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O que é que um camaleão diz a outro camaleão quando o encontra?

O que é que um camaleão diz a outro camaleão quando o encontra? Alguém sabe? Não vale ir ao Google ver? Desistem? Não pensem que eu tenho a resposta. Lamento desiludir as expectativas de alguns de vocês. Mas há muitas outras coisas que também (ainda) não sei, ou pelo menos não compreendo o suficiente. Mas isso não quer dizer que não pense sobre elas. Assim como também o fiz durante alguns breves segundos em relação à pergunta do camaleão. Metáforas à parte, esta história do camaleão tem a ver com o comportamento de camuflagem social que tanto se tem falado no Espectro do Autismo.


E já se tem ouvido um pouco de tudo a falar sobre este tema. Desde o facto de que as pessoas que fazem uso de um comportamento de camuflagem social não podem ser autistas. Até porque dizem que as pessoas autistas não são competentes o suficiente para aprender comportamentos sociais, além de que não têm interesse nestes mesmos comportamentos. Ou de que as pessoas autistas que fazem uso do comportamento de camuflagem social são manipuladores. Mas também que as pessoas autistas simplesmente limitam-se a imitar os comportamentos que observam e que não os sabem aplicar às situações, etc. Como podem ver, são muitas as ideias que existem na cabeça das pessoas. Ainda que nenhuma delas tenha derivado de nenhum estudo cientifico credível. Mas sim da cabeça das pessoas que pensam que sabem interpretar o comportamento humano, nomeadamente das pessoas autistas.


E eu digo-vos por que é que tenho ainda tão poucas certezas em relação a tudo isto da camuflagem social, nomeadamente da forma como ela ainda vai sendo abordada. Se muitos de vocês fizerem um exercício mental de imaginarem duas pessoas adultas a falarem entre si, sendo que uma delas é autista. Pergunto-me o que é que vocês estarão a imaginar? Estarão a imaginar uma conversa que decorrer de forma fluida entre duas pessoas adultas que estão a abordar um determinado assunto comum? Ou pelo contrário, estarão a pensar que a pessoa não autista está a fazer um esforço enorme em tentar compreender e ao mesmo tempo explicar ao adulto autista aquilo que está a querer dizer? Deixo-vos com a vossa própria consciência e pensamentos sobre este exercício. Sendo que da minha parte a minha experiência tem a ver com a primeira hipótese anteriormente colocada.


A questão acerca da camuflagem social, seja dentro ou fora do Espectro do Autismo, está de tal forma nos seus primórdios, que ainda não há sequer um consenso sobre o que é o conceito em si. Contudo, podemos pensar que a camuflagem pode ser considerada como o processo pelo qual as pessoas autistas modificam os seus comportamentos sociais naturais para se adaptar, lidar com ou influenciar o mundo social amplamente neurotípico (não autista). Durante as interações sociais entre pessoas autistas e não autistas, os factores que contribuem para os problemas de comunicação, reciprocidade e rapport são numerosos e complexos (e.g., problema de dupla empatia).


Assim como as pessoas autistas têm dificuldade em inferir estados mentais não autistas, compreender a comunicação social não autista e manter a reciprocidade social com pessoas não autistas. As pessoas não autistas também têm dificuldade em inferir estados mentais autistas, identificar a expressão facial das pessoas autistas e efectivamente partilhar informações e construir um relacionamento com pessoas autistas. Além disso, pessoas não autistas demonstram uma preferência dentro do grupo pelo seu estilo interpessoal. E formam julgamentos mais negativos e menos intenções comportamentais positivas em relação a pessoas que exibem comportamentos autistas do que a pessoas sem comportamentos autistas.


Essas questões provavelmente contribuem para resultados funcionais e interpessoais insatisfatórios para pessoas autistas em domínios como participação social e relacionamentos, emprego e saúde mental.


Eu continuo sem saber o que é que um camaleão diz a outro camaleão quando o encontra. No entanto, se eu tiver um camaleão, e frequentemente estiver a tocar-lhe com algum objecto e a causar-lhe algum incómodo, certamente o camaleão é capaz de desenvolver algum comportamento para evitar o meu comportamento. E não me admira nada que o faça. Até porque eu próprio teria uma resposta muito parecida em situações semelhantes.


