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Nem sempre são rosas senhor Doutor

Em 2020 estavam inscritos na Ordem dos Médicos mais de 57 mil profissionais, e destes 2.685 são médicos de Medicina Geral e Familiar. Quase a entrar em 2025 estamos certos de que o número será maior, mas a importância do tema mantem-se igual.


Frequentemente ouvimos falar da Medicina Geral e Familiar pelo facto de haver um número reduzido destes profissionais para dar resposta às necessidades da população no âmbito dos cuidados de saúde primário.


Não obstante a continua formação e a excelência da mesma, estes profissionais de saúde, tal como quaisquer outros estão sujeitos a um conjunto vasto e heterogéneo de situações clinicas que trazem grandes desafios na sua prática clinica diária.


Uma delas consideramos ser as Perturbações do Espectro do Autismo, e mais especificamente nos adultos. E a própria literatura cientifica que tem vindo a procurar compreender esta mesma situação em outras parte da Europa e do Mundo tem verificado essa mesma questão. E tendo em conta que a Medicina Geral e Familiar continua a ser a resposta médica de proximidade dos utentes, é fundamental uma maior e melhor preparação destes profissionais no atendimento deste grupo especifico.


Em primeiro lugar poder dizer que são vários os profissionais de saúde que se debatem com a questão do autismo nos adultos e não somente os médicos de medicina geral e familiar. Seja na identificação e subsequente referenciação clínica, mas também no atendimento e na intervenção, são várias as questões apresentadas pelos profissionais de saúde e que são corroboradas pelas pessoas autistas adultas. E que mais uma vez, no caso especifico dos médicos de Medicina Geral e Familiar e da sua importância, carece fazer todo o trabalho possível para um maior e melhor esclarecimento junto destes profissionais.


Temos verificado, seja em Portugal, mas também em outros países europeus e não só, um aumento do número de casos de pessoas autistas adultas. Nomeadamente, assistimos a um crescente número de pedidos de avaliação de Perturbação do Espectro do Autismo junto de pessoas adultas. Por norma, as pessoas fazem estes pedidos para aquilo que é a resposta pública dos serviços de saúde. No caso de Portugal temos o Sistema Nacional de Saúde, e em outros países teremos certamente o seu equivalente.


A população tem uma ideia de que serão os médicos de Medicina Geral e Familiar a receber primeiramente as pessoas com estes pedidos e a fazer o encaminhamento para os serviços hospitalares com as consultas de especialidade, nomeadamente de psiquiatria ou de neurodesenvolvimento do adulto. Mas tal como em outros países, a escassez destas consultas de especialidade ou a escassez do número de profissionais nestes serviços leva a uma resposta muito diminuta face às necessidades reais da população.


Um aspecto importante de poder sublinhar juntos dos médicos de Medicina Geral e Familiar em relação ao autismo é de que a apresentação clinica destes casos são bastante diversos e heterogéneos, e que vão muito além daquilo que é apresentado nos manuais de diagnóstico. E que nesse sentido, é vital poder ajudar a compreender a diferença na expressão fenótipica do autismo no feminino comparativamente ao masculino, principalmente naquilo que é a Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1).


Neste caso especifico, é fundamental poder dizer que as mulheres, ainda que não de forma exclusiva, apresentam maiores competências de aprender e pôr em prática todo um conjunto de competências sociais e que na literatura se encontra designado de camuflagem social. Este aspecto é importante, tendo em conta que mesmo nos profissionais de saúde, ainda vai sendo entendido que as pessoas autistas não desejam ter relações sociais, interpressoais e românticas. Além de ser entendido que as pessoas autistas também não apresentam boas competências comunicacionais, facto que também não corresponde à totalidade das pessoas autistas.


