" - O que é que tu queres ser?
- Ainda vir a ser mulher!! "
possível conversa entre duas mulheres anónimas
Sobre ontem no II seminário da Belong ‘Ramos e Raízes Dela, Aprofundar e Desenvolver os Desafios de Saúde Mental da Mulher’.
Quem será aquele pintor? perguntava ela enquanto se passeavam pelo museu Thyssen em Madrid. Queres dizer pintora? dizia-lhe a amiga. Não sei, é uma pintora? Não sei mesmo, estamos sempre a ouvir falar de pintores! retroquiu-lhe. Paula Moderson-Becker, Reclining mother and child II, 1906, dizia na pequena placa no lado esquerdo inferior junto ao quadro. Catarina e Júlia (nomes ficticios) tinham decidido viajar para Madrid e fazer um breve périplo sobre os lugares mais icónicos da cidade. Não tinham ideia quando entraram no Museu Nacional Thyssen Bornemisza que ainda estava patente a exposição Maestras. Uma exposição dedicada às mulheres pintoras entre os séculos XVI e XX, através de oito contextos importantes no percurso das mulheres em direção à emancipação. Mas como é que nunca ouvimos falar destas mulheres? perguntava Catarina. Até eu que sei algumas coisas de arte não faziam a minima ideia destas obras e destas mulheres! diz Júlia.
Este diálogo entre Catarina e Júlia dão o mote para aquilo que ontem, entre as 9h00 e as 18h00 no II Seminário da Belong senti. Apesar de ter participado no evento para falar sobre Autismo no feminino no final do dia, tive a oportunidade de receber muitas e outras partilhas a falar sobre o feminino sobre várias vertente e perspectivas. Nessas outras visões sobre a mulher e o feminino foi possivel sentir em todas as comunicações algo que me transportava para o autismo. Talvez por defeito profissional e de trabalhar tão mergulhado nesta área? Provavelmente. Mas não só. O autismo está imerso e impreganado em tudo por uma razão simples. Porque tudo faz parte da pessoa autista. Já tenho escrito - o autismo é politico ou o autismo é cultura. E ainda que o autismo esteja pouco representado na politica e na cultura ele não o deixa de estar lá. Precisamos é de o mostrar. Assim como na exposição Maestras no Thyssen. É preciso mostra-lo, destapa-lo. O autismo e o ser pessoa autista é uma forma de expressão alinhada nas multitude de tantas outras expressões de ser, sentir, pensar e viver.
No inicio do evento foi possivel ouvir todo um conjunto de testemunhos de pessoas sobre a mulher, crianças, umas mais pequenas e outras já mais crescidas, jovens, adultos de várias idades, do sexo masculino e feminino. Ao escutar aquelas frases sobre o que é para si uma mulher, os desafios e as forças da mulher ou a mulher que os inspirava não deixei de pensar sobre como tudo aquilo parecia colidir e de alguma forma estar distante do ser mulher autista. Ser mulher é cuidar, dar colo! Ser empática! Gerir, tratar de coisas! Ser mulher é ser mãe! Ouviu-se muito falar do Ser mulher como o Ser mãe, do Ser mulher como a raíz de tudo e de todos.
