Ao ler a pergunta, O que aconteceu ao avô? alguns de vocês ficam a pensar que iremos falar sobre a morte das pessoas autistas. Não é o caso. Mas fiquem cientes que as pessoas autistas também passam por esta fase. E haveremos de falar mais sobre o tema.
Há uma coisa que observamos em todos nós ao longo da vida e que são as transformações próprias do desenvolvimento. As birras entre os 2 e os 4 anos de idade, a idade do armário quando se chega aos 12 ou 13 anos, a terrível adolescência que parece ser cada vez mais alongada no tempo. As incertezas nas decisões profissionais e outras na transição para a adultez, mas também as responsabilidades que começam a surgir com a passagem para a vida adulta e que duram a maior parte da vida da pessoa até à chegada à reforma e o surgimento de um conjunto de outras transformações. O que fazer da vida e da rotina quando estas mudam tão drasticamente com a passagem para a reforma? O cansaço deixou de ser uma variável para ser uma constante. O esquecimento passou a ser uma maior presença e com um maior impacto nas coisas do quotidiano. E ainda que de uma forma diferente para cada um de nós, é chegada a uma altura em que passamos a estar menos autónomos e mais dependentes de cuidados por terceiros. Ao lermos estas descrições, uns e outros reveem-se mais ou menos em cada uma delas. E isso espelha a diversidade que todos nós apresentamos ao longo do nosso percurso de vida. E não tenham dúvidas que estas e outras questões são partilhadas por pessoas não autistas, mas também por pessoas autistas.
Mas será que as pessoas autistas envelhecem de forma semelhante ao resto da população? Será que desenvolvem problemas de memória como acontece com a população que envelhece de forma normativa e que a partir dos 45 - 50 aos de idade começa a observar um declínio cognitivo ligeiro? Será que têm taxas de prevalência de demência mais elevadas do que na Síndrome de Down? E poderão a sua saúde física e mental, bem como as suas necessidades a longo prazo serem satisfeitas pelos serviços geriátricos e de saúde disponíveis? E estarão estes serviços adaptados a esta população?
Na verdade o desconhecimento que temos sobre as pessoas autistas nestas fases da vida é tão grande que aquilo que podemos fazer é especular. Isso mesmo, especular. Ou seja, com base nos indicadores de saúde física e mental que temos em relação às pessoas autistas durante o desenvolvimento nas fases da infância, adolescência e principio da vida adulta. Além de termos conhecimento sobre os processos de evolução destes diagnósticos neuropsiquiátricos, ainda que não tenhamos a noção se alguns aspectos clínicos se desenvolvem de igual forma numa pessoa autista. Aquilo que podemos fazer por enquanto é inferir e ir preparando as pessoas autistas, os seus familiares, mas também os serviços e os profissionais de saúde geriátricos para aquilo que serão as possíveis necessidade de resposta.
Como tal, sabemos que a prevalência de outras perturbações psiquiátricas e de questões de saúde física nas pessoas autistas tem uma maior expressão. O que reflecte um agravamento esperado do prognóstico e das necessidades desta população na idade mais avançada. Os cuidados de saúde médicos passam a ser uma constante e é necessário poder capacitar os serviços e os profissionais para lidar com as características comportamentais que sempre existiram e passam a estar mais marcadas devido ao avançar da própria idade e da menor capacidade por exemplo de regular determinados aspectos do comportamento. Para além de sabermos que o perfil cognitivo no espectro do autismo é bastante heterogéneo. Há também uma percentagem significativa de pessoas autistas que acumulam um défice cognitivo. E isso leva a ser fundamental olhar para estas suas necessidades diferenciadas ao longo do desenvolvimento e nestas idades mais avançadas.
E é fundamental, para além dos aspectos mencionados anteriormente, pensar como se pode fazer despistes e avaliações do espectro do autismo na população sénior. Até porque em algumas situações iremos encontrar pessoas com idade avançada em contexto hospitalar, ambulatório ou de residência, e que não têm um diagnóstico e que é importante poder despistar este facto do espectro do autismo. E se as dificuldades neste processo já são evidentes na idade adulta, o que dizer em relação à idade avançada!?
E temos de nos apressar. Até porque sabemos que a prevalência de Perturbação do Espectro do Autismo na população global é de 1%. E como tal, vamos ter cada vez mais um maior número de pessoas autistas com idade avançada e a necessitar de um conjunto de cuidados especializados médicos, psicológicos e sociais e que uns e outros não estão adaptados e capacitados para tal. Por exemplo, alguém já pensou em como trabalhar as questões dos cuidados paliativos com pessoas autistas com idade avançada? E a colocação de pessoas autistas em lares/residências?
As questões são muitas. As respostas são escassas. A própria investigação necessita de se centrar também nesta período de vida para as pessoas autistas. E produzir conhecimento que oriente as boas práticas e conduza a construção de guidelines para a intervenção.
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