emprego em tempo integral é um dos marcadores de uma transição bem-sucedida para a vida adulta. Sendo que o emprego não contribui apenas para autonomia e independência financeira, mas também para a saúde psicológica, proporcionando um envolvimento quotidiano, conexão social e auto-estima. E isto tudo também é verdade para os jovens adultos autistas. Contudo, e infelizmente, obter e manter o emprego é muitas vezes um desafio para as pessoas autistas, independentemente do seu perfil cognitivo. Ele quer ser programador, diz Carla (nome fictício), mãe de um adolescente autista. Ele sempre o desejou desde pequeno. Já aos seis anos na escola era o que respondia quando lhe perguntavam, acrescenta. Já me chegaram a dizer que isso tem a ver com os seus interesses estritos, refere. A minha queria ser Paleontóloga, refere Paulo (nome fictício), pai de uma adolescente autista. E curiosamente já me referiram o mesmo. Que isso tinha a ver com o seu interesse restrito por dinossauros desde a infância, diz Paulo. O nosso dizia que queria ir trabalhar para a Agência Europeia Aeroespacial, diz Júlio e Catarina (nomes fictícios), pais de um jovem adulto autista. Neste momento encontra-se a meio do curso de Engenharia Aeroespacial, comentam. A minha filha já quis ser médica veterinária. Mas ao fim de algum tempo dizia que queria antes ser jornalista e no último ano diz ter descoberto que afinal quer ser designer gráfica, comenta Paula (nome fictício), mãe de uma jovem autista. O meu filho também foi semelhante, refere Carlos (nome fictício), pai de um jovem autista. Começou por querer programar videojogos. Durante algum tempo ninguém o demovia dessa ideia, refere. Mas numa altura mostrou interesse em cozinhar e após alguns videos no Youtube passou a dizer que vai ser Chef. Este ano fez inscrição na Escola de Hotelaria, concluiu. A minha filha diz que quer ensinar as pessoas a cuidar dos animais, menciona João (nome fictício) de uma adolescente autista. E também já me procuraram demover dessa ideia dizendo que como ela é autista não irá conseguir ensinar as pessoas e muito menos conseguir lidar com elas, acrescenta. Ela diz que podia cuidar dos animais, mas que se ensinar as pessoas, assim vão conseguir haver mais pessoas para cuidar de mais animais. Confesso que gosto da lógica dela, para além de gostar dela sendo minha filha, diz João a sorrir. Sinto que quantos mais mães e pais de jovens autistas tivesse naquela sala e mais histórias haveria de ouvir acerca de aspirações. Ainda me lembro de há uns anos um cliente meu me ter dito que estava a desenvolver um projecto em Física e que tinha a ver com um mecanismo para ajudar a converter água salgada em água potável. E que com isso poderia ajudar os países em desenvolvimento a combater a seca e a fome. Além de ter acrescentado que o seu projecto estava pensado para poder ser desenvolvido por qualquer outra pessoa que pudesse montar tal como se fosse uma qualquer mobilia. Este era o mesmo jovem que também me referia que se fosse ele a decidir haveriam muitas disciplinas na Escola que não existiram ou que então seriam dadas de forma muito diferente. O certo é que ainda hoje muitas pessoas nesse mundo fora continuam a morrer de sede e de fome. Além de haver outros tantos milhares que continuam a referir que é preciso repensar o modelo de Ensino e a própria Escola. Seja na forma como o Ensino obrigatório mas também muito do Ensino Superior parece continuar formatado, seja nos seus conteúdos muitos vezes arrumados em caixas, mas também na forma de se construir este mesmo conhecimento. Verificamos que a forma como as pessoas, sejam não autistas ou autistas, que chegam à Escola e a sua forma de pensar parece de todo se adequar aquilo que a Escola tem para oferecer. E ainda que pensemos que isso é uma desvantagem da globalização do Ensino e que é um mal menor. O certo é que há muitos e bons modelos, nomeadamente Modelos Universais de Aprendizagem que poderiam servir o propósito de ir ao alcance, senão de todos, pelo menos da maioria dos diferentes perfis de funcionamento e da própria neurodiversidade. E no caso dos jovens autistas continuamos a verificar que ainda frequentemente lhes é procurado desviar daquilo que são os seus interesses e algumas das suas características, precisamente porque fazem parte do conjunto de características próprias do diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. E dizem-nos aos pais, convencendo-os de que devem procurar não fomentar essas mesmas características. Quando questões como lealdade, atenção ao detalhe, comprometimento, entre muitas outras, são características que lhe são praticamente inatas e que têm inúmeras vantagens e mais valias para o tecido empresarial. E não tenham dúvidas de que as pessoas jovens adultas e adultas autistas que entram ou procuram entrar no mercado de trabalho têm um conjunto de aspirações, muitas delas semelhantes às das pessoas não autistas. Mas que sentem que os obstáculos que lhe são colocados no seu caminho são inúmeros e desiguais. No próximo dia 2 de abril celebra-se o Dia Mundial para a Conscientização do Autismo. A própria Nações Unidas lembra da importância de fazer cumprir um conjunto de desígnios já há muito escritos para a inclusão da neurodiversidade no mercado de trabalho. Que se cumpram. Teremos todos a ganhar.
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