Do que nos orgulhamos? Há quem viva uma vida à procura de ter essa sensação. Enquanto outros parecem-no sentir em cada respiração que fazem. Haverá certamente várias razões que cada um de nós toma para dizer que se sente orgulhoso disto e daquilo. E também de que ao longo da vida este sentir vá sendo diferente. Mas já se sentiu orgulhoso em ser diabético, alérgico ao pó? Se pensarmos que muitas destas e outros condições nos levam a mudar de comportamentos e em boa parte de vida, porque não haveria alguém de se orgulhar disso. Por exemplo, eu sempre pensei que o facto de ser mais tímido me tem levado a ser mais introspectivo e isso tem-me proporcionado experiências de vida únicas. Talvez o facto de ser diabético o tenha levado a ser uma melhor pessoa! Quem sabe? E do que os autistas se orgulham? Era suposto orgulharem-se, perguntarão alguns! Talvez nunca tenham lido poesia a um leão.
Na comunidade autista estamos neste momento a assistir a uma mudança de um paradigma de conscientização para a aceitação e inclusive de apreciação. E isso passa a trazer muitas mudanças na forma como os próprios autistas se começam a olhar. Já não como pessoas amaldiçoadas por terem a infelicidade de terem este diagnóstico ou uns desgraçados que nunca vão conseguir ser nada na vida. E passam a olhar cada vez mais abrangente e frequentemente para as suas múltiplas formas de existência de uma forma positiva. Seja para algumas das suas características que se destacam visivelmente da grande maioria das pessoas, mas não só. E isso também é uma mudança no paradigma. Até porque muitos autistas não têm nenhum atributo especial, como por exemplo, saberem sete línguas estrangeiras ou conhecerem todas as vias ferroviárias construídas no século XX. Mas sentem que podem e se querem orgulhar de ser quem são. E isso por si só parece-me fundamental para qualquer um de nós.
Esta noção que impera ainda muito no nosso quotidiano do capacitismo, desta ideia de que temos de fazer, ser, empreender, e todas essas coisas são sinónimo de sucesso e de orgulho próprio e para os outros, leva a esta pressão desenfreada na Sociedade actual, e também nas pessoas autistas. E isto tudo também se tem reflectis na forma como as pessoas desejam ser tratadas, se pessoas autistas ou pessoas com autismo. E fazem muito bem em o reflectir porque afinal estão a falar de si próprios.E diria que é fundamental que sejam os próprios a fazerem-no e não os neurotipicos como se pertencessem a um clube especial e que depois determinasse como é que as pessoas autistas gostariam de ser chamadas. É como se alguém decidisse num grupo exclusivo o que me haveria de chamar e a partir dai eu teria que me cingir a esse facto. Não parece nada apelativo, certo?
Uma outra questão importante aqui passa pelo sentimento de pertença. Ainda hoje se continua a insistir nesta politica de que temos de criar contextos inclusivos em que todos estão presentes. E depois muitas das vezes o que assistimos é que aqueles que se identificam ou são identificados como sendo uma minoria continuam a ser colocados de lado. E depois lá vem todo o pacote de legislação e intervenção para ajudar as vitimas de bullying. Ou então outras pessoas que durante muito tempo e ainda hoje defendem a importância dos seus filhos autistas poderem dar-se com outros que não sejam autistas. Como que o facto de se darem com outros autistas os fosse deixar mais marcados ou regredidos. Os estudos e mais do que os estudos científicos, a experiência clínica e o que os próprios autista jovens e adultos referem é de que se sentem bastante mais integrados num grupo onde existem outros com a mesma condição que a sua. No fundo têm uma maior identificação com os seus pares e com uma forma semelhante de pensar. E não, tudo isto não quer significar que eu defendo a escola para autistas separado das escolas para não autistas. Já é tempo de ultrapassar este binarismo e podermos todos pensar alto e de preferências conjuntamente com as pessoas autistas. Que alguns tenham determinadas características que possam dificultar a sua expressão verbal e não verbal, não precisam que os não autistas causem algo pior.
E toda esta questão do orgulho é fundamental. Até porque uma das questões que acaba por marcar negativamente e com sofrimento a vida da pessoa é a depressão. E esta acaba por ser mais severa em parte porque o próprio muitas vezes não parece conseguir ver e sentir em si quase nada de positivo ou que o orgulhe. Se este facto é importante para todos nós, porque não haverá de ser para as pessoas autistas? E o facto de as pessoas estarem com os seus pares os faz sentir mais serenos e compreendidos e capazes de se expressarem da sua própria forma e isso os leva a sentirem-se melhor. Não fará então sentido promover isso? Experimentem qualquer um de vocês que não goste muito de futebol ficar mais do que 5 minutos num grupo de pessoas com a vossa idade que adores futebol. E depois vejam como se irão sentir. Além da depressão, a própria ansiedade é muito mais frequentemente sentida quando alguém percepciona que tem de estar num grupo que maioritariamente é diferente de si. Ou que tem de fazer as coisas diferentes para se encaixar. É o que acontece em muito com as raparigas e mulheres autistas. Que em grande parte devido à sua capacidade de mascaramento social acabam por sofrer ainda mais ansiedade e depressão por sentirem que têm de ser quem não são para se sentirem integradas.
Todos nós nos havermos de orgulhar de forma diferente de umas coisas e outras nossas. E assim também será com uma pessoa autista. Por isso se quiser saber do que se orgulha uma pessoa autista experimente ler poesia a um leão.
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