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Foto do escritorpedrorodrigues

Não, é não! Não percebeste?

Sexo consentido?! Mas há sexo que não seja consentido, perguntarão alguns! Infelizmente há! E a partir de que idade é que a pessoa pode dar consentimento? Diz a lei Portuguesa que a partir dos 14 anos, mas com algumas reservas até aos 16 anos. E nas pessoas com determinadas características, como por exemplo, na Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) como é que esta questão do consentimento pode ser compreendido? É verdade, as pessoas no Espectro do Autismo têm relações sexuais e algumas delas ocorrem sem o seu consentimento. Mas é preciso perceber porquê e como poder trabalhar esta questão com as pessoas visadas, ou seja, os/as jovens e adultos/as com uma Perturbação do Espectro do Autismo.

Na minha altura de adolescente havia algumas questões relacionadas com a sexualidade que se aprendiam com os amigos mas também com as revistas. Isto para além de podermos ter uma ou outra conversa nem sempre fácil com os nossos pais ou algum familiar adulto. A situação mudou um pouco face a essa altura. Hoje os jovens continuam a contar com os seus amigos e as revistas foram ultrapassadas pela internet mas também as séries em que estas questões são por vezes abordadas. É verdade, a conversa com os pais vai continuando a existir e vai continuando a ser igualmente desconfortável.


Há várias ideias que podiam ser abordadas face a esta introdução, mas gostaria de falar especificamente acerca do sexo consentido e de como esta questão ocorre nas pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). É sabido por muitos que os últimos 3-4 anos tem havido um crescente de séries em que o tópico do Autismo é abordado de uma forma central ou então secundária. São exemplos disso séries como Atypical ou The Good Doctor. Ainda que existam outras séries onde pelo menos uma personagem tenha uma PEA. Ainda assim, podemos reparar que nas séries a personagem com Perturbação do Espectro do Autismo normalmente é representado por alguém do sexo masculino. E quando é abordado as questões relacionadas com a sexualidade e com as relações sexuais, por norma a representação é de alguém que não quer ou não deseja. Ou então, de alguém que diz numa determinada deixa da série - "Ele não me sabe amar!".


Os trabalhos televisivos ou cinematográficos que procuram olhar para as raparigas ou mulheres autistas para além de serem menos comuns, por norma dessexualizam as personagens do espectro do autismo do sexo feminino comparativamente Às do sexo masculino. Até programas factuais como o Love On the Spectrum, da ABC Australia, parecem ter dificuldade em resistir à tentação de infantilizar pistas musicais, ou mesmo à noção de que uma pessoa autista pode querer namorar uma pessoa neurotípica ou não autista (com o cenário inverso aparentemente equivalente à ficção científica).


Everything’s Gonna Be Okay, é uma série de televisão de comédia criada pelo comediante australiano Josh Thomas. Estreou recentemente e tem trazido de uma forma algo diferente aquilo que parece acontecer no quotidiano das pessoas no Espectro do Autismo, nomeadamente nas questões da sexualidade e das relações sexuais. A Matilde de 17 anos é a personagem desta série com Perturbação do Espectro do Autismo e que num dos episódios pretende perder a sua virgindade. Não querendo ser spoiler, algures nesse episódio a Matilde procura ir a uma festa da Escola e no final dessa mesma festa fica com um rapaz. Estão ambos num momento mais intimo no carro e a Matilde refere ao rapaz que as coisas poderiam ficar um pouco mais interessantes. Do ponto de vista sexual, quero eu dizer. Esta situação poderia logo ficar estranha para muitos dos telespectadores. Nomeadamente porque se iriam perguntar como é que uma pessoa do Espectro do Autismo poderia querer ir a uma festa e ainda por cima desejar perder a virgindade - "Não pode ser do Espectro do Autismo!", pensarão muitos. E ainda por cima, a rapariga é que diz que a relação sexual se pode tornar mais interessante?!? Então aí é que ainda haverá mais pessoas confusas! Como assim?! Não é suposto ser ao menos o rapaz a dizer isso? E como é que uma rapariga do Espectro do Autismo poderá saber essas coisas?!

As perguntas não terminam. Mas talvez seja isso que faça com que as pessoas considerem uma série como fantástica e que por isso a queiram seguir ou recomendar.


Após a situação da relação sexual da Matilde e do seu companheiro fica-se a saber na escola do ocorrido. Rapidamente se espalha o boato de que ela terá sido violada pelo jovem. E instaura-se todo um processo de averiguação e de questionamentos múltiplos acerca da capacidade que as pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) têm para decidir ter sexo consentido e se deverá ser diferente a idade comparativamente aos pares neurotipicos. Estou certo que será uma série que irá agitar as opiniões, dentro e fora do Espectro do Autismo. Mas ainda bem, porque talvez assim se fale de alguém fundamental para qualquer pessoa - relações sexuais & sexualidade.


Mas esta questão especificamente traz-me outro assunto algo relacionado com o episódio da Matilde. Ou seja, e como seria uma situação em que quase tudo fosse igual mas a Matilde tivesse dito ao companheiro que não queria! Ou como seria se a Matilde devido a algumas das suas características do Espectro do Autismo não estivesse capaz de conseguir compreender algumas das pistas sociais que o jovem lhe estaria a enviar e acabasse por se envolver numa situação em que apesar de não querer estar não estava a compreender completamente o que estaria a acontecer consigo. Isso mesmo, é possível alguém do Espectro do Autismo poder não estar a compreender que há alguém que está a ter um comportamento de abuso sexual. Por exemplo, avaliar que a situação que está a acontecer é algo que é suposto ocorrer e como tal não haver problema. Mas também poderá estar a perceber que aquilo - ser abusada sexualmente, não deveria estar a acontecer, mas não saber o que fazer e como o fazer. E por isso, como em tantas outras e infelizes situações estes episódios ficam impunes e a pessoa não se sente sequer capaz de pedir ajuda para tentar compreender o que se passou e como pode encaixar aquele acontecimento(s) no resto da sua vida.

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