Marcamos a consulta para o Rodrigo (nome fictício), porque ele vai entrar na adolescência e achamos que pode ser importante começar a falar com alguém sobre aquelas coisas, disseram os pais. Rodrigo faz 19 anos daqui a dois meses e meio e tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Presumi que com "coisas", os pais se estivessem a referir a algo relacionado com a sexualidade. Há coisas que não mudam, passem os anos que passar. E em relação à sexualidade, esta continua a causar, de uma forma ou de outra, grande impacto em todos nós. O Rodrigo olhava para mim com cara de para quem tudo aquilo estava a ser desconfortável. Com alguma insistência os pais lá referiram que tinha a ver com as coisas próprias da idade e em tom mais baixo ouviu-se a palavra "sexualidade". Peço desculpa pelos meus pais, disse Rodrigo, já a sós comigo. Eles ainda continuam a pensar que eu estou a descobrir a minha sexualidade. Não percebo porquê?, acrescenta. Com eles não aconteceu da mesma forma?, pergunta-me. O que achas?, devolvi-lhe a questão. Sei lá, nós nunca falamos sobre essas coisas!, respondeu-me.
Se muitos ainda pensam que grande parte das pessoas autistas não deseja ter relações românticas. O que é que vão pensar quando lerem que as pessoas autistas não só desejam ter relações românticas, mas também sexuais, além de terem desejos sobre ambas! Por isso, tal como o titulo do texto diz - Não seja um banana, e procure manter um espirito aberto e ouvir com um pouco mais de atenção a pessoa autista.
São várias as barreiras para que esta situação ocorra. Sejam as barreiras pessoais (e.g., dificuldades na cognição social), institucionais (e.g., educação sexual insuficiente) e as barreiras sociais (e.g., capacitismo, pressupostos, estigmatização e exclusão) contribuem para limitar o conhecimento sexual de pessoas autistas (especialmente adolescentes) e diminuir as suas hipóteses de ter relações românticas/sexuais.
A adolescência e a transição para a idade adulta representam uma fase de desenvolvimento desafiante envolvendo importantes modificações neurobiopsicossociais e aprendizagem/adaptação intensa. Um dos grandes desafios enfrentados pela maioria dos adolescentes, com ou sem Perturbação do Espectro do Autismo, é a descoberta e exploração da sexualidade pessoal e interpessoal. A sexualidade adolescente é particularmente complexa porque é um processo multidimensional que envolve áreas tão diversas como a expansão do conhecimento sexual (sobre si e sobre os outros), explorar a preferência sexual, desejando (ou não) desenvolver parcerias íntimas, cumprindo (ou não) necessidades socio-sexuais importantes (e.g., ser apreciado e aceite, dar e receber afecto, sentir-se atraente, partilhar sentimentos) e confirmar (ou questionar) a identidade de género e orientação sexual. Embora a transição para a idade adulta em geral e a sexualidade em particular sejam desafiantes para a maioria dos adolescentes, pode ser ainda mais para as pessoas autistas.
Contrariamente à crença tradicional, a maioria das pessoas autistas expressa claramente o desejo de ter relações românticas/sexuais. Em oposição ao pressuposto clássico de que são demasiado ingénuos e imaturos para se interessarem pela sexualidade.
De acordo com os seus pais, os adolescentes/jovens adultos autistas têm, em média, menos conhecimentos sexuais e de privacidade, e envolvem-se menos em comportamentos sexuais socialmente apropriados (e mais em comportamentos inadequados) do que em adolescentes neurotipicos. Estas conclusões são, no entanto, incertas, porque os pais de crianças autistas tendem a sobrestimar os seus próprios conhecimentos sobre a vida sexual dos seus filhos. Além disso, estes pais tendem a subestimar a experiência sexual e as actividades do seu filho.
E se esta questão é fundamental por todas as razões que se prendem com um desenvolvimento saudável em todos nós. Também é fundamental que este tema seja abordado com maior naturalidade, porque os relatos são cada vez em maior número de situações de vitimização sexual em pessoas autistas ao longo da vida. Além de que um factor potencialmente importante para a vitimização sexual das pessoas autistas é o conhecimento sociosexual. Como seria de esperar, melhores capacidades nos domínios social e de comunicação estão associadas a um maior bem-estar sexual diádico e a uma maior satisfação sexual, à excitabilidade e ao desejo em adultos autistas.
Não obstante muitas pessoas autistas reportarem um menor números de relações interpessoais fora do circulo familiar. Ainda assim, a grande maioria demonstra desejo em ter uma relação romântica e/ou sexual. Não obstante, reconhecem que necessitam de que haja mais e melhor informação disponibilizada. E além disso desejam que as pessoas neurotipicas, pais, escolas e sociedade em geral, possa encarar de forma mais aberta e compreensiva a importância disso para eles. Até porque se essa informação não estiver disponível, tal como vai estando para os jovens neurotipicos, as pessoas autistas continuarão a procura-la através de outros meios, nomeadamente online. Sendo que há todo um conjunto de riscos e menor grau de supervisão em relação à qualidade da informação consultada. Além do mais, poder ter um conjunto mais vasto sobre estes aspectos da sexualidade e da relação diádica, potencialmente aumenta o bem estar diádico. Ou seja, alto tão importante como poder saber avaliar o seu bem estar na relação com o Outro e poder conseguir escolher se quer continuar ou não essa relação.
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