A Revolução Industrial foi uma transição fundamental para os novos processos de trabalho mas não só. Tudo o que diz respeito à vida humana passou a ter uma forma diferente de ser realizada e pensada. A própria importância social dada ao trabalho passou ela também a ser diferente. Como tal é compreensível que na entrada da vida adulta seja fundamental a empregabilidade da pessoa para poder continuar a realizar o seu projecto de vida. Tornar-se autónomo, independente, realizar os seus desejos e poder continuar a contribuir para um bem maior, seu e de todos nós na Sociedade. É assim desde há muito e para todos, seja fora ou dentro do Espectro do Autismo. Por isso a campanha do Autism Europe se chama "Eu posso aprender, Eu posso trabalhar.".
Os adultos dentro do Espectro do Autismo têm mais oportunidades de emprego do que costumavam, e há uma, ainda que pequena, força de trabalho dentro da neurodiversidade a prosperar - mas principalmente ainda em empresas seleccionadas e que investem habitualmente mais neste tipo de programas e de pessoas com estas e outras características. Nomeadamente as empresas relacionadas com as Tecnologias de Informação são aquelas que mais têm estado na linha da frente para a promoção do recrutamento e integração inclusiva.
Ana (nome fictício) licenciou-se em Biologia. Após isso quis continuar e fez um mestrado na área. Consegui alguns empregos de curta duração e estágios. Fez programação e processamento de dados numa formação posterior e paga por si. Ana sabia que estas competências eram necessárias para os desafios do mercado de trabalho actual. Ainda assim não conseguiu, ainda, uma posição a tempo integral satisfatória. Ana tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) e tem tido problemas para passar a fase de entrevistas. A Ana não é caso único. Há muitos outros casos com histórias e percursos semelhantes. Homens e mulheres que têm um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, com formação ao nível do Ensino Superior e com competências extra-curriculares dentro de áreas cobiçadas pelo mercado de trabalho, seja na área da programação e Tecnologias de Informação, mas também em línguas estrangeiras e outras competências afins. Ou seja, se você não está a contratar pessoas com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, você é que perde!
Ao fim de quase um ano depois de ter sido despedida do seu último emprego, a Ana decidiu investir na sua formação e inscreveu-se num bootcamp, uma Academia para aprender código (programação). Esta formação durou cerca de 5 meses. No final necessitou de apresentar um trabalho final. Uma empresa consultora que sabe da necessidade de captar talentos para as Organizações faz várias observações destas e de outras apresentações. E quando viu e ouviu a Ana a apresentar o seu trabalho não teve dúvida. Contactou a Ana e fez-lhe uma entrevista. Mas esta entrevista tinha algo de diferente. Não era apenas um dia. Aconteceu ao longo de uma semana. Mas não era a única diferença. Tudo o resto parecia diferente. Não lhe fizeram nenhuma bateria de perguntas acerca dos seus objectivos para o futuro ou onde se vê daqui a 5 anos. E muito menos questões de como é que ela lida com os conflitos. Na última vez que lhe perguntaram isso, a Ana tinha acabado recentemente com o seu namorado. Na entrevista quando lhe fizeram essa pergunta respondeu na altura que lidava com os conflitos à chapada. Foi assim que terminou com o namorado quando soube que ele a tinha enganado! Estas e outras situações semelhantes são comuns. A Ana na altura disse que tinha respondido isso porque tinha sido apanhada de surpresa e lembrou-se da última situação de conflito com que tinha lidado e respondeu, até porque pensava que nas entrevistas se tinha de responder com rapidez. Nesta nova entrevista o que lhe pediram para fazer foi demonstrar como ela poderia proceder na prática com um exemplo de uma situação no Excel. A Ana não teve dúvida nenhuma e desempenhou de uma forma excelente - como seria de esperar!
Ana passa os dias a escrever código para extrair informações das bases de dados e procurar padrões nos dados - tarefas nas quais ela tanto se destaca. Alguns já lhe perguntaram se ela não se farta de estar sempre a fazer o mesmo. A Ana costuma sorrir nessas situações. Aprendeu que é uma forma possível de reagir a estas situações. E dia que resulta na maior parte das vezes - "É incrível o poder que um sorriso tem!", diz frequentemente. "Se soubesse disto em criança teria usado mais vezes!", remata.
Se atendermos que todos os anos a nível mundial há um número significativo de jovens com 18 anos com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo que atingem a maioridade. E com isso procuram entrar no Ensino Superior ou no mercado de trabalho. A questão é que há uma percentagem igualmente significativa destas pessoas que vêm com enorme dificuldade a entrada no Ensino Superior e ainda mais no mercado de trabalho. Os números são assustadores, cerca de 60% daqueles que com uma Perturbação do Espectro do Autismo entram no Ensino Superior acabam por desistir. E apenas 60% daqueles que trabalham recebem um salário, e nem sempre adequado, para o trabalho que desenvolvem.
As pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo apresenta um conjunto de competências que são excelentes, se aproveitadas de uma forma adequada. Não quero com isto dizer que o facto de se ter uma Perturbação do Espectro do Autismo faz com que a pessoa tenha capacidades excelentes. Quase como se fosse um prémio compensatório por ter um diagnóstico de PEA! Quero dizer que a pessoa pode apresentar estas características. E principalmente quero dizer que quando as tem, podem e devem ser aproveitadas. Tal como em qualquer um de nós. Mas, "Se você não está a contratar pessoas com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, você é que perde! Ora vejam, na Austrália foi elaborado um relatório em 2017 que demonstrou que a contratação de 100 pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo gerou nesse ano 3 milhões de dólares Australianos. E o Estado Australiano poupou cerca de 4 milhões de dólares Australianos porque não teve necessidade de pagar pensões e outras medidas sociais. Facto que acaba ainda por ocorrer com muita frequência a nível mundial. Para além do beneficio das 100 pessoas com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, mais as suas respectivas familias nucleares e aquelas que alguns deles desejaram constituir. Também se pode beneficiar todo um conjunto maior de pessoas. Nomeadamente, os colaboradores da empresas onde essas 100 pessoas foram integradas. Até porque se sentiram participantes num projecto mais alargado e que procura olhar para as pessoas de forma igual. E isso é encorajador e gerador de bem estar e qualidade de vida. Já para não falar do bem para toda a Sociedade que inclusive beneficia do facto do dinheiro dos impostos estar a ser melhor aplicado.
Muitos relatórios enfatizam os benefícios económicos e outros para as pessoas do Espectro do Autismo e para a sociedade, mas, na verdade, os colaboradores autistas costumam ser um trunfo para as empresas que as contratam. Ou seja, é uma situação Win-Win em que todos ganham. E é importante poder passar esta mensagem não apenas para as Organizações mas também para as pessoas do Espectro do Autismo até para as empoderar!
Os exemplos como os da Ana existem em maior número ainda que não em suficiente. Mas existem. E podem existir mais se as Organizações mudarem alguma da sua forma de pensar. Mas também as Universidades! Sendo que estas podem criar programas específicos para captar alunos com Perturbação do Espectro do Autismo e poder ajuda-los a desenvolver um conjunto de ferramentas necessárias para estarem ainda mais adaptados para o futuro.
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