Tudo muda João (nome fictício), diz-lhe a mãe! Agora é tempo de pensares no que queres fazer da tua vida, diz-lhe o pai. O João entrou na Universidade. E a Ângela (nome fictício) também. Ela é a melhor e única amiga do João. Ambos têm diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Quando perguntei ao João o que o levava a ir para a Universidade, ele respondeu prontamente - Para ser alguém na vida, claro! A resposta não é muito diferente daquilo que tantos outros respondem em circunstâncias iguais. E o que queres ser na vida João, perguntei-lhe. Não sei, não faço a mínima ideia, e nem sequer sei por onde é que devo começar e o que posso fazer! O João entrou para Matemáticas Aplicadas. Não sabia muito bem o que havia de escolher. Pensou que sempre gostou de números. Além disso é algo em que sente ter uma maior facilidade, comparado a tantas outras coisas da sua vida. A Ângela entrou para Tradução. Sabe seis línguas estrangeiras. Está a caminho da sétima. Aprendeu a ler sozinha. Aprendeu muita coisa sozinha. A brincar também. Não tinha ninguém que a aceitasse no grupo. Apesar dela ter tentado várias vezes e de uma forma insistente como só a Ângela o sabe fazer. O João e a Ângela não são os únicos com Perturbação do Espectro do Autismo que entraram na Universidade. Há muitos outros. Cada vez mais. Até porque nem todos querem ser sinalizados para a Educação Inclusiva na Universidade. Estão cansados e até mesmo traumatizados de muito daquilo que viveram durante a escolaridade obrigatória. Não se sentiram respeitados na sua pessoa e nas suas necessidades. Além disso há um conjunto igualmente grande de outras pessoas que não sabem ainda que tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. São 1 em cada 100 adultos com esta condição. Este ano entraram 51 mil alunos no Ensino Superior. Podemos esperar que existam muitos mais alunos com esta condição. Os docentes não estão na sua grande maioria preparados ou sequer sensibilizados para o que é a Perturbação do Espectro do Autismo. O próprio funcionamento da Academia está em grande parte preparado para um funcionamento neurotipico. É verdade que a Academia vai cada vez mais sendo um espaço inclusivo. Seja na estrutura arquitectónica e de acessibilidades para as pessoas com deficiência. Assim como a criação de conteúdos em formatos que permitam o acesso de pessoas com determinadas condições. Mas o Espectro do Autismo desafia de uma forma global o todo do Ensino Superior. Seja ao nível das relações interpessoais, com os docentes, colegas e pessoal técnico. São onde predomina grande parte das queixas destes alunos com Perturbação do Espectro do Autismo e que os leva a abandonar precocemente o Ensino Superior. Mas também na forma como são leccionados e disponibilizados os conteúdos. Assim como o próprio processo de avaliação, seja escrito, oral, trabalhos individuais ou em grupo. E o facto das coisas mudarem, pensando no tema deste Congresso, isso acarreta uma enorme dificuldade para as pessoas no Espectro do Autismo. Seja o simples facto do Ensino Superior estar organizado por semestres, constitui uma enorme dificuldade para muitos destes estudantes. Quando eu me estava a adaptar ao meu docente, conteúdos e colegas, acabou e passamos para o 2º semestre, refere a Ângela. E então desde que em março deste ano a situação de pandemia trouxe todo um conjunto de mudanças, ainda pior. Agora nem me consigo organizar de forma capaz, diz o João. Uma semana de uma foram, as outras duas semanas de outra forma. Assim não dá, desabafa o João. No dia 10 e 11 de dezembro irei estar no V Congresso da RESAPES para partilhar as mudanças e as vontades dos alunos e alunas com Perturbação do Espectro do Autismo que estão no Ensino Superior e outros que desejam fazê-lo também. E procurar ser porta voz daquilo que me transmitem no dia a dia das consultas de que gostariam de ver diferente no Ensino Superior.
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