Começando pela questão da maternidade que tanto foi falado no seminário. Pouco ou nada se sabe da maternidade, o puerpério, o pré e pós parto no autismo e de como a mulher autista sente todo este processo já de si tão complexo e o procura integrar e viver na já tão grande complexidade de sentires. Pensando por exemplo naquilo que são as questões sensoriais na mulher autista e de como as transformações no seu corpo ao longo do processo de gravidez vão levando a uma catadupa gigante de sentires, na grande maioria das vezes assustadores e garantidamente intensos. Sempre mais intensos daquilo que já é o normal da intensidade destes momentos e sentires na mulher durante a gravidez. Essa é uma questão muito presente no autismo e aqui mais especificamente na mulher autista - Tudo é mais intenso. Amamentar é um processo muitas vezes desafiante e doloroso, ou desconfortavel. A proximidade do bebé ao corpo da mãe, o constante encostar ao corpo da mãe, o toque do bebé no corpo da mãe, traz muitas vezes uma enorme dificuldade ao sentir da mulher e mãe autista. E se isto já é desafiante quando se sabe que é autista, pior ainda quando nem sequer se sabe que o é. E isto faz muito a diferença. Contudo, ainda assim, muito frequentemente se ouve os pensamentos e as crenças profundamente enraizadas da culpa e da vergonha de não se achar estar a ser uma mãe suficientemente boa e cuidadora para o seu bebé. Até porque aquilo que sempre se ouviu falar foi um cuidar de bebés de forma neurotipica. Como é que este ser mulher mãe e todos os aspctos da maternindade colocam barreiras ao ser mulher mãe autista? Porque se o sentir ser mulher mãe autista é tão diferente do ser mulher mãe não autista isto pode trazer sentimentos de culpa, vergonha e até mesmo de não pertença a esta experiência tão enraizada e ancestral do e no feminino. E quando na mternidade se ouve frases como "De certeza que é um rapaz! A barriga está pontiaguda! É um rapaz!". Estas e outras frases com segundos sentido ficam sempre tão dificeis de compreender no autismo. Já para não falar da própria literalidade da forma de compreender. E isso tão frequentemente afasta a mulher autista da troca de conversas com outras mulheres em situações de maternidade.
Falou-se muito de hormonas e de como estas transformam o corpo, o sentir da mulher, as mudanças volateis do humor. E de como estas transformações são lidas e construidas numa narrativa masculina, mas também perputuado pelas mulheres. A menarca, sindrome pré-mestrual, a pré menopausa, menopausa, etc. São tantas as coisas que não se sabe ou se sabe muito pouco acerca deles na rapariga e na mulher autista. E de como todos eles influenciam, potenciando ou diminuindo drásticamente aquilo que já existe nos ser rapariga e mulher autista. Mais uma vez as questões sensoriais estão muito presentes aqui. O odor da menstruação, o sentir no corpo as coisas a acontecer. São todo um conjunto de sensações que podem levar a sentimentos de grande repulsa e nojo e até mesmo de não querer ter aquilo. Quando sabemos que o cuidar do corpo, da higiene pessoal é um factor tão importante e fundamental não só do cuidar mas também do bem estar e da qualidade de vida.
O corpo. O corpo esteve sempre presente. O corpo feminino. O 86-60-86. As exigências não propriamente do corpo, mas daquilo que uns e outros fazem querer parecer que deve ser o corpo. Mas sempre com esta pressão sobre o corpo feminino. Contudo, também aqui muito há a dizer sobre o corpo na rapariga e na mulher autista. As questões da propriocepção, a cinestesia, enquanto conceito para nomear a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, da força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. Esta questão da cinestesia não é apenas sobre a fisicalidade do corpo. Até proque é este corpo fisico que se mexe e dirige em direcção aos outros e às coisas. E é este corpo conjunto com esta motivação para a aproximação ou afastamento que interage e participa na interacção social, na comunicação verbal e não verbal. Mas este corpo também está presente na alimentação. E quantas vezes se vê as questões da restrição e selectividade alimentar presentes no autismo. E hoje em dia tanto que se fala da intersecção entre as perturbações da conduta alimentar presentes no autismo ou o autismo presente nestas. Mas também vamos observando com frequência que no autismo, nomeadamente no feminino, há uma maior dificuldade em não seguir as modas, as tendências, este pensamento mainstream. Seja porque não percebem esta lógica do porquê de seguir as modas, mas também porque não se identificam ou nem sequer gostam dessas mesmas tendências. E em relação à restrição e selectivdade alimentar, como é que podemos, contiuando a respeitar estas características na rapriga e mulher autista, ainda assim poder ajudar a ques estas possa fazer uma alimentação saúdavel? E possam inclusive aprender a cozinhar e a fazerem receitas próprias e que vão ao encontro destas suas características? Saber ouvir o corpo é um desafio na rapariga e mulher autista, principalmente quando há um amplificador gigantesco dentro de si e muitas vezes este ouvir se torna agressivo eplo próprio volume do que se ouve, já para não falar da qualidade do que se ouve. Mas é fundamental poder ajudar a criar condições para que a rapariga e mulher autista se oiça e principalmente se escute, de uma forma protegida e segura, e sem ter de ir necessariamente para o meio da floresta para o fazer. E isso leva-nos a ter de repensar as cidades e os edificios para que isso possa ser possível, pois é onde as pessoas vivem e passam a maior parte do seu tempo e das suas vidas. E neste processo de escuta do corpo a dança pode ser uma possibilidade, até porque o autismo também se dança!
