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Não me toques que desafinas

Porque é que me estás a tocar dessa forma? perguntava Helena (nome fictício). Dessa forma como? questionava Eduardo (nome fictício). Desta forma suave e agradável? continua. Sensual e erótica? finaliza. Talvez seja melhor falarmos um pouco primeiro! diz-lhe Helena.


Mesmo correndo o risco daquele relacionamento de uma noite apenas ficar sem efeito, Helena já estava cansada de ter relações sexuais que não fossem satisfatórias. Para isso já tinha servido todos os trinta e oito anos em que Helena não soube do seu diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo e de como entender as suas questões sensoriais. E de como todas essas suas características influenciaram a forma como se sentiu nas relações com as pessoas, sejam as relações interpessoais do quotidiano, mas também aquelas românticas e sexuais. A sua primeira relação sexual foi aos 17 anos com um colega da escola. A única coisa que Helena se lembra foi do desconforto e até mesmo do nojo sentido no toque da pele. E ainda hoje quando as suas amigas lhe falam das dores da penetração na primeira relação, Helena continua sem entender o que isso poderá significar!


Helena tem hoje 57 anos, e há dois anos foi diagnosticada com Perturbação do Espectro do Autismo. E desde então tem estado a fazer esta viagem de redescoberta da sua pessoa.


A intimidade física é um aspecto fundamental das relações íntimas ao longo da vida, tanto nas relações românticas como nas não românticas, nomeadamente através do toque social e afectivo. O toque suave, macio e ritmado na pele chega ao cérebro através de terminações nervosas não mielinizadas, é tipicamente percebido (e pretendido) como agradável e está associado a um afecto positivo e a sensações eróticas. O toque afectivo que é percebido como carinhoso por um outro como íntimo pode resultar em mudanças cognitivo-relacionais, como a perceção de segurança, inclusão social e expectativas de apoio. Mas também como mudanças neurobiológicas que resultam na redução do stress e do afecto positivo através do aumento da oxitocina e dos opióides endógenos e da redução do ritmo cardíaco. Além disso, o toque lento pode ser percepcionado como erótico se for dado com a intensidade e a velocidade certas. O toque lento é tipicamente percepcionado como excitante nas zonas erógenas centrais do corpo, tais como o peito e mamilos, nádegas e interior da coxa, tanto durante a masturbação como na intimidade sexual em parceria, e o toque lento pode ser percepcionado como erótico em qualquer parte do corpo durante a relação sexual em parceria. Mas as pessoas autistas podem ter experiências diferentes.


A sexualidade e as relações sexuais e intimas no espectro do autismo já vão deixando de ser um assunto tabu. E mesmo no campo da investigação cientifica, o tem tem vindo a ser mais aprofundado. Até porque na clínica vão sendo cada vez mais as pessoas autistas adultas que na intervenção psicológica vão trazendo o assunto das relações intimas e sexuais como uma dificuldade que gostariam de ver compreendidas e ultrapassadas. Por exemplo, se as pessoas adultas de uma maneira geral gostam de uma discussão aberta e honesta acerca das questões das suas relações. As pessoas autistas adultas sublinham os mesmos aspectos e adicionalmente a necessidade de uma comunicação explicita e clara, e principalmente sem segundos sentidos.


As diferenças no processamento sensorial é uma outra questão que tem sido cada vez mais conhecida como tendo um impacto significativo quando se trata de considerar a importância do toque, paladar, e som nas relações românticas e sexuais. Por exemplo, quando interpretado como uma sensação agradável, o toque desempenha um papel importante na criação de laços interpessoais e nas experiências eróticas e sensuais. Contudo, em algumas pessoas autistas, o toque, um determinado tipo de toque ou em alguma lugar especifico do corpo poderá representar uma ausência de prazer ou sensação agradável e até poder mesmo significar um mal estar ou uma sensação desagradável. Ou então, a pessoa até pode gostar de toque em momentos de maior intimidade, mas ao fim de algum tempo, esse mesmo toque passa a ser sentido como desagradável.


Estes e outros aspectos podem tornar-se um obstáculo para as pessoas autistas que procuram estabelecer e manter relações íntimas. Mas também podemos observar que algumas pessoas autistas poderão sentir que o toque pode significar algo importante e significativo na interacção com a outra pessoa, mas que não tenha de representar um interesse sexual. Sendo que estas situações levam a momentos de alguma tensão e confusão quando uma das pessoas não é autista e não compreende estas possibilidades.


A intimidade física é um aspecto fundamental das relações íntimas ao longo da vida. Contudo, as pessoas são únicas e vão sendo diferentes ao longo do desenvolvimento e nas diferentes relações que vão tendo. E isso é-o em qualquer pessoa adulta e isso também inclui as pessoas autistas. E tal como em qualquer outra situação de vida é importante que a pessoa autista adulta se possa sentir empoderada para abordar essas questões nas relações. Mas também é importante que as pessoas não autistas nas relações de intimidade com pessoas autistas possam ser capazes de saber escutar e ser tolerante relativamente à pessoa e à sua forma de sentir.


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