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Foto do escritorpedrorodrigues

Nem toda a pipoca é doce

Esta semana ouvi na rádio que as crianças e jovens dos 4 aos 18 anos pagam apenas 5€ para entrar no Oceanário. Que fantástico. E ainda há uns minutos atrás acabo de ler no Facebook da Pipoca mais doce a noticia de que a Carolina Deslandes escreveu um post no Instagram a desabafar por uma situação ocorrida com o seu filho. Os comentários de muitas pessoas só me levam a acreditar: 1) ainda estamos muitos longe da conscientização, aceitação e apreciação da Neurodiversidade; 2) ainda me sinto com mais força para continuar o meu trabalho; 3) nem todas as pipocas são doces.

Esta foto faz lembrar muito uma outra que uso para explicar a evolução da Perturbação do Espectro do Autismo ao longo da vida. Muitos de nós já comeram pipocas, certo? Ainda que nem todos de nós gostemos. Mas para isso também há solução, e pode ser comer algodão doce, maça assada caramelizada, crepe ou até mesmo um bifana no pão se já tiver idade e estômago para isso.


Lembro-me em pequeno que comprávamos um saco de milho para pipocas e colocávamos no tacho com um pouco de óleo e a seguir era todo um divertimento a ouvir elas a saltitarem. De seguida, havia sempre lugar à divisão: açúcar para uns, sal para outros. Uns anos mais tarde descobri que havia quem lhe pusesse mel ou canela. Nada que me espante porque na feira elas vinham com cores diferentes. E perguntava em pequeno aos meus pais como é que elas ficavam com aquelas cores. Se o milho era todo igual, como é que as pipocas podiam ser assim tão diferentes?


O grão de milho parece muito igual entre todos os outros grãos, certo? Tal como os bebés assim o parecem, pelos menos nas suas competências. Mas à medida que o milho vai aquecendo o formato que ele vai adoptar vai levar a que não haja uma pipoca igual a outra. Tal e qual como qualquer um de nós. E há ainda algumas que não lhes acontece nada. Ficava sempre a pensar o que lhes teria acontecido. Os meus pais adiantavam que na natureza as coisas são assim, há que aceitar. Mas uma coisa é certa, tirando o meu pai que odeia o cheiro das pipocas, não conheço ninguém que não goste de enfiar a mão no saco e tirar uma mão cheia delas, enquanto esconde a cara do filme de terror.


Apesar do milho parecer todo igual, o certo é que dentro dele, há toda uma informação com determinadas diferenças que nós não conseguimos ver ou perceber. E que além disso, a forma como esse grão contacto e reage ao calor também vai ser diferente. O mesmo também acontece em todos nós ao longo do desenvolvimento. E sim, também acontece nas pessoas autistas.


E o que é que o autismo tem a ver com pipoca? Não tem. O que tem a ver é que a Carolina Deslandes desabafou no Instagram pelo facto de uma colaboradora do guichet lhe ter perguntado se o seu filho autista tinha alguma problema e adiantou que as crianças deficientes não pagam a entrada. Se tiverem algum nível de curiosidade ou outro sentimento vão ao Facebook da Pipoca mais doce ver os comentários. No final a Carolina diz que não sabe durante quanto mais tempo vai conseguir evitar que o seu filho se confronte com estas situações. Infelizmente, ele já haverá de compreender alguma coisa, e certamente virá a compreender muito mais. Depende de todos nós poder fazer a diferença em relação a isso, seja para o filho dela ou para qualquer outro.


Talvez as pessoas possam estar cansadas de que nos tempos actuais se fale mais sobre esta questão da inclusão e do respeito pela neurodiversidade. Para além das questões igualmente antigas relacionadas com as questões do papel de género e das minorias étnicas. Mas as pessoas precisam de perceber que isso está a ser mais frequentemente falado e ainda bem. Não só porque as pessoas estão mais conscientes dos seus direitos, mas também de que o mundo precisa de mudar na forma de encarar os seus.


É normativo as crianças apresentarem desregulação do comportamento nas filas enquanto esperam. Têm uma menor tolerância à frustração, é compreensível. As crianças autistas apresentarão outras características, a que se designa também de desregulação do comportamento, ainda o factor que a tenha desencadeado possa ser outra. Se fosse uma criança com Síndrome de Tourette também seria difícil de muitos poderem encarar a expressão de tiques, nomeadamente vocais, que muitos apresentam. Mas isso não é uma deficiência. É parte de uma Síndrome, um conjunto de características que a pessoa apresenta que leva a que ocorram determinadas situações. Mas a pessoa, qualquer uma, é muito mais do que algumas das suas características, que acabam por se tornar mais evidentes porque muitos de nós não sabemos ou temos dificuldades em lidar com elas. As pessoas são muitos mais do que o seu diagnóstico, mesmo que este seja dentro da saúde mental. Esta noção de deficiência, incapacidade ou capacidade traduz uma noção ao próprio e a todos nós de um impedimento, impossibilidade, maior dificuldade na realização de algo. E isso por si só é limitador e desenvolve um sentimento de mal estar e sofrimento.

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