Mul·ti·ú·so, o mesmo que multiusos. Que pode ter vários tipos de utilização. No âmbito do Decreto-Lei nº 202/96, define-se pessoa com deficiência «aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica susceptível de provocar restrições da capacidade, pode estar considerada em situações de desvantagem para o exercício de actividades consideradas normais, tendo em conta a idade, o sexo e os factores sócio-culturais dominantes». E porquê voltar aqui? Com a publicação da Lei nº 4/2019 que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %, voltamos a uma já conhecida questão - Será que a metodologia usada para avaliar o nível de incapacidade é adequado? A Tabela Nacional de Incapacidade, instrumento usado para a avaliação da incapacidade da pessoa está principalmente orientada para as situações de incapacidade resultantes de acidentes de trabalho ou doença ocupacional. E ainda que tenha um capítulo respeitante à Psiquiatria, diz nas suas instruções especificas, "As presentes instruções têm por objectivo proporcionar aos peritos médicos um quadro de referência e critérios de avaliação do défice funcional decorrente da perturbação mental resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional.". Por exemplo, as pessoas com um diagnóstico de uma Perturbação do neurodesenvolvimento têm bastante dificuldade em se enquadrar aqui. Até porque o seu diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo não decorre de situação de acidente de trabalho ou de doença profissional. Ao continuar a leitura das propostas da Tabela Nacional de Incapacidade, vamos encontrada inúmeras outras orientações que justificam as dificuldades encontradas por muitas pessoas para verem consideradas as suas características e o impacto que as mesmas têm no seu quotidiano, e a forma como também dificultam o acesso ao mercado de trabalho. Não sendo obviamente esta a única razão. Até porque a forma como o mercado de trabalho se encontra maioritariamente formatado para as pessoas neurotipicas, acaba por ter maiores dificuldades para saber como lidar com a neurodiversidade. Mas voltando à Lei nº 4/2019 que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %. Uma pessoa com uma Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1), e que apresenta normalmente um perfil cognitivo e intelectual médio, vai perceber que será difícil ou perto de impossível, solicitar uma Junta Médica para obter um atestado multiusos com essa mesma percentagem de incapacidade. Ainda que o relatório, normalmente uma avaliação psicológica, ateste aquilo que são as dificuldades, o prejuízo e o sofrimento psicológico e a forma como o mesmo impacta na vida quotidiana da pessoa. Além de poder sublinhar a importância de que seja considerado a possibilidade da pessoa ser considerada dentro da percentagem de incapacidade, visto que irá beneficiar de ferramentas de apoio que irão ajudar a melhor enquadrar a pessoa e a integra-la. Ainda assim, é frequente que a mesma veja negada essa possibilidade. E como tal não consiga ser abrangida na integração sócio profissional ao abrigado da referida Lei. Seja ao contactarmos com uma pessoa com Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1), mas também quando olhamos para aquilo que a literatura cientifica refere em relação a esta mesma situação. É possível de percebermos que há uma percentagem significativa de pessoas que se enquadram dentro desta mesma condição e com todo um conjunto grande de competências e que não estão a ser absorvidas para o mercado de trabalho, prejudicando maioritariamente a autonomia e independência da pessoas. Mas também aumentando consideravelmente o mal estar e sofrimento psicológico, além de continuarmos a esgotar os recursos sociais para apoiar algumas destas pessoas através de pensões sociais. Parece fazer sentido que o próprio mercado de trabalho se prepare para abraçar o recrutamento inclusivo, facto que tem vindo a acontecer nos últimos anos. Contudo, algumas destas orientações para o recrutamento inclusivo ainda continuam a deixar de fora muitas das pessoas que não se enquadram nesta sua visão. E além do mais, até que possamos verificar um mercado de trabalho a funcionar plenamente com o recrutamento inclusivo ainda vai demorar. E a vida das pessoas não se compadece com esta demora.
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