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Nada acerca de nós sem nós

Em vários momentos da vida sentimos algum tipo de frustração e até mesmo impotência por não termos sido consultados em relação a algo que está a ser-nos pedido para fazer. Desde a típica frase dos adultos para as crianças - É assim porque é assim! Passando pelos inúmeros episódios durante a adolescência, quando os jovens sentem que não estão a ser tidos ou achados para determinadas decisões, sejam dentro mas também fora de casa. E o que dizer daquilo que muitos alunos falam sobre as decisões tomadas pela Escola que sentem não terem sido tidos em conta o que eles pensam? Da mesma forma que muitos professores sentem o mesmo mas em relação ao Ministério da Educação. Ou seja, não são apenas as crianças e os jovens que se vêm neste papel de não serem consultados para as tomada de decisão. Os adultos também se ressentem disso em algumas situações. Ainda que algumas delas provenham do facto de poderem não estarem a participar o suficiente do ponto de vista cívico. Veja-se por exemplo, o facto de haver um nível tão expressivo de abstenção em tantas eleições. E depois os cidadãos queixam-se de que foram tomadas estas e aquelas decisões que vão contra a sua forma de pensar. Mas uma coisa parece-me certa. Nos adultos de uma maneira geral e também em parte nos adolescentes, percebemos que as pessoas são consultadas para serem tomadas em consideração algumas das suas ideias. Contudo, isso não funciona assim para todos. Principalmente nas pessoas com deficiência. E ainda que a frase, Nada acerca de nós sem nós, não tenha surgido neste âmbito, acabou por ser adoptada como estandarte para ajudar a representar um ponto fundamental - a Auto-representação!


A frase Nada acerca de nós sem nós parece advir de uma transição ocorrida na Polónia, a quando da transição da Monarquia para a República. Ou seja, após um período dominado pela Monarquia, a população viu expressa naquela frase a possibilidade de passar a ser consultada nas tomadas de decisão que vão implicar directa e indirectamente na sua vida.


Ao longo da vida, a pessoa com deficiência vai sentindo, uns mais do que outros, dependendo de vários factores, que há todo um conjunto variado de pessoas que parecem tomar conta de si e da sua vida para além daquilo que seria expectável. Ou seja, é esperado que durante a infância e adolescência e até ao atingir da maioridade, a pessoa possa ser protegida, cuidada e orientada nas tomadas de decisão. E que determinado conjunto de decisões possam ser tomados mesmo que não vão ao encontro do desejo da pessoa. Principalmente quando estas decisões vão colocar a sua vida e/ou a de terceiros em risco. Mas aqui a questão é que ao longo do desenvolvimento e mesmo após passar a maioridade, a pessoa com deficiência continua a sentir que há todo um conjunto de pessoas que continuam a tomar decisões por si. E também a tomar decisões sobre coisas que vão influenciar directa e indirectamente a vida da pessoa.


O facto da pessoa com deficiência continuar a ser vista como alguém que não é capaz de tomar conta de si e ser responsável pelas suas decisões. Ou acharem que por ser não verbal, como acontece em determinada percentagem no Espectro do Autismo, e não só. As pessoas entendem que a pessoa não será capaz de comunicar e isso vai aumentar ainda mais a ideia de que precisam de ter alguém que tome as decisões por si. E no seguimento desta mesma percepção acerca do que é a deficiência e a pessoa com deficiência. Muitos vão pensando que necessitam de criar associações e/ou movimentos de cidadãos que representem esse mesmo grupo específico de pessoas com determinada deficiência. E ao longo da história da humanidade muitos foram sendo os pais, principalmente estes, e também outros cidadãos interessados, a se envolverem neste trabalho de representação dos direitos do grupo especifico de pessoas com determinada deficiência. Contudo, também aqui fomos assistindo a um desenvolvimento da mentalidade acerca da deficiência e da pessoa com deficiência, e passaram a ser cada vez mais as próprias pessoas com deficiência a se fazerem representar. Assim, passaram a haver associações e/ou movimentos de cidadãos com representação mista de pessoas com e sem deficiência, ou então grupos maioritariamente constituídos por pessoas com deficiência.


