De Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos! ouvimos frequentemente. E dos EUA já ouvimos tanta coisa, ao ponto de ficarmos perplexos quando sabemos que cerca de 52% dos cidadãos americanos acreditam na teoria criacionista e outros tantos que a terra é plana. Mas uma coisa é certa, quando se pergunta sobre os dados epidemiológicos do autismo em Portugal. Ou mais precisamente quantas pessoas autistas existem em Portugal, sejam crianças, jovens ou adultos, não sabemos responder. E não sabemos porque não temos esses estudos realizados, mas também porque parece existir um certo pudor de uma natureza que não consigo entender em aceitar como referência os estudos e resultados que são feitos em relação a este tema seja em Espanha ou nos EUA.
Mas sabemos que há pessoas autistas em toda a parte do Mundo. E sabemos, ou pelo menos vamos ouvindo, que há pessoas autistas de todas as idades a viver em toda a parte do Mundo. Mas depois parece que temos dificuldade em pensar que algo semelhante deve ocorrer em Portugal ainda que adaptado à nossa demografia.
Ao não sabermos ou não querermos saber dos números das pessoas autistas em Portugal estaremos menos capazes de propor politicas de saúde e sociais adequadas para esta população. Estaremos menos capazes de poder desenvolver medidas adequadas para a integração no mercado de trabalho pessoas autistas, nomeadamente aquelas que não vêm atribuído um atestado multiusos com 60% ou mais de incapacidade. Ou politicas para a habitação de pessoas autistas e que possa promover a continuidade da autonomia e independência que tanto se procura trabalhar e intervir desde a interceção precoce com estas pessoas autistas e as suas famílias. Ou politicas de educação inclusiva e que possa dar continuidade ao Decreto-Lei 54/2018 transposto para o Ensino Superior e que ajude as Intuições de Ensino Superior a desenvolver um trabalho igual em qualquer Instituição em todo o pais.
Ao não sabermos dos números das pessoas autistas é quase como se as negássemos na sua existência enquanto cidadãos de plenos direitos. Além de com a falta dessa informação vamos continuando a reforçar o estigma e as crenças erradas e enviesadas sobre o autismo e as pessoas autistas ao longo da vida. Repetindo frases de Não pareces nada autista! Mas agora todas as pessoas são autistas! ou então, Parece que agora há uma epidemia de pessoas autistas!
A prevalência do diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo em 2022 foi mais elevada entre as crianças dos 5 aos 8 anos (30,3 por 1000 crianças) e diminuiu com a idade, particularmente entre as pessoas com 45 anos ou mais (idades 45-54 anos: 0,6 por 1000 pessoas; 55-64 anos: 0,4 por 1000 pessoas; idades iguais ou superiores a 65 anos: 0,2 por 1000 pessoas). A taxa de diagnóstico de 2022 foi mais elevada entre os homens do que entre as mulheres, numa proporção de aproximadamente 3 para 1 (9,8 por 1000 homens vs 3,1 por 1000 mulheres) (números referentes à realidade americana). E verifica-se que de 2011 a 2022, a taxa de diagnóstico de PEA aumentou 175% (de 2,3 por 1000 pessoas para 6,3 por 1000 pessoas. As taxas de diagnóstico aumentaram de forma constante entre 2011 e 2019, com aumentos relativos de ano para ano que variaram entre 7,2% e 11,2%. A prevalência aumentou apenas 0,6% de 2019 a 2020, tendo depois aumentado 16,5% de 2020 a 2021 e 11,9% de 2021 a 2022.
As taxas anuais de diagnóstico foram mais elevadas entre as pessoas do sexo masculino do que entre as do sexo feminino em cada ano, tanto para crianças como para adultos As taxas aumentaram significativamente entre 2011 e 2022 para ambos os géneros, e os aumentos relativos foram maiores entre as crianças do sexo feminino do que entre as do sexo masculino (mulheres: aumento de 305%).
As taxas anuais de diagnóstico foram mais elevadas nos grupos etários mais jovens e mais baixas nos grupos mais velhos, e as taxas aumentaram de 2011 a 2022 em todos os grupos etários. Os aumentos relativos nas taxas de diagnóstico de 2011 a 2022 foram geralmente maiores entre os grupos mais velhos (por exemplo, idades entre 26 e 34 anos: 452%; idades de 35 a 44 anos, 338%; em comparação com os mais jovens (por exemplo, idades de 5 a 8 anos: 207%; idades de 9 a 12 anos: 143%. A exceção foi entre as crianças dos 0 aos 4 anos, com um aumento da prevalência de 352% (de 6,4 por 1000 pessoas em 2011 para 28,8 por 1000 pessoas em 2022).
Os dados, e estes em particular, continuam a demonstrar que não há nenhuma epidemia de autismo. Há sim, uma maior capacidade de conseguir diagnosticar por parte dos profissionais de saúde, ainda que continue a ser necessário formar e informar mais e melhor estes profissionais. Mas também há uma maior consciência e capacidade das pessoas pedirem para ser ouvidas e avaliadas naquilo que sentem ser uma ideia de poderem ser autistas. Mas também nos mostra que cada vez mais e de uma forma consistente que não há tanto essa ideia de a diferença entre sexo masculino e feminino nos números das pessoas autistas.
Importamos a música, os hambúrguer e até mesmo algumas ideias absurdas da terra poder ser plana. Talvez esteja na altura de podermos importar alguma desta outra informação acerca da realidade das pessoas autistas e poder dar mais importância à vida destas pessoas e em conjunto consigo podermos construir um outro futuro.
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