Ratos cantores ajudam a estudar o autismo - Cientistas norte-americanos descobriram o circuito no cérebro que permite a interação vocal, a partir de uma análise a ratos cantores das florestas tropicais da América Central, podia ler-se no jornal Diário de Noticias.
Estudo cria modelo animal de autismo - Ao infectar ratas grávidas com uma parte da bactéria Escherichia coli, cientists da Universidade de São Paulo conseguiram induzir na prole um quadro semelhante ao autismo, criando um modelo animal da doença que poderá ser útil em diversas pesquisas, podia ler-se no Journal os Neuroscience Research.
SFARI (Simons Foundation Autism Research Initiative) workshop explores the use of rat models in autism - Os ratos são uma espécie altamente treinável, exibindo um comportamento robusto e fiável; no entanto, também expressam uma variedade de comportamentos complexos e inatos, incluindo um rico repertório social. O futuro dos sistemas e da neurociência comportamental deve integrar tecnologias de fenotipagem automatizadas e ricas em dados com conhecimentos etnológicos, lia-se na página deste Instituto altamente conceituado na investigação no autismo.
Se ainda continua a ler este texto, uma coisa é certa, não tem fobia a ratos. Mas ainda assim continua confuso. Antes de mais, alguns apontamentos. Nada contra a investigação básica. É fundamental testar e desenvolver modelos compreensivos acerca dos fenómenos que estudamos. Tenho alguma reserva quanto à utilização de animais em investigação, sejam ratos ou outros. Ainda que os ratos continuem a ser os escolhidos. Seja porque são mais pequenos e como tal mais fácil de arrumar no laboratório. Mas também porque apresentam determinadas semelhanças genéticas com os humanos. Além das fêmeas procriarem rápido e como tal isso leva a que possa mais rapidamente ser observado as alterações provocadas.
No entanto, para além da investigação básica, também é verdade que muitos destes resultados são extrapolados para poder compreender os aspectos comportamentais observados no autismo. Sendo que o rato autista ideal, pensado pelos investigadores, devia mostrar todos os mesmos traços comportamentais que caracterizam o autismo nas pessoas. Desde os problemas linguísticos e sociais, até aos comportamentos restritos e repetitivos.
Alguns ratos com alterações fazem menos vocalizações ultrassónicas do que os controlos, o que muitos comportamentais tomaram como análogo dos problemas linguísticos. Outros ratos preparam-se, saltam ou enterram objectos excessivamente — ações que os investigadores interpretaram como comportamentos repetitivos. Ainda que as questões sociais sempre foram aquelas mais complexas e difíceis de colocar em práticas neste tipo de investigação. Mas se há coisa que caracteriza a ciência e que a faz, é não desistir. E por volta de 2010 isso foi alcançado num estudo em que se demonstrou que os ratos usados na experiência, aos quais faltava o gene SHANK3, um gene observado com frequência nas pessoas autistas. Estes ratos demonstravam menos inclinação para procurar outro rato no ensaio clinico.
É sem dúvida maravilhoso todas estas experiências e avanços feitos. E felizmente tem havido ao longo de todos estes anos investimento feito na ciência para que estudos desta natureza possam ser conduzidos no autismo. E principalmente para poder compreender aquilo que pode causar o autismo.
Contudo, sabemos que o autismo é uma condição que ocorre ao longo da vida. E ao fim destes 80 anos de autismo, continuamos sem saber muito daquilo que se passa no autismo na vida adulta e sénior. Além de continuarmos sem perceber o porquê das diferenças observadas dentro do espectro do autismo, nomeadamente nas diferenças entre homens e mulheres. E de como criar instrumentos adequados para avaliar. Além de podermos ter modelos de intervenção mais adequados para intervir. E não esquecer em todo o trabalho que continua a ser necessário fazer junto dos neurotipicos e de como ajudar a mudar o seu paradigma ao olharem para o autismo.
Nada contra ratos e muito menos investigação básica. No entanto, quando estamos a usar ratos para estudar competências sociais, precisamos de pensar que estes não são assim tão sociais quanto se pensa. Excepto o Ratatui, claro (é para rirem!!). A região do cérebro nos mamíferos que está ligado à maioria dos comportamentos sociais, o córtex pré-frontal, é significativamente menor nos ratos do que nas pessoas. E na verdade, sabemos que os ratos machos em contexto natural são significativamente mais solitários e podem entrar em contacto apenas com um companheiro e as suas crias.
Além de que nunca vi um rato autista e muito menos a responder o porquê de fazer isto ou aquilo. Ainda que os ratos de laboratório e os modelos animais nos deem muita e informação válida. Mas já ouvi de uma pessoa autista dizer que a sua dificuldade em olhar para o rosto das pessoas com que fala não se prende com questões da interacção social, ou outras semelhantes. Mas tem sim a ver com o facto do rosto das pessoas com quem se interage tem inúmeros estímulos e causarem maior dificuldade no seu processamento. E como a pessoa quer prestar atenção ao que a outra pessoa está a dizer, escolhe não olhar para que consiga processar em condições a informação.
Na vida. tal como na ciência, é fundamental alcançar um equilíbrio na abordagem usadas para compreender os fenómenos. Se na vida ambos os caminhos nos levam ao mesmo sitio, independentemente da distância percorrida. Também na ciência, a investigação básica precisa de estar de mãos dadas com a investigação aplicada. E dentro desta a compreensão humanista, fenomenológica e existencial da pessoa precisa de ser reactivada, sob pena de passar mais outros 80 anos sobre o autismo e continuarmos sem o compreender.
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