A sexualidade. "(Ainda) os três!" lia num dos slides no seminário. A virgindade, o perder a virgindade, o entregar a sua virgindade ao outro. E rapidamente pensei naquilo que são os riscos que a rapariga e a mulher autista está exposta. É sabido que a mulher autista está muito exposta a situações de abuso fisico e sexual. E em grande parte pela forma como sente e pensa sobre a sexualidade e a sua própria sexualidade. E adicionalmente a forma como se desenvolvem (ainda muito poucos) programas para a sexualidade adaptada à rapariga e mulher autista. Mas também precisamos de pensar dentro dos aspectos da sexualidade e da interligação com a identidade todos os aspectos de identidade de género que existem e que existem dentro do espectro do autismo. E como na rapariga e na mulher autista se verificam ainda mais uma grande variabilidade e heterogeneidade da identidade de género. E nas próprias escolhas dos parceiros românticos e sexuais. No caso das raparigas e mulheres autistas verificamos que podem haver escolhas que ocorram porque se sentem bem com aquela pessoa e não propriamente porque a pessoa escolhida é do sexo masculino ou feminino.
A representatividade da mulher nos estudos é diminuto. Seja enquanto participante nos estudos, mas também enquanto cientistas. Ainda que neste último caso se verifique uma presença cada vez maior de mulheres cientistas. Contudo, no autismo e mais especificamente no autismo no feminino sabemos que a história é contada de forma diferente. É sabido que a ausência das raparigas e das mulheres enquanto participantes nos estudos do autismo é um facto grave e com grande impacto ainda nos dias de hoje. E que apesar de verificarmos uma alteração que tem contrariado esse aspecto, sabermos que a visão do autismo como uma condição maioritariamente masculina ainda vai continuar a fazer sentir esse impacto. Mas muto do desconhecimento sobre o autismo no feminino advem de uma escolha por clinicos e cientistas na utilização de rapazes e homens nos seus estudos. E como tal, sabemos que os instrumentos de avaliação (ADI-R, ADOS-2), mas também instrumentos de rastreio, assentam em caracsteríscas masculinas e não tanto no femino. E o mesmo se pode dizer em relação aos critérios de diagnóstico presente nos manuais de diagnóstico. A ausência também se faz sentir na presença de mulheres cientistas autistas a conduzirem estudos sobre o autismo, quando se sabe haver mulheres com estas duas características, serem cientistas e autistas. Contudo, precisamos de dizer que a própria história do autismo se escreve no feminino. No entanto, tal como o espanto da Catarina e da Júlia na exposição no Thyssen, também muitos se espantam sobre este facto da história do autismo também ser feminino. Até eu próprio que repeti durante algum tempo que a primeira pessoa a ser diagnósticada com autismo foi do sexo masculino, um rapaz de 8 anos de nome Donald Triplett pelo Dr. Leo Kanner. Mas na verdade, a primeira pessoa a ser diagnosticada com autismo foi uma rapariga de 5 anos, de nome P.L. (não se sabe o nome) e por uma mulher psiquiatra de nome Grunya Sukhareva. Como podemos ver, a história do autismo e desde o seu inicio está impregnado de feminino, seja na pessoa autista, mas também na médica psiquiatra. E ao lermos as descrições da Dra. Grunya sobre estas raparigas perguntamo-nos como é possivel ainda hoje ao fim de mais de um século se continuar a julgar erradamente o autismo no feminino. Já para não falar das questões do ratio homem-mulher no autismo. Quando ainda persiste uma ideia conservadora de 4:1, quando na verdade se verifica uma cada vez maior proximidade. E isso tem levado a que o diagnóstico de autismo nas raparigas e mulheres seja feito ainda hoje tão tardiamente e mais tardiamente que nos rapazes e homens com características e um perfil de funcionamento muito semelhante.
