Alguns de vocês irão rapidamente reconhecer a fotografia, assim como a frase No worries mate ! Fiquem tranquilos que não irei falar da reposição do Crocodilo Dundee ou de como passar a hipnotizar animais selvagens!
Mas se há coisa que vos posso falar é de worries, ou melhor dizendo, de preocupações. Os meus dias são passados no meio delas e por isso é importante poder melhor compreendê-las. Não somente a sua natureza, mas também o que elas significam para as próprias pessoas e para aqueles que consigo contactam. Até porque uma preocupação para mim, não significa que seja igualmente uma preocupação para o outro! E também por isso temos o surgimento de outras preocupações que aparecem no seguimento destas preocupações iniciais. Complicado? No worries mate!
E se por um lado penso que há pessoas que muito frequentemente vêm ou sentem preocupações, outros há que têm vidas que não entendo porque não têm mais preocupações! É o caso das pessoas autistas adultas!
Seja porque desde sempre viveram com preocupações ou situações causadoras de preocupação. Não percebo as pessoas! ou Sinto que as pessoas não me percebem! Mas também porque estas múltiplas e variadas incompreensões geram elas próprias situações de sofrimento ou de maltrato (e.g., bullying). Mas também porque têm outras pessoas na sua vida que perguntam porque é que eles e elas (pessoas autistas) parecem não se preocupar com certas coisas. Ou então, por que é que se preocupam de forma sistemática, constante e insistente com as mesmas coisas. Seja como for parece que a preocupação está sempre lá, seja a da pessoa ou a do outro, porque está presente ou ausente!
Como já tinha referido anteriormente, quando penso nas pessoas autistas adultas, pergunto-me porque é que elas não se preocupam mais! Até porque aquilo que observo é que têm muitas e variadas razões para tal. Ainda que seja importante ajudar as pessoas a saber como melhor resolver este factor de preocupação. É também importante validar a preocupação em si e a fonte desta mesma preocupação e o que ela significa para a pessoa.
Mas se pensarmos que as pessoas autistas desde muito cedo na sua vida têm todo um conjunto de desafios e adversidades na relação com o Mundo e a relação com os outros e consigo próprio. Para além dos múltiplos desafios sentidos ao longo de todo o processo de escolaridade obrigatória e posteriormente no Ensino Superior, seja com os conteúdos programáticos, mas também com os docentes e colegas. Bem como na dificuldade tremenda em entrar no mercado de trabalho e manter-se por lá. Além das situações de outras perturbações psiquiátricas associadas, tais como a depressão, ansiedade entre outras. Como vêm, não há razão para não pensar em como as pessoas autistas adultas não têm justificação para estarem preocupadas. Mas volto a sublinhar, que ainda assim é fundamental ajudar as pessoas a melhor lidar com este factor de preocupação. Até porque a preocupação é algo encontrado com muita frequência naquilo que são estes diagnósticos e quadros clínicos, seja do espectro do autismo, mas também da depressão e ansiedade.
As pessoas autistas adultas normalmente sentem ansiedade e preocupação, embora o conhecimento sobre a forma como a preocupação se apresenta e o conteúdo, a extensão, e as experiências entre adultos autistas são limitadas. E como tal, as pessoas autistas adultas enfrentam frequentemente uma série de desafios na vida, muitos das quais podem ser exacerbadas por diferenças de saúde mental que, por sua vez, pode afectar negativamente a qualidade de vida.
A preocupação enquanto manifestação comportamental do ser humano é adaptativa, tal como outra manifestação de tristeza ou alegria. Contudo, quando o seu nível e demais características passam a ser consideradas patológicas, assumem uma expressão impactante e significativa na vida da pessoa, e é esta preocupação que necessita de ser ajudada. Sendo que o conteúdo comum da preocupação patológica inclui pensamentos profundos ou considerados sobre o futuro (e.g., potenciais infortúnios e como podem ser evitados, situações com desfechos maioritariamente catastróficos, etc.) ou eventos passados (e.g., as implicações de comportamentos tidos no passado sentidos como erros).
Mas se por um lado podemos reconhecer a existência de uma preocupação que possa ser vista como patológica nas pessoas autistas adultas. Também é fundamental desconstruir e desmistificar aquilo que são as preocupações das pessoas autistas adultas. E se pensam que vão encontrar algumas respostas atípicas ou bizarras, enganam-se.
Por exemplo, se pensarmos nas seguintes questões, O que é que a preocupação significa para si? Sente alguma preocupação? Qual é a sua sensação de preocupação (e.g., no seu corpo, no seu estado de espírito)? Quais são os tipos de coisas com que se preocupa? Qual é o seu sentimento de preocupação? Com que frequência? Com que intensidade? Há momentos específicos (e.g., do dia) em que se preocupa mais? Existem situações específicas que lhe causam mais preocupações Qual o impacto/afeito da sua preocupação?
Que não sou um bom pai. Que não serei capaz de defender o meu filho. Os meus relacionamentos. As pessoas saberão que sou diferente e julgar-me-ão de forma diferente. Que vou desiludir as pessoas. Tudo. Que a minha vida não tem qualquer propósito. Não tenho uma personalidade. A minha saúde! O que vai acontecer quando eu não puder cuidar de mim. Transito e condução. O meu futuro!
Como podemos verificar, as preocupações das pessoas autistas adultas são em grande parte semelhantes às das pessoas não autistas adultas: E aquelas que não são, centram-se em boa parte naquilo que são as dificuldades sentidas por si na interacção com os outros e o mundo.
É verdade que conseguimos observar um comportamento mais ruminativo e que funciona como factor de manutenção desta preocupação mais perturbadora. E quando a pessoa autista adulta tem um perfil cognitivo acima da média, isso parece funcionar como um factor de risco. E não será por acaso que algumas pessoas descrevem estes momentos de pensamento em relação às preocupações como períodos intermináveis envolvendo o pensamento exagerado, onde os pensamentos parecem circular na mente ao longo da sua vida diária. Mas também estar preocupada com a forma como os outros os percebem, ou como irão reagir à sua pessoa ou iniciativa, também parecem ser uma fonte de preocupação. O que pode ter a ver com a vontade e/ou necessidade de pertença à comunidade. E claramente que a preocupação com as situações novas e incertas leva a que muitas pessoas autistas fiquem sobre-activadas e o seu índice de preocupação aumente significativamente.
Tal como muitos já devem saber e ter experimentado, abordar uma pessoa com preocupações e dizer para ela não se preocupar, ou seja, No worries mate, não funciona. E muito provavelmente irá ter o resultado oposto ao deseja. Mas podemos pensar que as pessoas autistas adultas, como qualquer pessoa adulta, tem as suas preocupações. E é importante poder ajudar a pessoa a compreender as suas, e a como lidar com elas e com todas as outras que poderá vir a evitar ou melhor prever. Compreender e poder aceitar que as preocupações são uma parte integrante da vida parece-me fundamental. Não que queira estar a dar uma qualquer receita, longe de mim. Mas parece-me fundamental aprender a aceitar as preocupações, e não estar a lutar mais sistematicamente contra estas. Até porque quem já o fez percebe que as preocupações parecem ganhar na maior parte das vezes. É preciso que a pessoa com preocupações possa alocar os recursos necessários, cognitivos e emocionais para lidar precisamente com as preocupações. E assim poder fornecer uma resposta mais adequada, seja à preocupação mas também a si própria. E porventura isto é aquilo que estará na base desta denominada filosofia Aussie (entenda-se Australiana), para a frase No worries mate !
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