Independentemente da configuração dos grupos, o certo é que todos querem procurar fazer representar os direitos das pessoas com deficiência. Contudo, é esperado que uns e outros possam fazer este mesmo trabalho de uma forma diferente e com uma visão algo diferente. Ou seja, independentemente dos pais com filhos autistas poderem sentir que entendem o que é a Perturbação do Espectro do Autismo e de como esta é expressa nos seus filhos. Também é verdade que essa mesma compreensão é uma aproximação à realidade e diz respeito à sua percepção. Como tal, a visão dos pais não é a visão dos seus filhos autistas. Estes têm uma visão e principalmente uma vivência própria daquilo que é ser autista e de quais os seus direitos e necessidades, ou de como a sua pessoa será melhor ou pior representada. E o mesmo se aplica às pessoas não autistas, sejam profissionais de uma determinada área ou não, mas que fazem por participar activamente nestes mesmos grupo. Também estas pessoas têm uma visão que é sua relativamente ao que é o autismo, e é importante que esta possa ser considerada.


Ou seja, será o conjunto de todas estas visões e a participação conjunta de todos em respeito uns pelos outros que trará melhores resultados para a causa que estão a representar. Contudo, também se tem verificado, seja no autismo mas também em outras áreas, que isso nem sempre acontece. Ou seja, continua a haver pais com filhos com esta condição ou outra que sentem ser os detentores do conhecimento acerca da condição dos filhos e igualmente responsáveis pelas tomadas de decisão. O facto de serem pais continuam a ter responsabilidade enquanto tal e a tomar decisões na vida dos filhos. Contudo, será importante que este mesmo processo possa ir sendo negociado ao longo do desenvolvimento, tal qual acontece na vida das famílias, sejam pessoas com deficiência ou não. Para que quando estes chegarem a adultos possam estar empoderados para tomar as suas próprias decisões e participar o mais activamente possível nas situações da sua vida. E o mesmo acontece a grupos criados por outros cidadãos que normalmente são profissionais que trabalham nesta área. E também aqui acontece que estas pessoas sentem ser detentores deste conhecimento sobre a condição em questão e poder não envolver de uma forma adequada as pessoas com esta condição.


E no decorrer de todo este processo também vamos assistindo a grupos representativos de determinada condição, por exemplo do autismo, que vão reagindo a todo um conjunto de situações e que ocorre no seguimento da sua participação e auto-representação. Ou seja, se uma pessoa autista ouvir em determinado local que estão a usar a palavra autista de uma forma desrespeitosa é compreensível que se sinta no direito de poder chamar a atenção de quem o está a fazer. Ou se a pessoa autista sentir que os seus direitos enquanto estudante não estão a ser garantidos é esperado que possa dizer algo acerca do mesmo. Ou se estiver a ser debatido uma determinada política publica e que venha a implicar directa e indirectamente na sua pessoa em razão da sua condição, também é esperado que a pessoa autista se possa quer movimentar para fornecer a sua opinião sobre o que pensar ser o mais adequado. Além do mais, o autismo sendo uma perturbação do neurodesenvolvimento, vai estando representada na ciência, seja na investigação mas também nos aspectos clínicos. E também aqui é compreensível que a pessoa autista tenha um papel activo e participativo. Até porque sabemos que ao longo de todos estes anos também na ciência têm sido cometidos determinados atropelos ao autismo. E como tal, será a participação vigil de todos e em respeito por todos que fará a construção de um melhor caminho.


E se alguém disser que já viu e/ou já leu a participação de uma pessoa autista a ser proferida de forma mais inflamada, pensem o seguinte. Ao longo de todos estes anos da história da humanidade, a deficiência e a pessoa com deficiência foi sendo desconsiderada, desrespeitada e todo um conjunto de outros adjectivos. Ainda que nos dias de hoje isso se possa verificar com menor frequência, ainda assim aquela que se observa é suficientemente indigna. Até porque a pessoa com deficiência é uma pessoa de direitos, e não de direitos de 2ª ou 3ª classe, e como tal não necessita de estar a agradecer o facto dos seus direitos lhe estarem a ser devolvidos. São seus por direito. E além do mais, a pessoa com deficiência ao longo da sua vida vai se confrontando ainda com inúmeros obstáculos e formas de desrespeito pela sua pessoa e condição. E como tal, é compreensível, enquadrado em todo este percurso histórico e social que a pessoa se possa sentir revoltado, frustrada e com desejo de poder fazer defender os seus direitos. Até porque sente que necessita de estar a explicar uma coisa que todos nós deveríamos ter consciência - os direitos são para todos!


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