Os papéis sociais, os papeís sociais de género, seja no geral da Sociedade em geral, mas no autismo em particular estão muito presentes, e no caso do autismo no feminino presentes num formato duplo. E não é por acaso que se fala cada vez mais hoje em dia de camuflagem social. Ou seja, este desejo de se desenvolver todo um guião social de comportamentos para se poder sentir integrado no tecido social. E porquê esta camuflagem social no autismo, e mais especificamente no autismo no feminino? Porque assistimos desde sempre esta pressão para a pertença. E no caso do autismo no feminino esta pressão para a pertença no grupo neurotipo (não autista). Contudo, este peso traduz-se num grande peso e impacto negativo na pessoa autista. Porque se verifica que quanto mais se desenvolve comportamentos de camuflagem social mais se verifica um agravamento da sintomatologia ansiosa e depressiva. Até porque as raparigas e mulheres autista sentem um esforço adicional e com um enorme gasto de energia fisica e emocional para representar este papel que não é espontaneo e que na maior parte das vezes nem sequer é desejado. E do ponto de vista depressivo, o facto de durante muitos anos serem alguém que não representa a sua pessoa e a sua identidade leva-as a se sentirem perdidas na sua própria identidade e na construção da mesma. Mas esta questão dos papeis sociais de género também implica negativamente nas questões do diagnóstico e na forma como vários profissionais de saúde não estão devidamente atentos à expressão comportamental fenótipica da rapariga e mulher autista. Além de estarem enviesados ara determinado conjunto de comportamentos observados. Por exemplo, se virmos um rapaz a brincar com carrinhos e alinhar estes mesmos carrinhos vamos pensar com uma maior rapidez e frequência que será provavel algo enquadrado no especto do autismo. Contudo, quando verificamos uma rapariga a brincar com bonecas e a alinhar as bonecas já não pensamos desta mesma forma. E vamos com maior frequência atribuir uma explicação de acordo com o papel social de género e dizer algo como "Ela está a brincar às mamãs e está a cuidar dos seus bebés!". E o mesmo se pode pensar em relação a vermos um adolescente do sexo masculino versus feminino a arrumar a roupa de forma mais cuidadosa no guarda roupa. Enquanto o rapaz adolescente é capaz de ser visto de forma mais atipica e possivel der ser algo dentro do espectro do autismo, mas também da perturbação obsessivo-compulsiva. No caso da adolescente isso já não é assim. E muto provavelmente vai ser visto como um excelente exemplo da educação dos seus pais e de como ela se tornou um bom exemplo de "fada do lar" (perdoem-me a expressão). E os exemplos continuam para o campo da escola em que ao ser observado uma rapariga com um olhar aparatemente mais distante é capaz de ser visto como estando a reflectir sobre o que o professor está a dizer. E no caso do rapaz é visto como muito provavelmente estar desatento. Ou o facto de uma linguagem mais cuidada, muito frequente observado nas crianças autistas nível 1 e com um perfil cognitivo acima da média. No caso do rapaz pode chamar um pouco mais de atenção, ainda que sempre valorizado. Mas no caso da rapariga vai ser muito mais rapidamente visto como fazendo parte daquilo que seria expectável para uma rapariga ou para uma mulher.