Apesar de ouvirmos falar de autismo há cerca de um século, precisamos de dizer que o autismo enquanto diagnóstico apenas entrou na DSM III em 1980. E como tal, pessoas com 40 ou mais anos e que na sua infância e adolescência apresentassem características comportamentais mais subtis dentro do que é um perfil de funcionamento do espectro do autismo não eram fácil e rapidamente consideradas neste diagnóstico. Além de que algumas das suas queixas seriam fácil e rapidamente enquadradas em outros diagnósticos. E neste mesmo sentido, apenas em 1994 na DSM IV é que o diagnóstico de Síndrome de Axperger figurou neste mesmo manual. O que leva a que as pessoas com trinta ou mais anos também não eram facilmente consideradas dentro deste diagnóstico, até porque tinha acabado de entrar enquanto categoria nosológica. Estes e outros aspectos faz com que pessoas com trinta ou mais anos, mas não só, estejam na actualidade com mais frequência a procurar os serviços de saúde para ver esclarecido algumas das suas dúvidas, questões e outros diagnósticos recebeidos ao longo dos anos. E que apesar de alguns deles poderem fazer sentido enquanto diagnóstico não aprecem ajudar a compreender a totalidade das características e dificuldades da pessoa.


Um outro aspecto prende-se com a existência de outras perturbações psiquiátricas associadas. E que a literatura cientifica nos demonstra que no caso das pessoas autistas é uma realidade frequente. Principalmente nas pessoas adultas e que estão à procura de fazer uma avaliação de diagnóstico, parece quase certo podermos encontrar mais do que uma perturbação psiquiátrica associada, nomeadamente ansiedade e depressão. Ainda que estas duas apresentem também características algo diferentes daquelas apresentadas em outras pessoas que não sejam pessoas autistas. Até porque também se vai sabendo da maior prevalência de casos de Alexitimia e Anedonia nas pessoas autistas, o que muitas vezes tem levado a um diagnóstico de Depressão Major quando na verdade poderá ser uma situação de Perturbação do Espectro do Autismo.


Na interacção com pessoas autistas em consulta é importante atender ao seu eprfil de funcionamento e em relação à sua forma de comunicar e compreender a informação. Muitas vezes a informação que estamos a pretender saber enquanto profissionais de saúde não está a ser colocada de forma adequada para aquilo que é um perfil de funcionamento da pessoa autista. Seja os aspectos relacionados com a interpretação literal, mas também a forma como as próprias pessoas autistas podem entender a informação que pode ser ou não importante de partilhar. Por vezes uma pergunta de como se tem sentido ultimamente pode não ser facilmente interpretada por uma pessoa autista, ainda que esta apresente um bom perfil cognitivio e intelectual. E como tal a informação partilhada pode levar o profissional de saúde a ficar enviesado em relação a aspectos importantes e impactantes na vida do seu utente.


Mas nem só de diagnóstico vive a pessoa autista. Esta também procura a ajuda dos profissionais de saúde para poder em conjunto com estes melhor compreender algumas das suas características. E como tal é fundamental que os médicos de medicina geral e familiar possam estar mais familiarizados com vários destes aspectos.


A situação dos aspectos sensoriais na pessoa autista é tal como as anteriores igualmente importante. Seja porque no contexto de consulta o médico de medicina geral e familiar terá necessidade de observar o seu utente. E para isso terá a necessidade de lhe tocar ou usar algum tipo de instrumento para poder auxiliar na observação. E isso poder representar uma dificuldade tremenda para muitas das pessoas autistas. Já para não falar de toda a estrutura do próprio edifício do centro de saúde, desde o gabinete, mas também da própria sala de espera.


As pessoas autistas adultas irão necessitar de uma grande proximidade dos cuidados de saúde primário ao longo da vida. Seja pelas questões das comorbilidades e da necessidade mais frequente de solicitar a sua prescrição habitual. Mas também porque é sabido das ínumeras situações de saúde fisica que os acompanha ao longo da vida (e.g., sono, grastrointestinais, sistema imunitário, etc.). Além do mais, a proximidade dos centros de saúde junto da população oferecem uma melhor resposta e mais descentralizada para as pessoas de uma forma geral e certamente para as pessoas autistas em particular. Mas para tal, as pessoas autistas necessitam de sentir que os médicos de medicina geral e familiar estão sensibilizados e informados para aquilo que é o espectro do autismo.


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