As pessoas autistas comumente encontram reações negativas às suas características pessoais e comportamentos durante as interações sociais. Como resultado de tais reações, algumas pessoas autistas modificam o seu comportamento social inato ou instintivo. E ao modificar seu comportamento, as pessoas autistas provavelmente desenvolvem múltiplas funções cognitivas que envolvem a monitorização do ambiente social, comportamentos pessoais e raciocínio social. A camuflagem é um meio pelo qual as pessoas autistas tentam superar os desafios sociais nas interações sociais com pessoas neurotipicas para garantir emprego e educação, desenvolver amizades e relacionamentos românticos e até mesmo evitar o assédio e a vitimização.


Se por um lado se tem falado sobre a experiência autista em relação à camuflagem social dizendo que esta influencia positivamente as reações e comportamentos de pessoas não autistas em relação às pessoas autistas. No entanto, o acto de camuflar é cognitivamente difícil e desgastante. Para além de propenso ao colapso devido ao aumento das exigências sociais e complexidade e / ou sofrimento psíquico, e associado a maiores dificuldades de saúde mental.


A forma como a pessoa é percebida e tratada pelos seus parceiros sociais durante qualquer interação social depende de uma interação complexa de factores relacionados tanto à pessoa quanto ao seu parceiro social, bem como às circunstâncias da interação social . No entanto, as pessoas influenciam e são influenciados pelo comportamento do seu parceiro social. Ou seja, é importante poder compreender em que contextos é que as interacções sociais entre pessoas autistas e não autistas estão a ocorrer. Além de quais é a representação mental que as pessoas não autistas que estão na interacção fazem acerca do autismo. E o mesmo se aplica de forma inversa às pessoas autistas e de como estas compreendem as pessoas neurotipicas.


Quantos de nós, enquanto não autistas, tem a experiência de interagir com pessoas autistas em contextos sociais? E não, não vale responder em relação a familiares. Certamente, os pais, irmãos, avós, tios e primos não autistas terão algum outro familiar autista e com o qual já estiveram numa situação de interacção social. Mas aqui estou a falar de situações em que não envolve uma relação familiar. É verdade que as pessoas autistas não têm nenhuma evidência visível para que seja identificados como autistas. Ao contrário do que algumas pessoas pensam (e.g., "Tu não pareces nada autista!"). E além do mais, as pessoas autistas podem nem sequer se sentir à vontade em falar sobre o seu diagnóstico, para além de ser um direito seu à privacidade. E na verdade nada disto deveria sequer ser importante. E talvez muitos de nós não autistas ficaríamos estupefactos de saber que já interagimos com algumas pessoas autistas contextos sociais. Até porque continua a haver muitas pessoas autistas que nem sequer estão diagnosticadas.


Mas se pensarmos em algumas das razões pelas quais as pessoas autistas podem usar o comportamento de camuflagem social, podem perceber que isso tem muito a ver com a forma como as pessoas não autistas lidam com eles. Por exemplo, muitas pessoas autistas procuram camuflar alguns dos seus comportamentos não verbais devido aos seus comportamentos de stimming. Ou então poderão estar a procurar propositadamente relaxar os músculos, seja do corpo mas também da face, para que possam não demonstrar uma postura tensa ou mais atípica e que seja visível para a outra pessoa. Esta situação é tão verdade que nas primeiras consultas muitos dos meus clientes procuram camuflar alguns destes seus comportamentos por terem receio da forma como eu os vou interpretar. E assim que eu lhes refiro que ali estão à vontade e podem sentir-se confortáveis da forma como melhor entenderem, a sua postura muda completamente, e para melhor.


E algo semelhante acontece em relação a alguma da informação pessoal dos próprios. E se pensarmos que muita das relações interpessoais tem como principal pilar a partilha de interesses, vejam como é que a situação fica ameaçada logo desde o inicio. E porquê? Porque muito frequentemente as pessoas autistas sentem que as pessoas não autistas acham que alguns dos seus interesses e forma de pensar é estranha. E não digam que nunca o disseram, porque muitos dos meus clientes já ouviram de crianças, jovens e adultos não autistas e nos mais variados contextos a falarem de forma bastante negativa acerca das pessoas autistas. Agora percebem por que é que cada vez que um politico ou qualquer uma outra pessoa influente ou não vem à comunicação social e usa a palavra autista de uma forma negativa, isto impacta de forma tão ou mais negativa as pessoas autistas? E não, as piadas não têm desculpa, lamento.


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