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Number one

Quase sempre falava do Donald Triplett nas comunicações de autismo no adulto. E porquê? Porque é a pessoa identificada como tendo sido a primeira diagnosticada com autismo pelo Dr. Leo Kanner. E com bastante frequência dizia nessas mesmas comunicações que um destes dias iria estar a dizer que o senhor Donald ainda estava vivo em Forest no Mississippi (EUA), quando já não era verdade. E isto porque o senhor Donald Triplett contava com 89 anos e se preparava para fazer os 90 precisamente na sexta-feira dia 8. Quando ele faleceu no passado dia 15 de junho, foram muitos aqueles que voltaram a falar da sua pessoa e daquilo que ele representa.


Donald foi diagnostico no final dos anos 30 do século XX quando tinha cerca de 5 anos. Muito se passou e mudou em relação ao autismo que hoje conhecemos. Desde as diferentes designações usadas no diagnóstico ao longo dos diferentes manuais de diagnóstico, a algumas características, etc. E se ainda hoje dizemos que há um grande desconhecimento em relação ao autismo, pensem em como seria na altura em que o Donald foi diagnosticado. E o que dizer em relação ao estigma!? E como tal seria plausível poder pensar nas agruras e múltiplas dificuldades vividas por Donald ao longo destes anos ao ponto de a sua vida ser sentida como infeliz.


O certo é que as diferentes biografias feitas sobre Donald e a sua experiência enquanto pessoa autista demonstram algo diferente. Seja porque viajou consideravelmente e conheceu boa parte do mundo, jogou golfe, considerado por si uma actividade prazerosa, ou participou activamente na comunidade onde viveu. O certo é que Donald se considerou uma pessoa feliz.


Claro que qualquer um de nós poderá dizer que a vida de muitas pessoas autistas não se compara em termos de possibilidades económicas que o Donald Triplett tinha. E como tal, as barreiras socioeconómicas são completamente diferentes.


Mas afinal qual o percurso que cada pessoa autista faz ao longo da sua vida. E como é que as suas características e os desafios sentidos ao longo do seu percurso se vão expressando. Até porque é sabido que uma percentagem significativa das pessoas autistas tem inúmeras dificuldades na integração no mercado de trabalho e na participação na própria comunidade. para além da maior dificuldade de acesso a cuidados de saúde especializados, principalmente na vida adulta. E que têm um agravamento dos indicadores de saúde física e mental, bem como de um maior índice de mortalidade prematura.


Durante grande parte da história da investigação sobre o autismo, as tentativas de compreender as dificuldades enfrentadas pelas pessoas autistas seguiram principalmente uma abordagem médica. Sendo que nesta as pessoas autistas têm um risco aumento de dificuldades e de virem a alcançar um conjunto de objectivos na vida, e isso deve ser a consequência de alguma característica específica sua. Normalmente, nesta forma de pensar, as características individuais estudadas são assumidas como incapacidades ou défices, em vez de meras diferenças. Outra caraterística comum desta abordagem é o facto de os resultados são frequentemente definidos de forma restrita, de acordo com normas sociais de pessoas não autistas, com pouca consideração sobre o que as pessoas autistas querem das suas vidas.

Contudo, sabemos ser possível pensar de forma diferente e de maneira inclusiva. E podermos entender que o ambiente molda a pessoa e esta o ambiente. E pensar nos resultados alcançados pela pessoa de uma forma mais abrangente e apegado à realidade da pessoa. Até porque sejam os resultados bons ou mais, estes resultam de uma interação dinâmica entre a pessoa e o seu ambiente que se desenrola ao longo do tempo. E nesta forma de pensar, não são apenas as diferenças individuais que causam os resultados, mas sim a natureza da adaptação pessoa-ambiente. Os resultados positivos, como os do Donald são susceptíveis de surgir de um bom ajuste pessoa-ambiente, quando as exigências e características do ambiente estão compatíveis com as capacidades, motivações e valores da pessoa. E os maus resultados surgem quando o ambiente faz exigências que são impossíveis e/ou indesejáveis para a pessoa os satisfazer, tendo em conta quem ele é.

E se pensarmos, ao fim destes 89 anos do Donald, são muitas as pessoas autistas adultas que não são diagnosticadas. Seja porque sentem de forma mais marcada o estigma em relação à condição. Porque não têm acesso a uma informação adequada acerca do que é o autismo para que eles próprios possam procurar respostas. Mas também porque os profissionais de saúde necessitam de continuar a ser sensibilizados em relação a esta condições, seja no diagnóstico mas também no acompanhamento médico, psicológico e social. E tendo em conta o conhecimento que temos em relação aos dados de prevalência de autismo na comunidade é para lá de curioso não fazermos ideia, para a grande maioria de nós, onde é que estão as pessoas autistas adultas. E não me refiro apenas aos que estão entre os 18 e os 40 anos de idade. Estou a pensar que apesar da mortalidade precoce verificada no autismo, ainda assim, tal como o Donald a esperança média de vida continua a melhorar. E como tal é esperado que as pessoas autistas adultas o sejam com cinquenta, sessenta, setenta, oitenta ou noventa. Mas também deve ser esperado que as próprias pessoas autistas possam ser elas a definir o que sentem e desejam como sendo uma vida feliz e com bem estar em termos de qualidade de vida.


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