Ser flexível, ser flexível, temos de ser flexíveis, e as mulheres ainda mais. Mas como é que a rapariga e mulher autista vai ser flexivel quando esta questão é quase sempre desafiante e até mesmo contrária à sua forma de funcionamento. Até porque a pessoa autista necessita de previsibilidade, e com frequência procura-a. Até proque assim sabe com o que pode contar e saber como fazer. Mas ser fléxivel é algo tão importante e apregoado na vida e ainda mais na vida adulta e de uma forma exponencial na mulher, pelos multiplos papéis que lhe são impostos, mas também aqueles que as próprias desejam. E associado a este ser flévivel, mas também à imprevisibildiade está a incerteza. E no caso do autismo estaremos a falar da incerteza em ser mulher, ser autista, ser quem ou o quê no dia-a-dia. Qual a tribo desta rapariga e mulher autista? Qual o lugar de pertença e de raiz desta rapariga e mulher autista? Até porque se continua a apregoar e a indicar que as raprigas e mulheres possam sair da sua zona de conforto para se conhecerem e aprenderem a conhecer e a descobrir. Mas sair fora da zona de conforto já é tão desafiante para a grande maioria de nós, quanto mais para a pessoa autista, e ainda mais para a rapariga e mulher autista.
Disparidade no acesso aos cuidados de saúde e a respostas adequadas para as suas necessidades enquanto raparigas e mulheres autistas. Isto é verdade para as mulheres, mas mais ainda na mulher autista. E por várias razões que são partilhadas por todas as outras mulhers, nomeadamente a pobreza. Mas tendo em conta que um número significativo de mulheres autistas não está a trabalhar (os números falam de cerca de 80% de pessoas autistas adultas que não estão a trabalhar), o assegurar da autonomia e independência fica severamente comprometida. E isso irá fazer perpetuar este ciclo. Mas nos cuidados de saúde e na resposta fornecida para as raparigas e mulheres autistas, os serviços de saúde também criam uma enorme barreira. Seja no acesso ao diagnóstico, mas também em profissionais de saúde (i.e., médicos, psicólogos e outros) que parecem não estar conscientes, informados e sensibilizados para receber as raparigas e mulheres autistas.
É preciso vitamina D. E ainda mais num país como o nosso onde o sol é uma constante parece curioso falarmos dessa questão. Mas a deficiência na vitamina D e na necessidade de exposição solar e do reforço da actividade fisica é significativo. Contudo, aquilo que verificamos é de que há um maior à vontade de estar em isolamento social e não só, mas com uma menor presença no exterior. Verificamos que a rapariga e mulher autista está em maior défice e precisa de ser ajudada, seja na estabilização desta vitamina através da administração farmacológica. Mas poder ajudar inclusive a criar mais e melhores condições para o virem para o exterior. E o mesmo para a prática do exercicio fisica, que necessita grandemente de ser mais inclusivo e ir ao encontro da forma de ser da pessoa autista. E mais do que estar a querer converter a rapariga e mulher autista à forma de uma prática de actividade fisica não autista poder ir ao encontro da forma de ser destas. E isso implica o aceitar comportamentos motores de maior rigidez corporal ainda que se possa/deva ajudar a como descontrair e melhorar o sentir do seu corpo. E a prática da actividade fisica é fundamental para a pessoa ao longo da vida e em alturas especificas da vida, nomeadamente na vida adulta e na velhice. Mas a velhice é um período de vida que se sabe ainda menos quando se fala dentro do autismo. Vivemos cada vez mais e até mais tardiamente mas será que vivemos melhor e com melhores condições e qualidade de vida? A resposta inflezimente é conhecida. Não, não vivemos com melhor qualidade e ainda menos a mulher e pior ainda a mulher autista. E ainda aqui no envelhecimento é preciso pensar na questão do tempo e de como este é sentido e processado. E também aqui no autismo sabemos que o tempo e o passar do tempo está mais comprometido, seja do ponto de vista cognitivo, mas também porque pode não lhe fazer sentido. E associado ao tempo e ao processamento do tempo temos associado a memória autobiográfica episódica e como também está comprometida. E se o processamento do tempo e da memória autobiográfica está comprometida como é que a pessoa autista conta a sua história de vida? E como fica a vicência existencial da mulher autista? E o envelhecimento? Para a pessoa conhecer e contar a sua vida vida, algo que ocorre com mais frequência neste período de vida acima dos 60-65 anos, fica muito mais dificil para a pessoa autista e é fundamental ajudar a pessoa a fazer escolhas adaptadas a si de como pode ir fazendo o registo da sua história de vida para que neste e em outras alturas sinta-se capaz de recorrer a estes registos para poder ver e contar a sua história.
Os aspectos do humor parecem estar em muito presentes na mulher. E mais uma vez esta questão é verdade e ainda mais na mulher autista. Contudo, parece que estas questões do humor aparecem embrulhadas em outros aspectos, nomeadamente de Anedonia e de Alexitimia. E isso por si só leva a uma maior complexidade na forma de ser e principalmente do sentir na rapariga e na mulher autista. E de uma forma ou de outra temos a interligação da oxitocina com estas questões do humor. E também mais uma vez verificamos que os níveis de oxitocina está em deficit nas pessoas autistas.
Sindrome de impostor. Viver no desconhecimento em relação ao diagnóstico de autismo potencia a existência do sindrome de impostor. E por isso ouvimos frases como "Mas se eu fui sendo capaz de fazer as coisas ao longo da vida, então é provavel que eu não seja autista e esteja a querer ver o autismo quando na verdade pode ser uma outra coisa!". As mulheres autistas viveram toda uma vida sem saberem o que se passava consigo, e com a forma de olhar e compreender os outros e o Mundo. Quando chegam à vida adulta têm todo uma construção muito mais cristalizada na sua forma de pensar, sentir e agir. A sua estrutura de personalidade está completa e como tal torna-se muito mais desafiante passar a pensar de uma forma diferente. E no caso de receberem um diagnóstico de autismo tardiamente na vida adulta é algo bastante diferente daquilo que vinham a pensar, sentir e agir. A síndrome de impostor, a culpa, vergonha, auto-criticismo está multiplicado na rapariga e na mulher autista.
O dia de ontem foi grande como se pode ver pelo número de reflexões, mas também a vida é grande, e pelos vistos cada vez maior.
As raparigas e as mulheres autistas apresentam uma expressão comportamental observada diferente dos rapazes e homens autistas? Sim, apresentam. Mas também apresentam muitos outros comportamentamentos semelhantes. Um dos aspectos que a evidência cientifica demonstra é que os comportamentos repetitivos e estereotipados parecem menos presentes nas raparigas/mulheres do que no sexo masculino. Mas ainda assim, o diagnóstico e os critérios de diagnóstico são muito semelhantes. Mas é importante poder compreender a nosologia e a evolução destas características ao longo da vida, nomeadamente na rapariga e mulher. Até para podermos fugir da ideia simples de que bastaria mudarmos os critérios de diagnóstico e de melhorar os instrumentos de avaliação para que a situação da rapariga e da mulher autista pudesse ficar resolvido. Porque não fica. É fundamental podermos continuar a pensar e a pensar em conjunto com a rapariga e mulher autista para fazer um melhor caminho, profissionais de saúde e não profissionais. As ideias/crenças/esterotipos que se tem em relação ao autismo, atinge de uma forma diferente, mas igualmente impactante a rapariga e a mulher autista. Estas fazem contacto ocular, ainda que o possam fazer de forma mais atipica e que possa não ser usado do ponto de vista qualitativo para mediar a interacção social. As raparigas e mulheres autista, quando comparado com os rapazes/homens autistias, demonstram mais vontade em relações e interacções sociais, de amizade e amorosas. Mas apresentam também aqui todo um conjunto de formas mais singulares quando comparado com o guião não autista. E isso não significa que é errado ou mal feito. Mas sim que é uma forma diferente. Mas estas competências sociais também estão aqui aumentadas porque há um competência para a aprendizagem deste mesmo guião. Naquilo que se designa e já se falou de camuflagem social. Mas sempre com um grande custo associado e como tal deve ser repensado. O facto destas raparigas e mulheres autistas (nível 1) possam apresentar um perfil cognitivo e intelectual acima da média, tal como se verifica nos rapazes/homens autistas, leva-as a serem mais competentes, mas isso não as leva a sair do espectro do autismo.
Continua a haver muito para se dizer sobre o autismo no feminino e que não foram aqui escritos. Mas a vida, dentro e fora do autismo não termina aqui e vai ser possivel continuarmos a falar de tantas outras situações.
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